O Sr. Duarte Pio e o trono abensonhado*
O candidato a rei apenas ambiciona a alteração da Constituição da República, em nome da democracia, para permitir um referendo em que o povo possa prescindir do direito de voto para o chefe de Estado, oferecendo-se para assumir tais funções, de forma vitalícia, e perpetuá-las pela via uterina.
O Sr. Duarte considera que o país ainda pode acolher a família real [sic], sem dizer se é postulante e se o acolhimento é num Paço Real, extinto há mais de um século, ou centro de acolhimento.
O pai viveu em S. Marcos, palácio para onde o ditador o trouxe para, à semelhança de Franco, poder restaurar a anacrónica instituição de má memória. Foi ali que, num longo passeio, o encontraram Paulo Quintela e Joaquim Namorado, quando o locatário, num português rudimentar e com acentuado sotaque, os interpelou:
- Eu sou o duque de Bragança e os ‘senhorres’ quem são?
Paulo Quintela, só ouviu “de Bragança” e logo, encantado, lhe retorquiu:
- de Bragança? Tem graça, somos conterrâneos, eu também sou de Bragança!, enquanto o poeta sorria, assistindo ao aperto de mão entre os dois.
O Sr. Duarte Pio, a quem a imprensa cor-de-rosa e os que têm alma de vassalos tratam por duque ou, em empolgado delírio revivalista, por Sua Alteza Real, tem uma curiosa investigação sobre solípedes pios, cavalos de Nun’Álvares Pereira que, antes da batalha de Aljubarrota, passaram por Fátima e aí se ajoelharam.
A efémera passagem por Agronomia deu-lhe alguns rudimentos de zoologia mas parca formação sobre metafísica das estrebarias, onde os devotos cavalos teriam um deus que relincharia.
Segundo o Sr. Duarte, “É preciso que a Constituição seja alterada porque pela atual é proibido fazer-se um referendo em que os portugueses possam escolher” e, tal como o seu avoengo caceteiro, que inspirou o insulto ‘miguelista’, exonerava o sufrágio.
«abensonhado»* = delicioso termo criado por Mia Couto.
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Talvez fosse melhor começar por aí...