Ventos de Espanha...
Os resultados das eleições deste fim-de-semana em Espanha link constituiem um facto político difícil de contornar.
Há algo no horizonte democrático que começa a desmoronar-se. No Reino Unido (cada vez menos 'Unido') a maioria nasce de uma minoria de votos, se for contabilizada a globalidade dos votos expressos nas urnas. Em Espanha (uma mescla de povos feito Reino) a crise económica e social alterou todo o stablishement situacionista que vigora desde a morte (política e física) de Franco.
O PP não perdeu liminarmente a maioria (continua a ser o partido mais votado o que é diferente) mas dificilmente logrará obter hegemonias políticas a que estava habituado quer nos municípios, quer nas comunidades autonómicas.
Entretanto, o outro braço da bipolarização – o PSOE – não capitalizou automaticamente, como era esperado, as perdas dos ‘populares’.
Pelo meio surgiram novos partidos, entre eles um de protesto (Podemos), e outro de índole mais centrista, moderado, mas assumidamente anti-austeridade (Ciudadanos). Esta interposição no velho esquema bipolarizador alterou profundamente o mapa político-eleitoral. Entramos, portanto, num período em que as eleições mais do que soluções geram impasses.
A diluição do poder político do PP, a debilidade do PSOE e a emergência do Podemos e do Ciudadanos são mudanças que só serão totalmente avaliadas no período pós-eleitoral. O exemplo da Andaluzia paira sobre estas eleições.
As eleições, nestas situações de fragmentação, ultrapassam o mero escrutínio democrático do exercício findo (embora as avaliem) mas perspectivam-se decididamente em relação ao futuro.
A perda de influência dos partidos tradicionais que delimitavam um espectro à Esquerda e outro à Direita (ainda que com ténues nuances), é essencialmente devida aos atropelos na execução das promessas eleitorais com que se apresentaram ao eleitorado (tendo evitado falar em políticas de austeridade e de empobrecimento) e aos crescentes e recorrentes fenómenos de corrupção com envolvimentos partidários abundantes. Estes dois parâmetros levam a que os sufrágios, como vêm sendo realizados, mostrem que maiorias (nomeadamente as absolutas) possam ser instrumentos facilitadores da continuação deste tipo de enviesamento democrático.
O que os eleitores por todo o lado (por essa Europa fora) estão a indiciar é um ambiente de pré-ruptura. O que não é pouco em termos de mudança.
Na verdade, os compromissos não se perfilam no horizonte e manobras do ‘tipo Cavaco Silva’ que visam perpetuar reformas apelidadas de ‘estruturais’ quando não passam de medidas conjunturais ditadas por obscuros (e ocultos) princípios ideológicos. Não têm cabimento qualquer tipo de entendimento dada a proximidade do próximo acto eleitoral em Novembro/Dezembro deste ano.
O consenso está longe de ser uma saída viável para a situação política espanhola que foi criada no pós-eleições. Por exemplo, será muito difícil, se não impossível, gizar uma política fiscal estável e duradoura enquanto não forem previamente definidas ideias concretas e acordados princípios sobre um pilar básico da democracia: a redistribuição da riqueza. Será, também, muito complicado definir conjuntamente estratégias de crescimento económico que façam cair as elevadas taxas de desemprego, embora sobre este dois factos haja um vasto leque de aparente concordância programática, mas onde continua a subsistir uma grande divergência sobre os meios e métodos. Não é previsível que, quer o Podemos, quer os Ciudadanos, estejam disponíveis para projectos ditos de consenso sem com esse gesto fazerem um 'harakiri'. Idem, para o PSOE que terá de digerir os resultados de ontem para tentar de novo arrancar para as legislativas.
Por outro lado, a ruptura institucional que estas eleições prefiguram e anunciam poderá, a breve trecho originar, graves perturbações à governabilidade até ao acto eleitoral que se segue. O reino entrou em modo de suspensão e os problemas agudizaram-se, p. exº., na Catalunha, onde o ‘soberanismo’ reinante e imposto por Madrid sofreu uma pesada derrota.
Nada será como dantes no Palácio da Moncloa por mais acrobáticas e engenhosas declarações que os partidos da bipolarização produzam no seguimento deste acto eleitoral.
O que parece inevitável é um período de transição até às eleições gerais cujos contornos e consequências são imprevisíveis. A transcrição destes resultados para um nível nacional não é directa mas não deixa de ser inevitável. As eleições de ontem foram um ensaio e não clarificaram nada. Quando muito vão exacerbar a luta partidária sem introduzir quaisquer novidades do plano político.
Quando as eleições se transformam num intermezzo algo de grave se passa no reino.
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