Pare, escute e olhe...

Se os empregados do Estado parassem para pensar que as reivindicações, muitas vezes justas, não são apenas a forma legítima de pressão sobre o Governo de turno mas uma acrescida exigência aos contribuintes, talvez os juízes desistissem dos 750 euros de subsídio de renda de casa e, quiçá, alguns professores renunciassem ao 10.º escalão enquanto outros, com as mesmas habilitações e não menos desejo de servirem a causa pública, se encontram em trabalho precário nas caixas dos supermercados a ganharem 500 euros mensais.

Talvez os autarcas deixassem de acumular o vencimento com um terço da reforma e, na Madeira, deixassem de acumular por inteiro várias remunerações públicas. Talvez fosse tempo de impedir que algum gestor público ganhasse mais do que o Presidente da República, incluindo ele próprio e de deixar de indexar salários de autarcas ao do PR.

Se os funcionários públicos, com vencimento certo e liberdade de injuriarem o ministro respectivo, sem sanções, soubessem o que é trabalhar numa empresa privada onde estão sujeitos ao futuro da empresa e ao humor dos gestores, talvez se moderassem.

Se, à semelhança do que sucede em várias empresas, fizessem uma auto-avaliação anual para a discutirem com o chefe, testes trimestrais para avaliação dos conhecimentos e ficassem sujeitos à discricionariedade do gerente na actualização salarial, ao longo de quarenta anos, talvez fossem mais solidários com os que labutam nas empresas e que, às vezes, atendem com sobranceria.

O direito à greve é a grande conquista de Abril e as manifestações a lufada de ar fresco que a democracia tornou possível, sem tutela, com a polícia a protegê-las. Foram muitos os que lutaram por isso e não há forma de as impedir sem pôr em causa a democracia.

Mas…, há sempre um mas, quando as exigências parecem exorbitantes e os direitos se afiguram exagerados perante a opinião pública, quando o direito à objecção se confunde com o desafio às instituições, há o risco de dividir o país em classes, a dos que estão na função pública e a dos que não estão. E dessa luta de classes, artificiais, nada de bom se pode augurar.

Há quem pense que o vencimento é uma regalia da função e o trabalho um incómodo que deve ser pago à parte.

Nota - Remar contra a maré é difícil, mas prefiro ganhar inimigos a renunciar ao que julgo correcto.

Comentários

e-pá! disse…
CE:

É preciso colocar os factos no mesmo tempo histórico e no mesmo contexto político.

Hoje, a função pública já não é isto:
"Há quem pense que o vencimento é uma regalia da função e o trabalho um incómodo que deve ser pago à parte."
Há inaptidão para a função, mobilidade especial, chefias discricionárias (oriundas de filiações partidárias), determinação de níveis de produtividade e de eficiência dos serviços. Os mais ambiciosos até falam em excelência!

E, a actividade privada, já não será isto:
"Se, à semelhança do que sucede em várias empresas, fizessem uma auto-avaliação anual para a discutirem com o chefe, testes trimestrais para avaliação dos conhecimentos e ficassem sujeitos à discricionariedade do gerente na actualização salarial, ao longo de quarenta anos... "
Até porque a principal praga da actividade privada é o espectro do encerramento das empresas, a sua deslocalização, etc, isto é, a ameaça permanente do desemprego.
Hoje, não há 40 anos numa empresa! A estratégia de gestão empresarial é: comida a "carninha" tenra despacham-se os "ossos"...

No Mundo do trabalho a precariedade é a regra.
Chama-se, agora, flexisegurança.

De modo que o Mundo em mudança introduziu novos factores de valorização e desvalorização do trabalho, só não conseguiu prescindir dele...

Outras coisa são as liberdades fundamentais dos cidadãos trabalhem no sector público ou privado.

Mas isso é uma história muito antiga que remonta à greve geral, que aconteceu em 1º de maio de 1886 em Chicago, EUA, da qual resultou uma chacina de grevistas.
Três anos mais tarde o Congresso Socialista de Paris (1889) proclamou o "Dia Mundial do Trabalho", no 1º de Maio, data ou efeméride (é difícil saber) que continuamos a comemorar.
Hoje, esta proclamação era substituída por um inquérito sobre os incidentes de Chicago...

Esses é que foram tempos difíceis, para todos...
E-Pá:

E, a actividade privada, já não será isto:
"Se, à semelhança do que sucede em várias empresas, fizessem uma auto-avaliação anual para a discutirem com o chefe, testes trimestrais para avaliação dos conhecimentos e ficassem sujeitos à discricionariedade do gerente na actualização salarial, ao longo de quarenta anos...

Resposta: Continua a ser. E em empresas bem conhecidas.
Bmonteiro disse…
Que fazer?
Não vamos longe, a pensar assim. Não foi o Carlos, como não iria eu.
Quando à nossa volta todos fazem por optar pelo contrário.
A) Há dois anos na AR, o PCP solicitou ao Governo a legislação/regulamentação relativa aos salários no BdP.
Deve ter caído no esquecimento.

B) Há dias, recebi um mail sobre a nova frota de BMW dos 13 altos funcionários do Estado a que vamos chegando - assim se cultiva a «dignidade» no Portugal moderno:
O Tribunal Constitucional é um tribunal de nomeação politica e por esse facto, resolveram comprar automóveis de Luxo e Super Luxo para cada um dos 'Juízes' (de nomeação política)
Estes carros são utilizados pelos Juízes - num total de 13 Juízes -
para todo o serviço, precisamente como acontece nas grandes Empresas.
1- O Presidente tem um BMW 740 D (129.245 € / 25.849 contos)
2- O Vice-Presidente : BMW 530 D (72.664 € /14.533 contos)
3- Os restantes 11 Juízes têm BMW 320 D ( 42.145 € / 8.429 contos , cada )
Portanto, uma frota automóvel no valor de 665.504 €/ 133.101 contos
...
A que propósito ? Pura ostentação ?
...
Quem é que autorizou este disparate ?
É possível?

C) Bem vistas as coisas, já tínhamos tido na autarquia de Lisboa/CML, um presidente com um bólide italiano de 23 mil contos.

Que fazer?
ana disse…
Quem trabalha numa empresa privada, tem de andar direitinho. Não pode pôr cartazes ao pescoço a dizer mal do patrão. Não pode reformar-se porque discorda das orientações que lhe são dadas, como têm feito, por exemplo, alguns professores. Quem trabalha em empresas privadas é material de qualidade inferior, tem menos direitos.Há empresas, e muitas, onde não há aumentos há 5 anos. Se em 2015 se atingir enfim a convergência entre público e privado,quem trabalhou no privado deixará para trás uma vida inteira de mais obrigações e de menos dinheiro. Basta dizer que o salário médio no sector público é de 1250€ e no privado de 750. E qualquer regra de convergência que seja imposta ao sector público, como por exemplo a obrigação de descontar sobre 14 salários e não 12, é vista como uma tremenda injustiça. É tempo de se perceber que os tempos vão maus para todos e que se calhar é altura de pedir aos que ainda têm alguma coisa, porque outros já deram tudo, ou dizendo melhor, nunca tiveram para dar. E o sr. PR deveria encher a boca de bolo-rei de cada vez que se lembra de mandar bitaites sobre desigualdades, porque a verba que mete ao bolso todos os meses é simplesmente vergonhosa. Há muitos outros, mas parece que nele choca mais.
telegram disse…
A mim choca-me que se fale na função pública como um todo. Na função publica há quem ganhe menos de 500 euros e há quem ganhe dezenas de milhar de euros. É um insulto o aumento de 2 centimos proposto para o subsidio de refeição. A função pública anda há 9 anos a perder poder de compra. Será que são os que ganham milhares que notam essa perda? Ou serão os miseráveis que ganham 500? A questão é que há várias funções públicas e há uma que é a minha que está a ser explorada pelo estado e neses casos os provados pagam melhor e não inventam SIADAP para atrasar as miseras progressões que dão um pouco mais de dignidade a quem já tem pouca. Sócrates não e socialista, Sócrates governa mais à direita do que qualquer outro governo desde o 25 de Abril.

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