Os transplantes, a ressurreição da carne, a vida eterna e o ámen

Há 60 anos (dezembro/1954) o cirurgião americano Joseph Murrey realizou o primeiro transplante humano, um rim doado por um irmão gémeo a outro que estava a morrer de doença renal. A generosidade fraternal foi compensada com mais de 8 anos de vida do irmão transplantado que constituiu família e havia de gerar duas filhas.

Os crentes mais devotos de então consideraram tratar-se de uma profanação do corpo e que os médicos se imiscuíram numa prerrogativa de Deus. Nesse dia os homens deram mais um pequeno passo na sua emancipação e Deus um enorme trambolhão.

O êxito da operação foi uma vitória sobre a omnipotência e a omnisciência divinas cuja credibilidade sofreu um rude golpe. Desde então, milhares de vidas foram prolongadas, graças à ciência.

Quem acredita na vida eterna e na ressurreição da carne, deve perturbar-se com o que acontecerá no Vale de Josafat, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, no dia bíblico do Juízo Final.

O Deus deles, cruel e medonho, lá estará a julgar os vivos e mortos, perante a enorme confusão em que aos problemas logísticos se junta a berraria de quem pede a devolução do fígado, reclama um rim, exige de volta o coração ou procura o esqueleto dividido por centenas de próteses de acidentados.

Deus começa a ter problemas complicados. O melhor é desistir do mito da ressurreição e manter-se no silêncio a que se remeteu após o género humano ter decidido pensar.

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