A Interrupção Voluntária da Gravidez
Não sei que razões ponderosas terão levado uma operária de Aveiro a interromper a gravidez e a sujeitar-se a uma curetagem, quiçá com medo de perder o emprego ou, com ele já perdido, receando não poder criar mais um filho.
Foi uma boa acção? – Certamente que não. Também o adultério é um acto perverso e já deixou de ser crime. Também o divórcio é um passo cruel, tantas vezes indesculpável, e não conduz ao cárcere. Também um processo judicial que prescreve, por incúria, é uma ofensa à Justiça e um atropelo aos cidadãos e ninguém é punido.
O que terá levado a PJ e o Ministério Público a perseguirem aquela operária de Aveiro enquanto na costa se descarregava droga? Quem deliberou devassar-lhe a intimidade e obrigá-la ao exame ginecológico enquanto se escolhiam árbitros para jogos de futebol do fim-de-semana seguinte? Quem estabeleceu a prioridade do crime a perseguir?
Aquela operária, com o corpo e a alma doridos, ia de motorizada com o companheiro. Gozasse o conforto de um Mercedes e condutor privativo e ninguém a teria detido. Na Maia, em Setúbal e em Aveiro eram mulheres pobres as que foram julgadas.
A pobreza é mera coincidência. E uma parteira foi presa por tráfico de estupefacientes porque, em vez de minorar as dores, era a sangue frio que devia ter punido as pecadoras.
Perante o crime de mulheres que interrompem a gravidez, porque o feto que trazem no útero é um futuro filho indesejado, não sou capaz de exigir a sua prisão.
Mas, se houver quem as queira prender, se a maioria entender que as mulheres servem apenas para parir e sofrer, tratar da casa e atender o marido, cuidar dos filhos e recusar o prazer, então negam-lhes o direito de ser irmãs, mães, companheiras, filhas e camaradas.
Mas não é num mundo misógino e intolerante que me apraz viver.
Foi uma boa acção? – Certamente que não. Também o adultério é um acto perverso e já deixou de ser crime. Também o divórcio é um passo cruel, tantas vezes indesculpável, e não conduz ao cárcere. Também um processo judicial que prescreve, por incúria, é uma ofensa à Justiça e um atropelo aos cidadãos e ninguém é punido.
O que terá levado a PJ e o Ministério Público a perseguirem aquela operária de Aveiro enquanto na costa se descarregava droga? Quem deliberou devassar-lhe a intimidade e obrigá-la ao exame ginecológico enquanto se escolhiam árbitros para jogos de futebol do fim-de-semana seguinte? Quem estabeleceu a prioridade do crime a perseguir?
Aquela operária, com o corpo e a alma doridos, ia de motorizada com o companheiro. Gozasse o conforto de um Mercedes e condutor privativo e ninguém a teria detido. Na Maia, em Setúbal e em Aveiro eram mulheres pobres as que foram julgadas.
A pobreza é mera coincidência. E uma parteira foi presa por tráfico de estupefacientes porque, em vez de minorar as dores, era a sangue frio que devia ter punido as pecadoras.
Perante o crime de mulheres que interrompem a gravidez, porque o feto que trazem no útero é um futuro filho indesejado, não sou capaz de exigir a sua prisão.
Mas, se houver quem as queira prender, se a maioria entender que as mulheres servem apenas para parir e sofrer, tratar da casa e atender o marido, cuidar dos filhos e recusar o prazer, então negam-lhes o direito de ser irmãs, mães, companheiras, filhas e camaradas.
Mas não é num mundo misógino e intolerante que me apraz viver.
Comentários
Gostaria de ler um comentário seu sobre o uso de deficientes (consentido pelos próprios, suponho), durante o debate "Prós&Contras" de Segunda-Feira passada, pela parte dos defensores do "não".
Acerca da legitimidade ética - ou não - e da legitimidade, digamos, ao nível de escrúpulos (ou ausência dos mesmos...).
Mais o informo que, em conversas informais com defensores do "não", ou indecisos, tenho recorrido aos argumentos que vou lendo aqui e no "Diário Ateísta".
Por isso lhe peço a sua opinião neste aspecto em particular.
Muito obrigado e um abraço.
Quem sou eu para tornar relevante a minha opinião?
Todavia, perante o seu amável repto, digo-lhe que considero pusilânime a utilização da deficiência física, quer para vender um sabonete, quer um preconceito.
Exibir deficiências físicas é um acto obsceno que, na minha opinião, prejudica a integração dos deficientes, que as sociedades civilizadas devem promover.
Não vi o programa que refere mas, sem pôr em causa o direito a posições contrárias às minhas, sinto-me desolado com o terrorismo beato e as agressões emocionais de que são capazes os que gostam de ver as mulheres que abortam na prisão.
Fique a saber que muita da argumentação que utilizo para defender a dignidade das mulheres nesta batalha, vou "plagiá-la" ao Diário Ateísta e ao Ponte Europa. E tem sido muito útil em conversas que tenho tido com os defensores da criminalização.
É que sou deficiente, sabe?
E perante tamanha afronta fiquei, primeiro, estupefacto, sem reacção.
Depois, foi uma profunda indignação, uma ofensa, uma afronta a mim e aos meus pais.
Aceite a minha solidariedade.
E acredite que maior deficiência é ser-se indesejado.
Porque é que se faz o referendo se o país consciente (que penso serem a maioria dos portugueses) não querem quer ver mulheres que abortaram irem para a cadeia?
A alteração de uma lei que, tenho a certeza, tão poucas vitimas faz por ano (leia-se mulheres na cadeia) é passível de ser referendada?
Por isto acho um atentado á minha inteligência efectuarem este referendo pelo que não participarei do mesmo!
Agora, quando assumirem que o que se quer discutir á a liberalização do aborto, estarei na linha da frente para ouvir e para me pronunciar!
Nota: Carlos Esperança: Acredita que o sentimento de rejeição a um feto de 10 semanas se mantém, vá lá, até depois do nascimento?
PARABENS CARLOS...
2 Frases excelentes que sobrescrevo na integra
1 - "Quem sou eu para tornar relevante a minha opinião?
" nunca vi verdade tão verdadeira
2 - "E acredite que maior deficiência é ser-se indesejado.
" EXCELENTE, conheço tanta gente que o indeseja, como tal a partir de hoje poderemos começar a chamar-lhe "deficiente" (por acaso já me tinha lembrado disso! Que curioso!)
Estrategicamente, estou convicto que esta deriva não serve o campo do SIM.
Os defensores do NÃO, aparentemente civilizados e comedidos, vão socorrer-se de tudo e todos. Usam e abusam das coisas, e o mais revoltante, também, das pessoas.
As pessoas, para eles, parecem só ter valor ou merecem ser enfatisadas, nas primeiras 10 semanas... porque no fundo, e apesar das demonstrações "científicas" (sem explícitas declarações de interesses), duvidam se os devem, ou não, considerar "seres" de pleno direito. São conspícuos exploradores de "áreas cinzentas" do saber, da ética e das consciências.
Aliás, só o uso do termo "deficiente" incomoda-me.
Prefiro dizer ou escrever "pessoa portadora de deficiência".
O que parecendo o mesmo, não é!
que afirmação mais infundada, retrógrada e absurda...
«quiçá com medo de perder o emprego ou, com ele já perdido, receando não poder criar mais um filho.»
«Também um processo judicial que prescreve, por incúria, é uma ofensa à Justiça e um atropelo aos cidadãos e ninguém é punido.»
enquanto na costa se descarregava droga?»
enquanto se escolhiam árbitros para jogos de futebol do fim-de-semana seguinte?
Gozasse o conforto de um Mercedes e condutor privativo e ninguém a teria detido.
É só em lugares comuns onde o Carlos Esperança de refugia. Só como um exercício de escrita se poderá aceitar este texto...