A crise social e as “revelações” do bispo…
A ICAR apresentou aos portugueses imperiosas e inadiáveis razões para a construção de um pacto social. link
O bispo Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, afirmou: “A crise é tão grave que não poderemos superá-la uns contra os outros: empresários contra os sindicatos, sindicatos contra patrões, governam contra a oposição, oposição contra o governo. A vontade de reagir tem de ser concorde, superando divisões e concertando estratégias, com propostas alternativas credíveis”.
O bispo Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, afirmou: “A crise é tão grave que não poderemos superá-la uns contra os outros: empresários contra os sindicatos, sindicatos contra patrões, governam contra a oposição, oposição contra o governo. A vontade de reagir tem de ser concorde, superando divisões e concertando estratégias, com propostas alternativas credíveis”.
Mais à frente, sublinhou que os actuais modelos de “vida e de consumo, de produção e de distribuição” não são sustentáveis: “Repartem mal, carregam sobre outros o pior do esforço, excluem grupos, sublinham uma democracia de carga corporativa e opaca”…
A igreja católica manifesta, nestas duas constatações [inseridas na mesma apresentação], a profunda contradição que reina no seu seio. Começa pelo apelo divinatório a um modelo de concertação política e social [empresários, sindicatos, governo, oposições, etc.] muito próximo da doutrina corporativa que conhecemos durante 48 anos. É uma receita para a crise baseada no velho conceito de Estado Corporativo que, como sabemos de experiência feita, conduz ao embotamento da consciência social, ao refrear das incontornáveis batalhas sociais [não existem “ofertas” neste campo], verdadeiros motores da consolidação de um Estado Social digno, justo e equitativo.
O apelo do bispo Azevedo defendendo a congeminação de acordos corporativistas conduz exactamente a aquilo que verbera: “uma democracia de carga corporativa e opaca”. Falta só acrescentar: esta concertação quando não conseguida pela via do diálogo deve ser obtida pela via repressiva. É isso que deixa entrever nas entrelinhas ao afirmar em jeito saudosista: “o Estado é muito impotente”…
Bem, a ICAR, sempre que sai dos domínios evangélicos e pastorais [que dizem respeitos aos seus crentes] intrometendo-se na política social [nacional ou global] abusa das proclamações altissonantes, aparentemente doutrinárias mas, socialmente, vazias de conteúdo programático. Não podemos deixar de repisar aquilo que é conhecido à saciedade. A igreja católica historicamente baseia a sua acção social na caridade [misericordiosa]. Não tem respostas globais que, muitas vezes, passam por rupturas. Foge de qualquer espectro de lutas no terreno social, invocando "compaixões", "perdões" e "condescendências" que, ao longo da História da Humanidade, sempre tentaram atar as mãos aos movimentos sociais.
A crise global que vivemos nasce – a igreja escamoteia este facto - no descontrolado e ganancioso mundo financeiro [que fica de fora do diagnóstico do bispo Azevedo] e, a partir daí, na consequente contaminação da economia. Logo de seguida e, com a “sua” coerência pragmática, questiona a necessidade e a utilidade das prestações sociais [actividades “não- produtivas”].
Isto é, lato sensu, o mundo financeiro aposta na alteração global da vivência da maioria dos cidadãos ao sabor dos seus desígnios de sempre [lucros fabulosos].
Enquanto não enfrentarmos a causa remota das coisas [o mercado financeiro] - e a ICAR sabe disso - corremos o risco de qualquer pacto social conseguido virar-se contra os seus promotores.
Será necessário desenvolver, no terreno político, económico e social, políticas que ultrapassem as já proclamadas medidas orçamentais e do controlo da divida pública e privada [os conhecidos PEC’s], medidas que o lobby financeiro já se encarregou de colocar [impôr – com ou sem consenso] na primeira linha de combate à crise, quaisquer que sejam as consequências económicas ou sociais. Ninguém exige – a esse insondável mundo financeiro - medidas que conduzam à aceleração da criação de emprego, à recuperação dos empregos perdidos ou selectivamente destruídos, ao favorecimento da viabilidade ou à reconversão das empresas, etc...
Neste momento, a ICAR satisfaz-se com a paz [podre] resultante da construção de celestiais pactos sociais ou de desenvolvimento que evitem o necessário e inadiável confronto político com o modus operandi [neoliberal] que rege o obscuro mundo financeiro, ainda não arredado do comando da actual crise.
Para o vulgar cidadão, esta “piedosa” visão social não deixa de ser um mistério. Na verdade, a ICAR fundamenta as suas incongruências, as suas insuficiências, as iniquidades históricas, no “mysterium” .
Na suas pastorais, frequentemente, ultrapassa seu aspecto visível e humano, para se deter em miragens “sobrenaturais”.
Foi essa, na essência, a mediática “revelação” do bispo Carlos Azevedo.
Na verdade, para além da dramática crise social [um facto] o preocupante é a liderança [política ?] que a igreja católica pretende assumir no enfrentamento dos graves problemas na área social.
A César o que é de César!
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