RELATÓRIO GOVERNO/FMI: uma espantosa provocação neo-liberal ou a aposta numa deriva democrática…

O relatório encomendado pelo Governo ao FMI link agitou o ambiente político nacional que mostra evidentes dificuldades em entendê-lo (se é que pode ser politicamente inteligível) e uma absoluta incapacidade para 'digeri-lo'. O País atingiu um estado de 'empanturramento' à volta dos tradicionais acepipes neoliberais que nos são 'oferecidos' repetidamente desde há ano e meio (Junho de 2011).
Levantou-se cá dentro - e lá fora - uma ensurdecedora cacofonia link; link; link; link; link; link;

Do ponto de vista das pessoas, dos cidadãos, as auto denominadas ‘medidas inteligentes’ propostas no relatório para a ‘repensar’ a dimensão do Estado, deixaram - numa primeira reacção - um inquietante rastro de medo.

Cresceu espontaneamente entre os portugueses um nítido sentimento de roubo. O Relatório pretende fundamentar tecnicamente um sequestro incidindo sobre bens sociais e patrimoniais que, ao longo de muitos anos, foram incorporados na matriz colectiva nacional. É o tão falado ‘modelo social’, europeu, por óbvias contingências políticas, históricas e geográficas, sobre o qual existirão múltiplas concepções.

A percepção de pilhagem e o sentimento de despojamento não são situações aquiescentes. A dramática percepção de esvaziamento leva a percorrer caminhos, não necessariamente hierarquizados sequencialmente, que envolvem: sofrimento, culpa, depressão, fuga, raiva, revolta, depressão e, por último, morte. Lidar com situações tão díspares, todas elas intensas, requer a existência de mecanismos de apoio, de solidariedade e de segurança que o relatório diminui, abocanha ou anula.

A percepção do alcance das medidas - das consequências imediatas e da sua projecção no futuro - é, nestas situações críticas, determinante para construir a decisão de enfrentar todo este processo de destruição eivado de uma dinâmica imparável.

Neste momento o País encontra-se, ainda, sob um estado de choque. Apesar dos comportamentos colectivos de natureza cívica, social e cultural não serem sequencialmente calendarizáveis, nem previsíveis, é relativamente fácil adivinhar o que se segue: negação, raiva, revolta

Uma das maneiras de lutar contra esta ‘cascata’ de acontecimentos adversos que frequentemente desembocam na violência é interpor – tão cedo quanto possível – a fase de negociação. Mas existe uma altura – e teremos atingido esse patamar - onde a negociação passa a ser uma farsa e será 'colonizada' por múltiplos acidentes. Desde a radicalização à desdramatização passando por estéreis e fáceis argumentações, denúncias, teorizações doutrinais avulsas, ameaças, convulsões, existem variadas fases possíveis e, provavelmente, inevitáveis. É o que está a suceder na AR à volta de uma serôdia constituição de uma comissão parlamentar para a reforma do Estado, proposta pela maioria, cujo único efeito foi unir a(s) Oposição(ões) ao Governo. link

O importante será sair rapidamente do torpor induzido pelo medo paralisante e enfrentar frontalmente todas as inevitáveis ‘estações’ deste conturbado processo, contornando todo o tipo de bloqueios.

No meio destas graves ameaças de perturbação da paz social três ‘virtudes’ têm que ser diariamente alimentadas: a inteligência, a dignidade e a identidade (colectiva). Na verdade, parece fácil promover um virtuoso comportamento cívico já que o Relatório GOVERNO/FMI não respeita a identidade nacional, não sendo, portanto, digno. Muito menos propõe medidas ‘inteligentes’. Sendo assim, o relatório acaba por ter uma função perversa, i. e., ao arrepio da sua ‘necessidade’: não é exequível, nem respeitável, logo, tornou-se desnecessário, inútil. 

Seria uma ‘solução de compromisso’ voltar à estaca zero e fazer um titânico esforço para imaginar que o relatório em causa nunca existiu. Só que, daqui para a frente, podemos representar (fingir) tudo mas definitivamente a inocência morreu. Ela terá sido a primeira vítima deste processo de ‘refundação’ do Estado. Se não reagirmos, atempada e adequadamente, suceder-se-ão outras vítimas. A última será, como é previsível, o regime democrático. A partir daí, o relatório torna-se novamente uma redundante excrescência. Com o fim da democracia não é preciso publicitar nada, basta importar medidas (pela calada da noite) e impô-las (à luz do dia) pela força. Foi assim no Chile...

Comentários

Apoiado. E o combate à democracia já começou, sob a forma de ataques à Constituição e ao poder judicial, sobretudo ao Tribunal Constitucional. É urgente que todos os democratas tomem consciência disso, se unam, não se limitem a protestar cada um para seu lado.
"Cada um para seu lado".
Este é o drama das esquerdas em Portugal. A incapacidade para se unirem em torno do essencial.
Manuel Galvão disse…
Nos anos 30 do século passado, as organizações que lutaram pela democracia, ao lado do governo espanhol eleito democraticamente, contra Franco (socias-democratas, anarquistas, socialistas soviéticos) também não se entenderam muito bem quanto ao essencial. Perderam !
Manuel Galvão:

Perderam e... morreram centenas de milhares. Assassinados.

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