Praxe (2) - Ficará impune?
Um caloiro de Medicina de Coimbra foi ferido no escroto – bolsa que envolve os testículos – durante o julgamento da praxe da Universidade de Coimbra, quando vários doutores decidiram rapar-lhe os pêlos púbicos. O aluno do 1.º ano, de 19 anos, teve de receber assistência hospitalar e já apresentou queixa ao Conselho de Veteranos da universidade.
Comentários
Em suma a praxe em si não é uma prática que lese quer física quer psicologicamente os caloiros, pode sim levar quem a lidera e fazer brincadeiras que marcam a vida de um jovem no inicio de uma nova etapa da vida que poderia ser a mais bonita. Isto sim merece ser punido e não a "praxe" em sí.
O referido Conselho aparece como o orgão juridico nacional responsável pela regulação da praxe e julgamento das queixas apresentadas.
Talvez a palavra "Veteranos" incuta aos incautos jornalistas e aos ingénuos estudantes algum tipo de credibilidade mas na minha opinião não passam de um lobby dentro da academia.
E eu a pensar que era a pele dos...
Benditos (salvo seja) conhecimentos ou o saber-saber em acção.
Agradeço o seu comentário mas não tem que se sentir responsável pelos desmandos alheios.
Os meus filhos são licenciados em Coimbra e, como é natural, viveram e (ainda) vivem as tradições académicas mas recriminam os actos selvagens.
É natural que os mais primitivos e intelectualmente menos preparados se entreguem a desmandos de que os outros seriam incapazes.
As coisas valem o que valem mas a Universidade devia ser uma referência ética e intelectual.
As praxes violentas, o consumo exagerado de cerveja e o Quim Barreiros não são estimulantes para garantir a qualidade ética e cultural que devia ser paradigma da UC.
Mas os actos ficam sempre com quem os pratica.
Fico perplexo com a atitude deste aluno, isto é caso de polícia! Se há uma coisa que está implícita no código da praxe e é exigida pela constituição da República é não só a dignidade individual como a integridade física.
Queria no entanto deixar uma palavra de apreço a quem pratica praxe onde realmente integre divirta e ensine os caloioros.
Mais uma informação a todos os caloiros...
... Se se sentirem de alguma forma indignados com a praxe que vos é "pedida" têm sempre a opção de desafiar para duelo o doutor.
Será que o indigno moral também não será fisicamente cobarde?
Praxe, vem de praxis, prática, devia ser para integrar, brincando para alertar o novato para realidades que desconhece.
Exemplo para integrar: Caloiro de republica vai ao café, pede a bandeja ao funcionário e serve os "doutores da republica" ou na mesa ou na Republica.
Efeito pretendido: o caloiro recem-chegado não conhece ninguem na cidade, se não estiver com os doutores por alguma razão, nesse café toda a gente o conhece, até é interpelado: " aquele dia haaamm?? os doutores da republica são tramados..heheheh, vem sozinho hoje?? fizeram-lhe mais maldades???" etc.
outro exemplo: Caloiro de republica e de curso de Direito.
dr.: "Caloiro, já teve aulas na cadeira X?? Olhe que o lente às vezes faz chamadas orais aleatórias, a mim uma vez perguntou-me Y que vem na pag.X da sebenta"
efeito pretendido: Caloiro se familiarize com os calhamaços da Faculdade bem mais espessos e de leitura mais dificil do que aqueles a que vem habituado.
E tantas outras formas "de tirar o pelo ao novato".
depois em todas as profissões existe praxes.
No escritorio de estágio(advocacia) por exemplo:
-Patrono: " Então já fez e entregou aquele recurso?"
-resposta aqui do incauto:" sr. dr. desculpe, qual recurso?? Eu hhaamuhmm.."
-Patrono (simulando ira):" O quê, não fez?? o prazo acabava hoje, está desgraçado, ainda agora começou e já se meteu numa linda!! sim senhor""
o aqui Incauto(pensando alto): " Glup!!Glup!!!
efeito pretendido: alertar o jovem advogado estagiário para a relevância do decurso dos prazos judiciais"
etc...
O luto académico varreu a praxe das repúblicas desde essa altura e só há poucos anos é que duas ou três começaram a praxar nos termos de república mas é um fenómeno residual e pouco apreciado pela maioria. São poucas as repúblicas que permitem que se realize a praxe dentro de casa. Outras há (como a que pertenci) que não permitem sequer a entrada a pessoas trajadas, pelo menos não sem antes levarem com o sermão anti-praxe.
Na maior parte das repúblicas o ambiente que se vive é de verdadeira camaradagem, muitas até aboliram a figura do Mor ou apenas a mantêm para logística. Os novos estudantes são acolhidos com sincero espírito de integração, sem ser necessário estabelecer hierarquias de subordinação muitas vezes impostas aos caloiros, que por inexperiência, medo ou pressão psicológica do colectivo se deixam levar pela conduta da praxe.
Esta realidade não é conhecida de muita gente e permanece a ideia errada de que as repúblicas são infernos da praxe. Em tempos foram-no de facto (a praxe nasceu nas repúblicas e o código da praxe admitia formas bem mais violentas que as actuais). A praxe foi ressuscitada pela secção de fado da AAC muito tempo depois do decreto do luto académico (que está pintado na parede de uma república da alta, na forma de abaixo assinado das repúblicas que então existiam).
Desde então há atritos esporádicos entre repúblicos (e não só) e estudantes trajados, especialmente quando decorrem praxes e pior ainda quando as trupes perseguem caloiros por ruas onde os repúblicos são maioritários.
A praxe, tal como as religiões, outorga um poder ilegítimo a um grupo de pessoas que o exercem sobre outras. Brincadeira ou não, se calha às pessoas erradas exercer esse poder, os abusos são previsíveis. É que em grupos há as alterações comportamentais que transformam pessoas normais em bárbaros como é evidente em claques de futebol e em praxes outras que não a universitária. A violência é uma característica dos humanos que ao ser voluntariamente reprimida e desviada os civiliza. Mas está sempre latente e uns são mais susceptíveis a ela do que outros. Uma autoridade ainda que fictícia concedida por um grupo a uma dessas pessoas é um bom catalisador de situações como a que se comenta aqui. E depois, basta que um abuse que os outros vão atrás, extasiados pelo momento. Um fenómeno semelhante ocorre com as violações colectivas.
Não substimem a praxe, nem as claques de futebol, nem as demonstrações de ira pela fé. Somos todos carneiros, procura o teu pastor!