Álvaro Cunhal – o centenário canónico visto por um não correligionário

Óleo de Álvaro Cunhal
Álvaro Cunhal foi um dos maiores vultos intelectuais do século XX português. A sua dimensão é tal que ninguém a consegue ofuscar. Foi um príncipe renascentista cuja resistência física, psicológica e emocional fez dele o expoente máximo da luta contra a ditadura fascista.

Poucos se lhe aproximaram na cultura e no ecletismo. Pintor exímio, teórico da estética, na senda de Jorge Lukács, notável poliglota, escritor que nos deixou uma das mais belas obras do neorrealismo, «Até amanhã, camaradas», Álvaro Cunhal foi ainda um ensaísta, tradutor e teórico do marxismo de gabarito internacional.

A superior inteligência e a obstinada dedicação à causa que abraçou fizeram dele o líder carismático do PCP, a que dedicou a vida, um partido que se mantém o maior da Europa depois da queda da URSS e a quem, mesmo os adversários, prestam homenagem à luta heroica contra o fascismo.

É o paradigma do combatente e mártir que dedicou a vida a um ideal, do resistente que sofreu todas as torturas sem nunca trair, merecendo, por isso, o respeito de quem preza a coerência, a coragem e a generosidade. O seu relatório da atividade do Comité Central ao VI Congresso, de Setembro de 1965, «Rumo à Vitória» é um documento histórico de notável perspicácia política e enorme qualidade literária. Apenas o elogio a um obscuro coronel, Galvão de Melo, poderá ter pesado na infeliz escolha, em 1974, para a Junta de Salvação Nacional, onde seria um general reacionário ao serviço da direita trauliteira.

A capacidade de previsão de Álvaro Cunhal foi sempre impressionante, graças à imensa cultura e à prática política de quem se considerou filho adotivo do proletariado. A ele se deve a avaliação correta da correlação de forças e a travagem do PCP no aventureirismo esquerdista que em 25 de novembro de 1975 lançaria o País numa violenta guerra civil.

No centenário do nascimento é um português que merece ser lembrado e homenageado, pese embora a sua irrevogável defesa do leninismo cujo centralismo democrático deu origem ao estalinismo e a outras aberrações históricas que tiveram o expoente máximo no maoísmo e na deriva esquizofrénica albanesa de Enver Hoxha.

Hoje, com a terciarização económica, sem a força de operários e camponeses, é de um novo paradigma que precisamos e, talvez, de um homem com a força, a inteligência e o carácter de Álvaro Cunhal, para o definir e o levar à prática, com o mesmo entusiasmo com que ele galvanizava as assembleias para quem falava.

Comentários

josé neves disse…
Foi ele que fez a "avaliação correcta da avaliação de forças" ou terá sido o PC da URSS que lhe terá feito crer que não estava para alimentar e suportar outra Cuba embora no extremo da Europa?
"A sua dimensão é tal que ninguém a consegue ofuscar" e "Foi um príncipe renascentista" e "Poucos se lhe aproximaram na cultura e ecletismo" e "Um ensaísta, tradutor e teórico do marxismo de gabarito internacional" e a "superior inteligência" e "A capacidade impressionante de previsão".
Bem e que tal se deixássemos de falar de deus e falássemos de um homem? E se deixássemos de alimentar o culto de personalidade e dar guita ao endeusamento que o pc pretende colocar no centro do seu altar? E se falássemos de um homem duro, penitentemente entregue a uma causa que, embora sabendo já claramente à miséria que conduziria o povo, continuou obstinado lutando por ela. Um homem empedernido no fanatismo anti-democrático estalinista que o levou a aceitar e justificar todas as repressões, perseguições e liquidações de aversários políticos e depois os gulag de morte lenta organizada e todas as invasões terroristas de Budapeste e Praga.
Trata-se de uma impressionante capacidade de previsão ou de uma impressionante estúpida obstinação?
Caso ele tivesse saído vencedor do prec o que estaria dizendo dele hoje o postante?
José Neves:

Creio que a minha posição em relação ao centralismo democrático me define politicamente.

Quanto à apreciação que faço de Álvaro Cunhal, que tratei sobretudo como intelectual, é substancialmente mais favorável.
septuagenário disse…
Será sempre o segundo, se houver nova votação.
Prolongando os ecos anteriores de José Neves:
1 - Cunhal foi uma figura de português que nos honra e enobrece, numa história em que abunda o contrário. Só gente sem honra nem nobreza o poderá negar. Mas uma boa gramática aconselha aí um ponto final parágrafo.
2 - Ontem à tarde, todos os canais de televisão do cabo dedicaram duas horas e tal de antena à liturgia cultual do PC no Campo Pequeno. Haverá que perguntar: passou a haver almoços grátis?! Eu não creio! Os conhecidos patrões da desinformação ou estão a pagar serviços já prestados, ou pagam os futuros.
3 - Deixando agora de lado o derrube de Sócrates, em Março 2011, o PC conduziu o país ao beco sem saída em que se encontra, oferecendo-o à direita decadente numa bandeja. Os professores que o digam!
4 - Haverá alguma saída para isto, que não passe por uma união de esforços do PC e do PS?! Não há.
Haverá alguma réstea de esperança de que essa união à esquerda possa construir-se?! Nem a mais mínima!
Por razões várias, entre as quais avultam o sectarismo e o manobrismo oportunista do PC. Por que será que o PC foi o único que subiu nas últimas eleições, em percentagem, em votos e em câmaras?! É porque o crime entre nós ainda compensa, nem mais nem menos!
4 - Para que serve hoje ao povo português este PC, que lançou borda fora o Barros Moura, o João Amaral, o Carlos Brito, e muitos outros? Para nada, antes pelo contrário! O PC apenas procura manter o seu nicho de mercado político, com chavões tão ridículos como inúteis e perigosos. Portugal não sairá do desespero por acção deste PC, e quanto mais esperar dele mais logrado se achará.
5 - Por que razão o PC ainda hoje se apresenta a eleições debaixo da capa duma CDU que toda a gente sabe ser uma ficção patética?
septuagenário disse…
É tão romântico ser comunista ou fascista em democracia!
Que maravilha!
Eu,filho de pobres trabalhadores do campo e um simples operário emigrante na Holanda onde resido desde 1964 e já velhote(89 anos) digo que afinal verifico nos comentários feitos à pessoa de Álvaro Cunhal,que em Portugal ainda há muita gente com mentalidade fascista e certamente saudosa da Ditadura clerical-fascista do Estado Novo.O que eu estranhei também foram os termos canónico e liturgia,pois canónico refere-se a cânones ou sejam as regras por que se rege a Igreja assim como liturgia é afinal o complexo de cerimónias eclesiais.
Cravinho:
Pela parte que me toca, não serei eu que retiro um avo que seja ao papel fundamental, patriota, abnegado e heróico que o partido teve na luta contra a ditadura clerical-fascista do estado novo.
Só que entretanto passou meio século, em que muita coisa aconteceu e mudou neste mundo. Desconhecer isso é cair numa atitude que dispensa comentários.
Um sinal dela é a recorrente referência maniqueísta à "mentalidade fascista e certamente saudosa...".
Houve em tempos um almirante um tanto desbocado, mas genuíno, que disse a esse propósito: - Bardamerda para o fascista!
septuagenário disse…
Será que o Álvaro Cunhal também mandava as remessas como os honrados emigrantes?
Em rublos, evidentemente.

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