NOVA INVESTIDA CONTRA A CONSTITUIÇÃO

                                     
Já aqui dissemos repetidas vezes, e voltaremos certamente a dizê-lo as vezes que forem precisas, que a nossa Constituição democrática, que consagra os ideais da revolução de 25 de Abril, é um espinho cravado na garganta da direita, que não se cansa de a atacar nem desiste de a destruir.

Desta vez é Catroga (o Eduardo, claro, o dos cinquenta e tal mil euros por mês da EDP, ex-ministro de Cavaco e ideólogo do PPD/“PSD”) que volta à carga numa entrevista ontem publicada no “Diário Económico”. Afirma ele o seguinte:

“Temos um problema estrutural que é a necessidade de rever a Constituição para que esta não constitua um entrave à ação governativa. A atual Constituição é demasiado programática.”

Ora, porque é que entendem que a Constituição é “demasiado programática”?

Porque não se limita, como a direita gostaria, a dizer quais são os órgãos políticos e administrativos da República, as suas competências, e pouco mais. Pelo contrário, consagra diversos princípios indeclináveis da democracia, bem como os direitos básicos dos cidadãos e a obrigação de o Estado os garantir. Preceitua, por exemplo (e resumidamente):

– que Portugal é uma República “empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 1.º);

– que é tarefa fundamental do Estado “promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses” (art. 9.º);

– que “é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa” (art. 53.º);

– que “todos têm direito ao trabalho” e “incumbe ao Estado promover a execução de políticas de pleno emprego” (art. 58.º);

– que “todos têm direito à segurança social”, incumbindo ao Estado “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social”… que “protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego…” (art. 63.º);

– que “todos têm direito à proteção da saúde” realizado “através de um serviço nacional de saúde universal e geral e (…) tendencialmente gratuito (art. 64.º);

– que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto”, incumbindo ao Estado, “para assegurar o direito à habitação”, um conjunto de deveres enumerados no art. 65.º;

– que “todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”, incumbindo ao Estado “assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito” e “estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino” (art. 74.º);

– que “a organização económico-social assenta” em diversos princípios, entre os quais a “subordinação do poder económico ao poder político democrático” e a “propriedade pública dos recursos naturais” (art. 80.º);

– que o sistema fiscal visa também “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art. 103.º), “o imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo” e “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos” (art. 104.º).

São estes princípios, estes direitos e estas obrigações do Estado que no entender de Catroga e de toda a direita constituem “um entrave à ação governativa”.

Passos Coelho bem se queixou de que a Constituição não lhe dava “liberdade” para acabar com a gratuitidade do ensino básico nem para encarecer exageradamente a proteção na saúde.

Por vontade da direita, acabava-se com todos estes direitos e todas estas “incómodas” obrigações do Estado. Este não teria de promover a igualdade, o bem-estar, o emprego, a segurança social, a proteção da saúde, a habitação condigna, o ensino.

Nada de gratuitidades. Quem quisesse ensino pagava, quem quisesse saúde pagava, quem quisesse proteção na velhice acumulava capital ou PPR nos bancos.

Nada de direitos dos trabalhadores, nem limitações à “liberdade de despedir”.

Nada de “igualdades”, “solidariedades” e outras coisas “comunistoides”.

O Estado não teria de garantir nada, a não ser, é claro, a segurança da propriedade privada e “o livre funcionamento dos mercados”.

Assim é que Passos e Gaspar, inspirados por Catroga, poderiam governar à vontade!

Em pouco tempo faziam o “ajustamento” e recebiam muitos beijinhos da Merkel.

É certo que o desemprego, o analfabetismo, a miséria, a fome, os doentes, os sem-abrigo, aumentariam exponencialmente.

Mas, para Catroga e a direita, isso são “pentelhos”!

Comentários

e-pá! disse…
Uma alimária do CDS (não identificada) postulou:
"Quer-se ter um país ou uma constituição?".
http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO087601.html

Como é possível permanecerem em exercício este tipo de 'representantes' do povo?

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