Eusébio no Panteão? – A repetição do folhetim de Amália Rodrigues?


Coimbra, 14 de Outubro de 2000 – Publicado no DN e n’ As Beiras

 Somos decididamente um país de excessos.

A decisão de transladar Amália Rodrigues para o Panteão Nacional é um gesto excessivo, quiçá irrefletido, uma decisão controversa, de motivações suspeitas e critérios obscuros, um precedente prenunciador de futuras injustiças.

Não duvido do sentimento unânime dos deputados. Surpreende-me, sim, a apurada intuição musical coletiva. Não haverá na Assembleia da República alguém, com tal dureza de ouvido, que se sentisse obrigado à abstenção que desafinasse o coro da unanimidade?

Admito que Amália tivesse sido a melhor voz da vida de todos nós. Mas o respeito, a admiração e a saudade não justificam este exagero que nada acrescenta à glória de quem se pretende homenagear e muito contribui para o descrédito das homenagens nacionais.

Edith Piaf ou Maria Callas não tiveram semelhante honraria e os seus países orgulham-se tanto delas quanto nós de Amália. Tratou-se duma manifestação  exacerbada de sentimentalismo que traz à memória a injustiça para com Miguel Torga ou Salgueiro Maia. Ou mesmo para Sá Carneiro. Trata-se, a meu ver, da total ausência do sentido das proporções.

Ironia do acaso, no próprio dia da surpreendente decisão da A.R., um obscuro sobrinho da cantora pretendeu sepultar na lama da opinião pública a sua dedicada e discreta secretária.

Como redentora consolação resta-me o facto de saber Amália rodeada de poetas. João de Deus, Almeida Garrett e Guerra Junqueiro serão os vizinhos mais próximos a fazer-lhe companhia durante a eternidade. Estou certo de que, depois de ler o Campo de Flores e Flores Sem Fruto, não deixará de acalmar a piedosa devoção que a devorou em vida com os versos reparadores da Velhice do Padre Eterno.

(Alterado segundo o AO)

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