O Papa, a África e a SIDA
Cerca de 22 milhões de pessoas estão infectadas na África Subsaariana, onde morrem três quartos das vítimas de sida no mundo inteiro – lê-se num telegrama da Lusa.
Há muito que se conhece a tragédia que o desgraçado continente sofre. Conhecem-se milhões de infectados, as crianças órfãs e outras epidemias que dizimam países com fome, doenças, ditaduras e corrupção, que se encarregam de tornar infelizes os que aí nasceram.
Para Bento 16, 22 milhões de miseráveis não passam de almas que aguardam baptismo e o bilhete para o Paraíso, mas para quem não tem empedernido o coração pela fé, para quem sente alguma solidariedade com a dor, para quem desespera com o sofrimento, não pode tolerar-lhe que despreze a distribuição de preservativos como medida acertada.
Por mais frio e insensível que a sotaina o tenha tornado, por mais ódio que a castidade lhe tenha instilado, por maior cegueira a que as leituras pias o tenham conduzido, não pode dizer às pessoas condenadas para não se protegerem e aos jovens enamorados para praticarem a castidade.
A viagem de um dignitário religioso que a propaganda se encarrega de apresentar como sábio e a ignorância tribal de acreditar como bondoso, em vez de ajudar à melhoria dos níveis sanitários, contribui para aumentar a mortalidade.
Não sei em que consiste a terapêutica prescrita pelo autocrata: “um despertar espiritual e humano” e a “amizade pelos que sofrem”. Sei que a distribuição de preservativos é – contrariamente à mentira que afirma – a solução mais comprovada cientificamente e a de resultados mais sólidos na contenção da dramática epidemia.
Assassino não é apenas aquele que dispara a arma para causar a morte, é também o que usa a ignorância para impedir a vida.
Comentários
O que me espanta é a conflitualidade constante e a crispação permanente entre uma Igreja cada vez mais retrogada e a Ciência cada vez mais ousada e veloz.
De pouco vale lançar perdões sobre Galileu, de fazer contorcionismos argumentativos sobre o evolucionismo de Darwin, de condenar a utilização disseminada da invenção de Carl Djerassi e al. - a pílula aniconceptiva, de lutar contra a IVG consciente e terapêutica, contra a procriação medicamente assistida, etc... quando o Mundo, indeferente a essas prédicas, avança.
As alterações e as inovações no campo das Ciências da Saúde e na Biologia, questionam quotidianamente os fundamentos das religiões do "Livro".
Anda, Bento 16, por terras africanas, onde mitos politeístas e cultos animistas encontram uma expressão marcada e não tendo nada a acrecentar sobre uma situação endémica e epidemiologicamente à beira do descontrolo - a SIDA, resolve terçar armas contra o método preventivo, mais comum - o preservativo.
Lançar-se numa guerra contra a comunidade científica internacional, na esperança que o "virus" responsável pela SIDA, seja o latex...
Bento 186 sabe os terrenos que pisa.
Estou convicto que nunca faria uma tal afirmação na Europa. Ou se tentasse enclausurava-se nas catacumbas pontifícias...para não ser visto.
Mas estando em África onde grande parte das doenças são atribuídas aos "maus espíritos", onde existem numerosas terapias baseadas no mais rudimentar empirismo, na crendice, etc., as sessões terapêuticas executadaa por curandeiros ou feiticeiros, resolveu deitar mais lenha para a fogueira.
Bento 16, não foi a África observar um novo terreno onde biologicamente se estará a gerar um novo tipo de genocídio, que a SIDA representa, nomeadamenete na como Botsuana, Suazilândia e África do Sul, que são os mais afectados do Mundo.
Bento 16 não foi propor ou desenvolver estruturas de suporte médico, laboratorial e terapia anti-retroviral.
Bento 16 é um pio sucessor da então Ministra da Saúde sul-africana Tshabalala-Msimang que, num Pais onde cerca de 5 milhões de pessoas estão infectadas pelo HIV , afirmou não acreditar nos tratamentos retro-virais e manifestou-se a favor do uso de "produtos naturais": azeite, limão, alho e beterraba...
Resultado: desses 5 milhões só 40.000 estavam registados em Centros de Diagnóstico e Tratamento.
Os restantes estavam entregues a sí próprios, à falta de informação credível, a preconceitos, às imbecilidades da Ministra e, em pleno século XXI, estão a ser, novamente, visados pelo papa em troca de uma... vida eterna, noutro lado qualquer.
Tshabalala-Msimang, pretendia combater a SIDA com uma combinação herbácea e de tubérculos que mais parecia uma "salada" e, reflectindo, pensando com os meus botões, interroguei-me se os preservativos só serviriam para o cartoonista António os colocar nos narizes dos papas...
É esta "amizade pelos que sofrem" que a ICAR tem para oferecer aos espoliados e subdesenvolvidos povos que nasceram e habitam em África sonhando com uma remota possibilidade de migrar para a Europa ou os EUA, mas não para o céu...