ICAR e divórcio
Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), bispo católico e chefe da ala mais radical do episcopado, entrou em rota de colisão com as leis do Estado português.
O piedoso bispo, adversário da interrupção voluntária do celibato para o clero, é o mais acérrimo adversário da interrupção do matrimónio. Tem pelo divórcio o ódio irracional que Maomé votou ao toucinho. E julga-se, como celibatário, na legitimidade de impor o Código canónico, com cheiro a incenso, aos casais portugueses.
Na assembleia plenária dos bispos portugueses, reunião de celibatários de báculo, mitra e anelão, a que preside, atacou com severidade o modelo jurídico que em Portugal, e na generalidade dos países europeus, regula as leis da família.
Se o Estado português tivesse a veleidade de impor o divórcio, era dever dos cidadãos defender os direitos individuais, mas o que acontece é que o bispo de Braga, nas suas habituais reuniões episcopais, quer impor os seus valores aos casais que abandonam a ICAR e os seus sacramentos.
Esqueceu-se o governador clerical dos católicos de Braga de que na ditadura salazarista era proibido o divórcio aos casais com núpcias católicas, iniquidade que só terminou no tempo do saudoso ministro da Justiça Salgado Zenha, um católico moderado e urbano, com ameaças e azedume do clero mais reaccionário.
Os bispos têm o direito de obedecer ao Vaticano, Estado que quer escrever as leis da família sem ter uma única maternidade, bairro de 44 hectares onde legalmente não há nascimentos, mas não têm o direito de impor leis aos que não se submetem aos ditames da Igreja católica.
Portugal não é protectorado do Vaticano.
Comentários
"Portugal não é protectorado do Vaticano."
Esta frase faz-nos passar a correr sobre os últimos tempos e comportamentos da ICAR...
O trajecto histórico da sede temporal do Papado desde o esplendor de Carlos Magno (séc IX) até à absorção dos estados pontificios (séc XIX) integrado no processo de unificação da Itália, terminou com a incorporação de Roma que caíu em 1870, nas mãos de Vitor Emanuel II, o unificador da Itália da Casa de Saboía, que tinha a seu lado, gente como Giuseppe Garibaldi, republicano e um lutador que atemorizou de tal maneira o Papa Pio IX, com as forças liberais que liderava, que o afugentou, temeroso, de Roma .
Nasce a questão romana onde o papa ficou confinado num quarteirão da cidade e foi-lhe oferecida uma indemnização.
Considerava-se "prisioneiro do poder laico".
Eureka!
Finalmente, o papado reconhece que vive na terra onde pontifica o poder laico!
É a intervenção dos fascistas conduzidos por Mussolini que devolve, entre a I e II Grandes Guerras Mundiais, o Vaticano à ICAR, declarando este novo mini e simbólico Estado :
soberano, neutro e inviolável.
Estas três condições são garantidas por Roma e actualmente pela comunidade internacional desde que o Vaticano é membro da ONU - 2004.
Deste modo, com este precurso, o Vaticano um protectorado da comunidade internacional, não têm qualquer rebuço de violar o estatuto de neutralidade, usando a liberdade dos países onde exerce a sua actividade apostólica, para interferir politicamente nas competências legislativas e administrativas desses mesmos Estados.
D. Ortiga e a lei do divórcio é um exemplo acabado desse desrespeito, do impudor, pelo Estado laico..
Longe vão os tempos da I República!
Penso que, em abono da verdade, Cavaco Silva não frequenta as Conferências de Fátima mas, para muitos portugueses, têm sido receptivo à produção doutrinária que, daí, emana.
A mensagem do PR ao Parlamento sobre a Lei do Divorcio, para além de redundante, assemelha-se a uma pastoral... ou terá sido inspirada por convicções canónicos...