O milagre do Sol e outros prodígios

No tempo em que as virgens saltitavam de azinheira em azinheira chegou uma em voos curtos à Cova da Iria, no dia 13 de Maio de 1917, coberta de luz, de manto branco, para dizer a três criancinhas que era do céu e prometer-lhes que as levaria com ela, mas que o Francisco teria de rezar muitos terços. Pediu ainda a virgem que voltassem nos dias 13, sempre à mesma hora, seis meses seguidos, para lhes dizer quem era e o que queria.

São assim as virgens, caprichosas e enigmáticas, mas tendo-lhe a Lúcia perguntado por duas amigas mortas, logo lhe disse que a Maria das Neves estava no Céu e que a Amélia estaria no Purgatório até ao fim do mundo, novas de quem viaja, saber de quem conhece o país das almas e está de visita à paróquia de Ourém, sem adivinhar que o Purgatório será extinto.

As crianças obedeceram, depois de aceitarem oferecer-se a deus para suportarem todos os sofrimentos que ele quisesse enviar-lhes em acto de reparação pelos pecados com que ele, deus, era ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores.

Depois de se terem comprometido a pagar as dívidas alheias, a virgem levantou voo na vertical, não sem antes ter pedido que rezassem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra. Eram dóceis as crianças. Doutro modo podia nunca ter acabado a guerra que em 1918 se extinguiu.

O Sol, condenado à imobilidade por Galileu, revoltou-se contra a ciência, reconciliou-se com os preceitos bíblicos e um dia fez piruetas na Cova da Iria para reabilitar o deus de Abraão, estupefazer as criancinhas e deslumbrar os mirones que acorriam ao local.

Exultaram os padres que teceram o milagre para excitarem as hostes contra a República, benzeram-se os crentes que agitavam terços e renderam-se os incréus do costume para atestarem a verosimilhança do prodígio pio.

Que sorte não existirem então as medidas de segurança que ora soem. Se a virgem que vinha mensalmente cavaquear com os pastorinhos e o anjo que ali desceu, convencido de que era seguro o anjódromo, tivessem apanhado com um decreto que interditasse o corredor aéreo, certamente que a GNR teria aberto fogo com as escopetas e teríamos o anjo de asas quebradas, a voar baixinho, e uma virgem derrubada da azinheira a esvair-se sem pensar na guerra, nos terços e nos pecados.

Valeu ao negócio da fé o carácter artesanal com que então se defendia o espaço aéreo.

Comentários

Ricardo Campos disse…
que texto tão bem escrito!
os meus parabens!
você é um grande escritor de fabulas... os meus parabens
Maria Rios disse…
Aqui onde moro, nos dias 25 de cada mês , ainda há quem vá pôr uma vela à santa Parruca. Nos anos 50/60 punha todos a olhar para o céu para ver "o milagre"
Faltou-lhe um serviço de marketing.
Gostei...muito bom texto
Maria
ana disse…
Óptimo texto, como de costume. Estranho é perante tantas evidências haver ainda pessoas, entre elas padres, que não acreditam nas aparições da santinha. Apesar de muito já ter lido sobre Fátima ainda não encontrei, mas certamente existe, a explicação da Igreja para o facto de o Sol se ter posto a fazer piruetas que só naquele local puderam ser vistas, discriminando assim milhões de crentes que, por se encontrarem noutros locais, não viram piruetas nenhumas. Não foi justo. Parece-me.
Ana:

Injusto é não fazerem o espectáculo para descrentes. Os crentes não precisam desses números, já estão convencidos.
Julio disse…
O que torna um povo estúpido e imbecilizado são essas encenações COMERCIAIS da maior seita do mundo.
Claro que todos os padres em Portugal alinham pelo portento, pois dele colhem o seu ganha-pão, sem o qual morreriam de fome, pois poucos outros atributos possuem para uma vida produtiva.
São, no fim, pobres vítimas intelectuais de uma conspiração vergonhosa para adquirir aplauso imerecido.

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