Mel, Pastel e um Boneco de Papel…

As recentes movimentações da Direita no nosso país trouxeram-me à memória uma peça de um brilhante homem de teatro, Júlio Castronuevo, intitulada “Mel, Pastel e um Boneco de Papel” que, nos anos 70, foi objeto várias representações no âmbito da animação teatral infantil. Vários grupos de teatro, entre eles coletivos universitários e experimentais (TEUC, TEP, …) levaram à cena esta peça obra criativa de um mestre do mimo e da pantomima - que tive a honra de conhecer - e que por aqui trabalhou.
 
Uma nota à margem do post. Júlio Castronuevo foi – faleceu em Madrid em 2013 – um artista que foi obrigado a fugir da Argentina, em 1967, após a dita ‘Revolução Nacional’ (1966), orquestrada pelo general Onganía, mais um exemplo das ditaduras militares fascistas que varreram a América Latina. A ‘revolução’ de Onganía foi um capítulo da luta anti-peronista com a falsa motivação de que o peronismo - por defender um modelo sui generis de justiça social - seria a antecâmara do comunismo. Castronuevo faz parte de uma geração de jovens argentinos que a ditadura militar argentina transformou em exilados.
 
Voltando ao âmago da questão constatamos que o que mediou, em primeiro lugar, a conjunção mnemónica entre a peça de Castronuevo, encenador da citada peça infantil, e o MEL (Movimento Europa e Liberdade), que ensaia os primeiros passos, no contexto político nacional, foi a homografia do termo. O resto, isto é, o pastel e o boneco de papel, veio por acréscimo.
 
O MEL é a mais recente expressão da ‘reorganização’ da Direita em Portugal vítima das tropelias da não-vinda do diabo e corre à boleia do descrédito à volta do ‘Centrão’.
 
Na realidade, o conclave do MEL não passa de um novo afloramento de um já velho “Projecto Farol” link onde, aliás, ainda persistem alguns dos protagonistas iniciais, como por exemplo, ‘promotor’ Jorge Marrão.
Este insidioso conceito de ‘corporate governance’ que, subliminarmente, os promotores da ‘convenção MEL’ advogam, tende a transformar o país numa grande empresa gerido não por políticos, mas pela ‘inteligenzia empresarial’, subsidiária dos grandes oligopólios, tem a sua remota origem no ‘sistema Bretton-Woods’ (1944) e, dissimuladamente, aceitam a ‘fatalidade histórica’ de uma governação mundial, poderosa, mas não sufragável, nem regulável, com todo o cortejo de instituições acessórias: FMI, Banco Mundial, Grupo Bidelberg, etc.. 
 
Quando o MEL aparece na praça pública a defender um chavão à volta de um moderno conceito de ‘democracia de qualidade’ está, sem tirar nem pôr, a pelejar pelo ocaso da democracia, ficando como remanescente e a sobrenadar a ‘qualidade’ dos gestores e de uns esparsos e desiludidos ‘profissionais da política’, que se julgam predestinados para governar.
 
Na realidade, falta saber como - e com que forças associadas - se conseguirá chegar aos objetivos que o MEL defende. A Direita sente necessidade de se ‘refundar’ em novos moldes e com novos césares. Em diversos momentos históricos recentes fê-lo pela força porque não mostrou capacidade de mobilizar o país. Poderemos estar à beira de um novo episódio a cavalo das velhas metodologias.
O MEL está aí para agitar as águas e para levá-la ao seu moinho. Falta o pastel e o boneco de papel.
 
O pastel imunda a ‘pastelada’ da convenção um pouco à semelhança do termo futebolístico dos ‘dirigentes do croquete e do copo de vinho’ e podemos ver por todo o lado os inefáveis ‘pasteleiros’ da nossa praça: Santana Lopes, Marques Mendes, Assunção Cristas e muitos outros que a fraca notoriedade mediática não os traz ao de cima. 
 
O boneco de papel é o espantalho que ensombra a democracia, cheia de defeitos e contradições, mas apesar das insuficiências dos políticos e das organizações partidárias, com capacidade intrínseca para a sua renovação e adequação aos novos tempos, dispensando o ‘desinteressado’ contributo dos iluminados protagonistas do MEL que a querem substituir por outros modelos de ‘governance’, nunca cabalmente explicitados.
 
A peça “Mel, Pastel e um Boneco de Papel” foi aqui recordada como tendo sido uma representação infantil que foi exibida em Portugal nos anos 70.  A convenção do MEL revela a par de infinita infantilidade (dos métodos que a Direita persiste em utilizar) que a mesma não pode reivindicar qualquer tipo de ingenuidade ou inocência e  nem pode esconder-se por detrás de imaginárias discriminações.
Afinal, a mesma Direita que agora acha necessário reunir as hostes em convenção tem, em Portugal, largos anos de uso e abuso do Poder. O que efetivamente a move é o espectro do sucesso da ‘geringonça’ e a urgência do reencaminhamento da política para a ‘área do centrão’, onde a Direita e os seus interesses sempre pontificaram.   
 
Finalizando com um regresso ao teatro. A arte de Talma vive do desempenho e da criatividade das personagens. ‘Persona’, em grego, significa máscara. É esta ‘mascarada’ que estamos a assistir nesta ‘convenção do Movimento Europa e Liberdade’.

Comentários

e-pá! disse…
Adenda:

Ontem foi um verdadeiro festival da Direita (em decomposição...).
Os fragmentados, estiolados, descomandados e ansiosos ex-dirigentes e neófitos caudilhos que se reivindicam de integrar esta espectro político (da Direita neoliberal, ultraconservadora, nacionalista, populista, etc.) a pedir - no conclave do MEL - uma 'santa aliança' (pré ou pós eleitoral ou tão somente o cúmulo de 116 deputados...) e, na sala ao lado, Montenegro a lançar viperinas farpas ao líder do partido mais representativo dessa hipotética coligação, num inusitado esforço capaz de fragmentar ainda mais o PSD.
A dúvida que suscita aos portugueses é:
Quantos 'novos partidos' será o PSD capaz de gerar?
E resta uma outra incógnita ainda não esclarecida:
Quem transformou o PSD num 'saco de gatos'?

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