A morte e a morte da Sr.ª Lúcia de Jesus
A morte de alguém merece-me respeito, mesmo – como era o caso –, quando se tratou da última cúmplice do embuste da Igreja Católica na luta contra o comunismo e no ódio cego à República e à separação da Igreja e do Estado.
Em 2005, o cancelamento da campanha eleitoral pelo PSD e CDS e as tergiversações do PS, só encontraram paralelo no ridículo do primeiro-ministro, que pretendeu que fosse declarado luto nacional pela morte da freira enclausurada há décadas e que foi bandeira da campanha do fundamentalismo católico contra o progresso e a liberdade.
Da luta contra a minissaia e o divórcio, inclusive casamentos civis, que eram objeto das cartas para Marcelo Caetano, até à convicção que lhe fora transmitida pela Senhora de Fátima de que Salazar fora enviado pela Providência para salvar Portugal, confidência da virgem Maria que foi transmitida a Salazar pelo cardeal Cerejeira, a vida de Lúcia foi a de uma pobre pastora que a ICAR confiscou para um dos maiores embustes do século passado.
Foi esquecido o terceiro segredo de Fátima que excitou, durante décadas, a superstição popular, acalentou medos e generalizou o pânico nas populações analfabetas do mundo rural, embrutecidas por um clero tributário do concílio de Trento e cúmplice do Estado Novo. Já ninguém se recorda de que o Papa JP2 mandou um padre a Portugal com a sua batina para a Lúcia confirmar que fora aquela, com que foi baleado por um enigmático turco, a que ela viu, em visão, quando o próprio pano não fora ainda tecido. Claro que a vidente confirmou.
Foi com milagres destes e a exploração grosseira da superstição que nasceu e prosperou o negócio de Fátima. Foi a falta de pudor perante a ingenuidade rural que urdiu a teia de mentiras e a idolatria que transformou uma zona rural paupérrima num promissor centro urbano do sector terciário.
Que aos embustes da ICAR se juntasse o oportunismo dos partidos que suspenderam a campanha eleitoral em sinal de luto pela vetusta freira que morreu naturalmente, foi um ato digno dos mullahs islâmicos, um gesto terceiro-mundista, uma vergonha que cobriu de opróbrio o país europeu onde os ventos e as marés ainda se deslocam ao sabor da vontade da Senhora de Fátima.
Noventa e oito anos depois, calcorreando os caminhos que levam à Cova da Iria, onde o Sol bailou ao meio-dia, continuam a morrer peregrinos nas curvas da fé com ave-marias inacabadas. Fica-nos a mágoa das vidas perdidas à espera de improváveis milagres.
Comentários
Há pessoas que sucumbiriam não fosse a fé . Temos de comprendê-las...e, simultaneamente, sermos intransigentes em relação à mentira à manipulação e aproveitamento das suas fragilidades tão humanas...
É mais ou menos esse o fenómeno.
Deve haver uma explicação científica para este fenómeno social.
Só perante essa explicação é possível desenhar medidas para que combater as consequências indesejáveis.
Os epilépticos, antes de se conhecer a doença eram considerados possessos. Depois de conhecida a doença é que foi possível desmistificar o fenómeno ...