Famílias, utilitarismo, ‘tachos’ e históricas (des)igualdades …

A campanha eleitoral para o Parlamento Europeu está a ser colonizada pela discussão das nomeações familiares para o aparelho de Estado. Não é um bom indício para o esclarecimento público do que estará em discussão no mais alto fórum europeu, nem um bom motivo de mobilização para o exercício do direito de voto.

Trata-se de uma estratégia da Direita cada vez mais alienada das questões essenciais mas, também, reveladora de uma rota colisão europeia que prossegue na consolidação de posições eurocéticas. Pouco, ou nada, tem a ver com os erros, insuficiências e agonia de uma Europa comunitária - da responsabilidade da Direita europeia (PPE) que superintende a política na Europa há décadas - e manifesta-se contrária a políticas que necessitam de urgente correção, quiçá, de inversão.
A Direita manifesta-se como estando obcessivamente confinada às ciclópicas tarefas de promover o renascimento de um ‘nacionalismo’ serôdio, com amplo e variado espectro e múltiplas matizes nacionais ou regionais, cujo alcance vai do campo ideológico aos pantanosos terrenos bélicos.

É óbvio que os fumos de nepotismo, amiguismo, compadrio e favorecimento empestam o aparelho de Estado, a todos os níveis. Não é uma situação de agora, embora possa estar a ser mais meticulosamente escrutinada no presente, a reboque da campanha eleitoral e com uma abordagem enviesada.

O nepotismo sendo um favorecimento familiar para o preenchimento de lugares públicos, ou suportados pelo erário público, que se circunscreve aos cargos na administração estatual tem um espaço (impacto) reduzido nas relações políticas entre os cidadãos e o Estado. Na sociedade civil não existe ou, existirá, não sendo penalizado e em múltiplas situações, por exemplo, as empresariais, implantou-se e desenvolveu-se o ‘familismo primitivo’.

Felizmente que a situação instalada e objeto do presente 'ruído' produzido pela Direita não configura – para já - um quadro de ‘comunarismo familiar’ (não tem nada a ver com comunismo) situação em que o exercício de funções públicas na governação e administração proporcionam (visam facilitar) os mais variados ‘negócios’.
Esta é (terá sido?) a endogamia grave que a Direita quer ocultar com o atual barulho eleitoral e que existiu ‘silenciosamente’ no passado, com a escandalosa complacência do chamado 'arco do poder', p. exº., no caso do ex-BES e dos seus ‘mandatários governamentais’ e que ainda hoje acarreta graves consequências (Novo Banco/Lone Star).

De facto, o que está em causa é verificarmos a existência da permanente criação e desenvolvimento de uma oligarquia partidária que nasce de diversas circunstâncias, tem mecanismos de recrutamento enviesados, une protagonistas por laços afins (afinidades várias) e acaba por formar um núcleo elitista, sempre pronto para ‘assaltar o pote’.
Este núcleo privilegiado disfruta de condições que escapam ou estão interditas aos ‘vulgares’ cidadãos, já que se confina a uma nova aristocracia fechada e confinada aos interesses e que tende a autorreproduzir-se. Têm, ou tiveram, fácil acesso à educação, frequentaram as instituições de renome (excelência), militaram em organizações partidárias juvenis (‘jotinhas’), progrediram rapidamente nas carreiras e, finalmente, ‘conseguiram’ fabricar um bom currículo que, como temos ouvido, será a justificação racional, formal e última para as diferentes designações e nomeações.

Por regra as nomeações para cargos púbicos, isto é, os dirigentes não-eleitos, deveriam passar por um processo concursal, credível e transparente. Claro que existirão cargos chamados de ‘confiança política’ mas este conceito muito dificilmente contemplará a aceitação de uma migração enviesada para uma ‘confiança partidária’ que poderá alterar todos os pressupostos. A formação de um gabinete de apoio a um titular de um cargo político deveria obedecer a outros requisitos de transparência e seleção que ainda não foram tipificados.
Todos temos a noção de que a análise curricular não chega, basta ver ‘fenómenos’ recentes, como por exemplo, o de Barreiras Duarte.
 
Uma coisa será a ‘confiança pessoal’ que diz respeito a atitudes comportamentais individuais que necessitam ser avaliadas e reconhecidas, outra será a ‘confiança organizacional’ que engloba a pessoa e a capacidade de interação com os vários tipos de estruturas políticas, económicas, sociais e culturais envolventes, necessariamente, uma relação muito mais complexa e alargada.
Na realidade, a existência de oligarquias político-partidárias que nasceram no nosso País com a Revolução Liberal não pode ser desligada da atávica propensão para o caciquismo que, sendo um fenómeno perturbador muito visível no meio rural, existe também nos centros urbanos, embora com outras nuances e sofisticação, mas que - em ambas as situações - veio infestar as eleições ou, neste caso, as nomeações, para o exercício de cargos públicos.

Mais do que endogamia partidária os ‘escândalos’, explorados nesta campanha eleitoral, sob a batuta da Direita (na realidade um dos feudos elitistas da política), mostram que existem na sociedade graves discrepâncias quando falamos (ou verificamos) oportunidades. Afinal, mais de dois séculos após o términus da Revolução Francesa, o sol (ainda) não nasce para todos.
A velha analogia entre socialismo e igualitarismo continua na ordem do dia por motivos bem diversos daqueles que a Direita pretende fazer valer. Mais do que a igualdade de oportunidades que podem ser ‘torturadas’ ao sabor de conveniências (políticas e partidárias) o importante será disponibilizar o mesmo tipo e qualidade de meios a todos os cidadãos.
 
Mas isso é uma outra história que, com certeza, a Direita não está interessada em discutir porque vai entroncar-se na ‘natureza do Estado’. Ou se quisermos ser mais concretos “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, de Friedrich Engels, publicado em 1884 (portanto uma discussão que dura desde há 135 anos!).

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