Estado Vegetativo Persistente em Portugal

Perante o infeliz sucesso mediático - mistura de Berlusconismo e proto-catolicismo - e o indigno tratamento - verdadeira humilhação! - a que a cidadã Eluana Englaro tem vindo a ser sujeita, interessa saber como reagiu a mais alta instância de debate ético em Portugal, perante um caso idêntico.

Para tanto convido os leitores a consultar o Parecer sobre o Estado Vegetativo Persistente, aprovado (por maioria) pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em 2005.

Trata-se de um parecer e de um relatório muito bem elaborado, que dá voz ao princípio da autonomia, designadamente a autonomia prospectiva, de modo adequado.

Ao debater a difícil questão de saber se a hidratação e a nutrição podem ser equiparadas a tratamento médico (e, assim, suspendidas), o Conselho admitiu a posição menos conservadora. Ou seja, não se proíbe a suspensão de hidratação e de nutrição se tal corresponder à vontade presumível, designadamente se constar de uma declaração antecipada de vontade, da pessoa em estado vegetativo persistente.

Esta orientação do CNECV segue, pois, a posição finalmente assumida pela justiça italiana, e a decisão da justiça na Florida (Terry Schiavo). Demarca-se, pois, das posições defendidas por Jeb Bush e por Berlusconi.

Infelizmente não há soluções boas, quando se a pessoa se encontra em estado vegetativo persistente.
Resta salvar os princípios, valorizar a pessoa e os seus desejos anteriormente expressos.

Comentários

andrepereira disse…
http://www.youtube.com/watch?v=bVcRhitT7ao Aqui pode ver e ouvir o testemunho do pai de Eluana, no qual ele afirma que ela - perante um caso semelhante de uma sua amiga - afirma "ter horror" a "viver" assim. Ela assim está desde 1992...
andrepereira disse…
"Non voglio sentirmi io responsabile di omissione di soccorso. Io non voglio la responsabilità della morte di Eluana, una persona viva e che può fare figli".


Silvio Berlusconi, 6 Febbraio 2009

AH! Afinal Eluana está mesmo a ser instrumentalizada! E o Sílvio ainda pensa que ela poderia ser mais "útil", designadamente fazendo filhos...
Que conceito de dignidade é este? Uma pessoa tornada res para gáudio de uns tristes políticos que a História se encarregará de julgar, numa obscura nota de rodapé, amolecida, caída, esquecida. Parte Sílvio. Deixa a Itália respirar!
e-pá! disse…
Caro André:

Tive o cuidado de ler o parecer do CNECV sobre o "Estado Vegetativo Persistente", do qual não me recordava - se alguma vez o cheguei a ler.

A meu ver este parecer coloca no centro do processo decisório "uma pessoa de confiança previamente designada pela pesooa em eventual estado vegetativo" o que, na prática´, parece-me uma impossibilidade ou, na melhor das hipóteses, uma terível condicionante sobre a determinação de quem pode evocar esta condição.

Transcrevo, o parecer da CNECV nas partes que acho, crucial, esclarecer:

3. toda a decisão sobre o início ou a suspensão de cuidados básicos da pessoa em Estado Vegetativo Persistente deve respeitar a vontade do próprio;
A "vontade do próprio" ou foi, cautelosamente, expressa (porque meios: escritos, conversação?) antes do acidente (de qualquer tipo) determinante da passagem a um estado vegetativo permanete (observadas as correctas condições de verificação), ou, na maioria dos casos sua instalação é súbita, imprevista, não dando azo a conhecer a "vontade do próprio" ou mesmo que o "próprio" tenha oportunidade de expressá-la.

4. a vontade pode ser expressa ou presumida ou manifestada por pessoa de confiança previamente designada por quem se encontra em Estado Vegetativo Persistente.
De novo, o condicionamento "da pessoa de confiança previamente designada"...

5. todo o processo de tratamento da pessoa em Estado Vegetativo Persistente deverá envolver toda a equipa médica assim como a família mais próxima e/ou a pessoa de confiança anteriormente indicada e pressupor a disponibilização da informação conveniente a todo o processo decisório, tendo em consideração a vontade reconhecível da pessoa em Estado Vegetativo Persistente nos limites da boa prática médica, e tendo em conta a proporcionalidade dos meios que melhor se adeqúem ao caso concreto.
Deste texto um pouco intrincado e assente em alguns chavões como a "boa prática médica" ( o estado vegetativo pressupõe: tratamento ou cuidados básicos de vida?) volta a aparecer a família mais próxima e/ou a pessoa de confiança anteriormente indicada.
Desta alternativa - e/ou - pode-se inferir que, p. exº., os pais, ou o conjugue, podem substituir a pessoa de confiança anteriormente indicada?


Finalmente, para os especialistas de Direito:

Num eventual caso de estado vegetativo persistente, em Portugal, é necessária autorização expressa de um Tribunal, para suspender a alimentação e a hidratação do suposto ser nestas condições?
andrepereira disse…
Em termos muito simples, o CNECV, neste parecer, dá relevância aos chamados living wills, testamentos de paciente ou testamentos vitais, ainda não regulamentados na lei portuguesa, mas previstos na Convenção de Oviedo (art.9.º). Dá ainda valor aos chamados "procuradores de cuidados de saúde" ou pessoa de confiança designada pelo paciente, que também aguarda melhor regulamentação.
Na ausênica de qualquer desses instrumentos de manifestação de vontade para futuro resta-nos o "velho" instituto do consentimento presumido, isto é, decidir de acordo com a vontade hipotético-conjectural do paciente, a vontade que a pessoa teria caso pudesse exprimir agora a sua opinião. No caso da Eluana e da Terry Schiavo foi exactamente isso que se fez: ouviu-se os familiares, as pessoas próximas, e conclui-se que de acordo com o quadro de valores daquelas duas pessoas, elas não quereriam manter uma vida vegetativa, não aceitariam ficar indefinidamente à espera de uma recuperação ao estado de consciência muito improvável (quase impossível) - e que nos raríssimos casos em que terá acontecido, deu lugar a um vida com alto grau de incapacidade e n sua (delas) opinião sem qualidade.
O consentimento presumido será pois a resposta ao problema: o que não afasta, antes impõe, uma conversa com a família, com o médico de família (se for próximo) e outras pessoas próximas e uma ponderação cuidada. A lei não determina qual a entidade que efectua essa ponderação. Em regra, na medicina, deverá ser o próprio médico assistente, mas perante casos mais complexos e difíceis, como este é, eu recomendaria que a Comissão de Ética desse um parecer, que a direcção clínica da instituição desse parece, ouvindo a direcção do serviço em causa.
O tribunal, na tradição portuguesa, não está ainda muito envolvido nos cuidados médicos. Apenas no caso de transplante de órgãos não regeneráveis, entre vivos, a partir de crianças sujeitas ao regime da tutela, a lei manda pedir a autorização ao tribunal.
Penso que estes casos têm acontecido em Portugal. Este parecer do CNECV deverá ser o guião e não tenho conhecimento que se exija o controle por parte do tribunal.
Mas, parece-me que seria uma boa ideia: garantir que o procedimento que conduz a uma decisão tão grave e irreversível fosse devidamente controlado por um juiz.

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