Pensar a política


António Costa, em menos de 3 minutos, disse tudo, no programa «Quadratura do círculo».
E aqui está, textualmente, o que ele disse (transcrito manualmente):

A situação a que chegámos não foi uma situação do acaso. A União Europeia financiou durante muitos anos Portugal para Portugal deixar de produzir. Não foi só nas pescas, não foi só na agricultura, foi também na indústria, por exemplo no têxtil.

Nós fomos financiados para desmantelar o têxtil porque a Alemanha queria (a Alemanha e os outros países como a Alemanha) queriam que abríssemos os nossos mercados ao têxtil chinês basicamente porque ao abrir os mercados ao têxtil chinês eles exportavam os teares que produziam, para os chineses produzirem o têxtil que nós deixávamos de produzir.

E, portanto, esta ideia de que em Portugal houve aqui um conjunto de pessoas que resolveram viver dos subsídios e de não trabalhar e que viveram acima das suas possibilidades é uma mentira inaceitável.
Nós orientámos os nossos investimentos públicos e privados em função das opções da União Europeia, em função dos fundos comunitários, em função dos subsídios que foram dados e em função do crédito que foi proporcionado.

E, portanto, houve um comportamento racional dos agentes económicos em função de uma política induzida pela União Europeia.

Portanto, não é aceitável agora dizer… Podemos todos concluir - e acho que devemos concluir - que errámos. Agora eu não aceito que esse erro seja um erro unilateral dos portugueses.
Não, esse foi um erro do conjunto da União Europeia e a União Europeia fez essa opção porque a União Europeia entendeu que era altura de acabar com a sua própria indústria e ser simplesmente uma praça financeira.

E é isso que estamos a pagar!

A ideia de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque andaram a viver acima das suas possibilidades, é um enorme embuste.
Esta mentira só é ultrapassada por uma outra: a de que não há alternativa à austeridade, apresentada como um castigo justo, face a hábitos de consumo exagerados.
Colossais fraudes!
Nem os portugueses merecem castigo, nem a austeridade é inevitável.

Quem viveu muito acima das suas possibilidades nas últimas décadas foi a classe política e os muitos que se alimentaram da enorme manjedoura que é o Orçamento do Estado.
A administração central e local enxameou-se de milhares de «boys», criaram-se institutos inúteis, fundações fraudulentas e empresas municipais fantasma.
A este regabofe juntou-se uma epidemia fatal que é a corrupção.

Os exemplos sucederam-se.
A Expo 98 transformou uma zona degradada numa nova cidade, gerou mais-valias urbanísticas milionárias, mas no final deu prejuízo.
Foi ainda o Euro 2004, e a compra dos submarinos, com pagamento de luvas e corrupção provada, mas só na Alemanha.
E foram as vigarices de Isaltino Morais, que nunca mais é preso.

A que se juntam os casos de Duarte Lima, do BPN e do BPP, as parcerias público-privadas (16) e mais um rol interminável de crimes que depauperaram o erário público.
Todos estes negócios e privilégios concedidos a um polvo que, com os seus tentáculos, se alimenta do dinheiro do povo têm responsáveis conhecidos. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje passamos.

Enquanto isto, os portugueses têm vivido muito abaixo do nível médio do europeu, não acima das suas possibilidades. Não devemos pois, enquanto povo, ter remorsos pelo estado das contas públicas.
Devemos antes exigir a eliminação dos privilégios que nos arruínam.

Há que renegociar as parcerias público-privadas, rever os juros da dívida pública, extinguir organismos...
Restaure-se um mínimo de seriedade e poupar-se-ão milhões.
Sem penalizar os cidadãos.

Não é, assim, culpando e castigando o povo pelos erros da sua classe política que se resolve a crise.
Resolve-se combatendo as suas causas, o regabofe e a corrupção.
Esta sim, é a única alternativa séria à austeridade a que nos querem condenar e ao assalto fiscal que se anuncia.

(Disponibilizado por Alfredo Barroso)

Comentários

Excelente análise. Foi isso mesmo que se passou.
Deve no entanto acentuar-se que a degradação da classe política começou notoriamente com o cavaquismo. Até aí os políticos, desde Cunhal a Freitas do Amaral e Amaro da Costa, passando por Mário Soares, Salgado Zenha e os seus companheiros do PS, Sá Carneiro, Mota Pinto, Mota Amaral - apesar de pertencer àquela sinistra seita - tinham grande estatura moral e política. Não se moviam por dinheiro. Tinham ideais. Foi com Cavaco que se deu a ascensão dos videirinhos e oportunistas. Aliás, em grande parte foram estes que levaram Cavaco à direção do PPD, e depois cobraram as suas benesses. Foi o "fartar vilanagem". Quase todos estão hoje a contas com a Justiça, alguns presos outros em vias de o serem.

As "juventudes partidárias" também têm contribuído muito para essa degradação. Desses serralhos sai muita gente que nunca fez nada na vida senão intriguices e vê na política uma forma de subir na vida e ganhar dinheiro.
Devir disse…
Concordo com a apreciação que António Costa agora faz sobre a UE e os custos que as suas políticas tiveram para a economia produtiva de Portugal. Ele omite, porém que foi com a tal "Europa Connosco", tão propagandeada pelo seu PS e com a promessa falaciosa que a adesão traria um "novo mercado de 360 milhões de consumidores" para os nossos produtos que tudo começou. Já para nem falar da restauração dos grandes grupos financeiros cujo património tinha sido nascionalizado em 11 de Março de 1975. É de uma honestidade intelectual mínima não omitir que contra tudo issto o PCP alertou em devido tempo. Aliás, como para os agora mais claros perigos da adesão à moeda única...( ver, por exemplo " A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril, (A contra-revolução confessa-se " de A. Cunhal )

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