Os feriados, a laicidade e a propaganda católica

Em Portugal não há feriados religiosos, há apenas feriados católicos que tiveram origem na ditadura fascista de Salazar, o que a pia propaganda silencia.

Na monarquia, alcova comum de reis e clérigos, até 1910, não havia feriados. O próprio descanso semanal, coincidente com a tradição do domingo [dia do Senhor], teve lugar, em Portugal, em 1907, num governo de João Franco, confirmado por António José de Almeida, quando ministro do Interior do Governo Provisório (1910/1911), e que, como deputado republicano, defendera o descanso semanal no parlamento monárquico.

Só na I República, logo em 13 de outubro, aparecem os feriados, todos eles cívicos, em homenagem à República, à Pátria e à Humanidade:

1 de Janeiro – consagrado à «fraternidade universal»;
31 de Janeiro – consagrado aos «precursores e aos mártires da República» data da nossa primeira revolução republicana, no Porto, em 1891;
5 de Outubro – dia da revolução vitoriosa de 1910;
1 de Dezembro – consagrado à «autonomia da pátria portuguesa», dia da independência da Coroa de Espanha, em 1640;
25 de Dezembro – consagrado «à família» (laicização do Natal).
3 de Maio – Em 1 de maio de 1912, juntou-se a «data gloriosa do descobrimento do Brasil» [aliás, errada].
10 de Junho – Em 25 de maio de 1925, «é considerada nacional a Festa de Portugal que se celebrará em 10 de junho», data improvável da morte de Camões, já festejada em Lisboa.

E foram estes os 7 feriados da República, o regime que criou os feriados nacionais.

Durante o fascismo, quando os crucifixos já ornamentavam as paredes das escolas desde 1936 (Lei de Bases da Educação Nacional) e a Concordata alterara leis civis (1940), não havia ainda feriados católicos, apesar da cumplicidade entre a Igreja e a ditadura e da propaganda católica nas escolas. Só em 1948, aparece o primeiro feriado religioso, por lei da Assembleia Nacional, o 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, padroeira do reino de Portugal desde 1646, antes de ser imaculada por dogma de Pio IX, em 1854.

Verdadeiramente, como diz o historiador Luís Reis Torgal, os feriados religiosos só são introduzidos em 1952, com o sacrifício do 31 de janeiro e do 3 de Maio em favor de três datas católicas: o Corpo de Deus (móvel), a Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto) e Todos os Santos (1 de novembro). É então que o 25 de Dezembro se torna Natal e o 1 de Janeiro na Circuncisão de Cristo.

Depois do 25 de Abril surgem mais 2 feriados, o 1 de Maio (legislação de 27 de abril) e o 25 de Abril (fixado em 18 de abril de 1975) e, em manifesta capitulação da laicidade, na confusão iniciada na ditadura fascista entre o sagrado católico e o profano, em 12 de abril de 1976, transforma-se o feriado facultativo, Sexta-Feira Santa, data que  celebra a morte de Cristo, em feriado obrigatório e, em 27 de agosto 2003, é considerado feriado o dia de Páscoa, naturalmente coincidente com um domingo.

Data de 21 de agosto de 1974 a tentativa de generalizar os feriados municipais, prática que tinha sido legalmente iniciada na I República.

Em 2012, o Governo, a maioria e o PR, eliminaram, a partir de 2013, dois feriados identitários, 5 de Outubro e 1 de Dezembro e, «apenas suspensos», durante 5 anos, para serem reconsiderados em 2018, dois católicos, escolhidos pelo Vaticano, os do Corpo de Deus e Todos os Santos, indiferentes à constitucionalidade da alteração ao Código de Trabalho. Só em 30 de agosto de 2013, os referidos feriados cívicos passaram também de eliminados a «apenas suspensos», esperando-se que a extinção do prazo de validade deste Governo, desta maioria e deste PR, os reponha.

Fonte: História, Que História? – Capítulo História e Intervenção Cívica, pág. 171/175, de Luís Reis Torgal, Ed. Círculo de Leitores, março de 2015.

Comentários

e-pá! disse…
A recuperação do chavão 'Portugal - um País tradicionalmente católico', durante o Estado Novo, é bem visível na evolução (mais recente do que supomos) dos feriados, mas tinha outro âmbito: acorrentar a sociedade portuguesa a grilhetas tradicionais e seculares (algumas delas medievas) que múltiplos movimentos cívicos vinham contestando por todo o Mundo (desde os meados do séc. XIX).

Em certa medida o 'efeito submerso' desta concepção, cozinhada pela dupla Salazar/Cerejeira, resultou. Assentamos arraiais como um dos Países mais atrasados da Europa, apesar da lufada de ar fresco que foi a implantação da República. É, também, curioso verificar que foi neste caldo de cultura político-religioso que cresceu e se apoiou a mais longa ditadura europeia no século XX.

Mais tarde, uma outra manobra de dimensão mais vasta, alimentada por concepções políticas conservadoras, mas com propósitos idênticos, foi tentada - sem sucesso - na elaboração de uma Constituição europeia.

Hoje, a 'religião' é um vector político e económico multifacetado e o calvinismo dominante na Europa Central e do Norte em nome de uma outra divindade - a produtividade - impôs novas mudanças, desta vez restritivas que, para disfarçar, foram distribuídas pelas aldeias, isto é, atingiram numa saloia paridade justificativa feriados civis e (os ditos) 'religiosos'...

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