Reflectindo sobre as eleições e a enviesada leitura vinda de Belém …
As eleições legislativas de 4.10.2015 vieram confirmar aquilo que a Esquerda mais temia. A social-democracia não consegue opor-se à cavalgada neoliberal que infesta a Europa, melhor dizendo, o Mundo.
Tornou-se inadiável, em Portugal e no Mundo, repensar estratégias no campo da política e das respostas financeiras, económicas, sociais e culturais capazes de criar alternativas aos eleitores fazendo a diferença com o status quo que, penosamente, se arrasta desde os consulados de Thatcher e Reagan. Esta(s) situação(ções) abre(m) um terreno onde um alargado (e demorado) debate político e ideológico terá de ocorrer e obviamente não cabe(m) dentro do âmbito deste comentário.
A luta política não se pode circunscrever aos parâmetros e cânones de uma democracia formal (embora continue a passar por aí) onde aparelhos partidários assaltam o poder e controlam tudo e todos (números, estatísticas, órgãos de comunicação social e para além de tudo benesses e dinheiros).
É muito bonito (politicamente correcto) (re)afirmar, nestas alturas, o rigoroso respeito pelos resultados eleitorais e elogiar a sabedoria popular. Mas existe o reverso desta medalha. Poucos são os questionam em que medida os usufruidores desses resultados respeitarão, depois da formalidade eleitoral, as promessas e os eleitores, isto é, as pessoas. As batalhas eleitorais transformaram-se num autêntico 'jogo da cabra-cega'.
As eleições estão, secularmente, definidas, em democracia, como sendo o momento supremo em que a vontade popular impõe a sua força e delega o seu poder, por um período limitado de tempo. O que fica omisso é o controlo da sua execução dos programas eleitorais na prática entregue a mecanismos incertos, a conluios ocasionais e a uma imensa volatilidade fiscalizadora.
Tudo isto – a soberania popular - poderia ser verosímil se, de facto, essa vontade exposta nas urnas fosse uma decisão, na prática política quotidiana, respeitada. Não o é, e o que de facto hoje se escrutina por essa Europa fora é a força (ou o nível de submissão) para resistir as imposições externas, directas ou indirectas, de forte índole ideológica, de que o Tratado Orçamental é um exemplo acabado, mas não o único.
A força e a capacidade para definir alternativas ao que nos é (ou foi) imposto, dentro de um quadro de realismo de meios e disponibilidades (competitividade), não existe.
Somos, nos tempos actuais, um povo em larga medida coarctado pelo medo, pelo dinheiro (ou a falta dele), ‘ocupado’ numa infindável luta pela sobrevivência e, portanto, civicamente manietado. Aquilo que o liberalismo historicamente mais defendeu – a Liberdade – claudicou perante os apetites do chamado ‘mercado’.
Os mercados nasceram e vivem desses medos e o romper deste círculo vicioso (mercantilista), instituído progressivamente pela ‘financeirização’ da política e da economia (desde os anos 80), acontecerá algum dia (provavelmente muito tardiamente) revelando, quando ocorrer a ruptura, todas as iniquidades do modelo capitalista. Até lá, provavelmente estaremos todos mortos!
Hoje, é cada vez mais evidente e notório que existe um processo de apropriação da força do trabalho, dos valores sociais (do bem-estar social) e da própria democracia, orquestrado pelo neoliberalismo galopante que muito embora continue envergonhado e comedido na sua plena assunção pública, continua a contrapôr uma virtual 'liberdade de escolha' à justiça social.
Dessa captura resulta que as versões mais ou menos 'light' e/ou moderadas, no campo político situado à Esquerda de um largo espectro partidário que vai proliferando, não têm condições objetivas - enquanto permaneceram indefinições e meios termos - para promover uma inversão da trajectória imposta pelo neoliberalismo.
A Esquerda não pode prosseguir na senda de uma ‘gestão honesta’ do capitalismo. Ao fazê-lo abdica de ser uma alternativa autêntica e torna-se numa mera adaptação, ou melhor, esgota-se na tentativa de adequação (correctiva) do modelo capitalista e sucumbe às iniquidades sociais e económicas que o próprio sistema (capitalista) gera.
Por outro lado, o ‘centro’ político é uma ilusão para não dizer um pântano. Concentra o seu esforço na tentativa sobrenadar nessas águas turvas onde inevitavelmente acabará por afogar-se.
A trajectória do tão procurado ‘centrão’, que afanosamente o actual Presidente da República procura, é uma auto-estrada para a acomodação e a resignação, potencializando a prossecução de todos os esquemas exploratórios dos medos e, finalmente, ladeando todas as leituras democráticas da vontade popular.
Os resultados eleitorais de domingo estão a ser contaminados por esta enviesada visão.
Seria importante questionar como uma ‘solução política’ à volta desse “centrão”, aparentemente salvífica da (estabilidade) governação, leia-se sobrevivência do sistema neoliberalizante, pode lançar centenas de milhares de portugueses no descontentamento e na descrença do sistema partidário e, ao mesmo tempo, irá perpetuar um modelo de empobrecimento de largos sectores da sociedade.
Ninguém tem a capacidade de, face aos resultados de domingo, poder ter a pretensão imediatista que consegue interpretar em profundidade e com exactidão o pulsar político e social, transformando-se, deste modo, em ‘dono de uma profética solução’.
Na verdade, a realidade resume-se a esta dicotomia:
Uma maioria relativa de Direita previamente arquitectada conquista pouco mais de um terço dos assentos parlamentares versus uma Esquerda que agregou (sem se concertar previamente) uma larga maioria parlamentar (praticamente os 2/3 sobrantes).
Uma maioria relativa de Direita previamente arquitectada conquista pouco mais de um terço dos assentos parlamentares versus uma Esquerda que agregou (sem se concertar previamente) uma larga maioria parlamentar (praticamente os 2/3 sobrantes).
O Presidente da República passou por cima destes resultados. E tentou impor regras fora do contexto constitucional a que continua, até ao fim do mandato, obrigado. Na verdade, não endossou a gestação do próximo governo (julgo que ainda continua a ser constitucional) aos partidos políticos, como afirmou na sua comunicação. Pretendeu instituir ‘ditakts presidenciais’ relativamente a futuros Governos balizando a sua aceitação, ou rejeição, no contexto democrático e constitucional a uma discutível perenidade de Tratados (políticos, militares, económicos e monetários) que, no seu entender, obrigariam ‘ad eternum’ o Estado Português e seriam um macabro factor de 'exclusão'. Para levar até ao fim este macabro raciocínio o PR deveria ter advertido, antecipadamente,e os portugueses que os votos em alguns dos partidos (legalmente) concorrentes às eleições seriam considerados, à posteriori, taxativamente 'inúteis'. Intolerável esta tentativa de segregação dos votos e dos cidadãos votantes (os que contam e os que não valem de nada).
A Esquerda – no entender do PR – poderá participar no processo de constituição do futuro Governo (uma ‘liberalidade’) desde que coloque de quarentena (marginalize) quase 1 milhão dos 'seus' eleitores. Isto é, a Esquerda deveria amputar-se dos seus apoiantes para continuar minoritária e assim dar ‘estabilidade’ (... e continuidade) à Direita.
A Esquerda – no entender do PR – poderá participar no processo de constituição do futuro Governo (uma ‘liberalidade’) desde que coloque de quarentena (marginalize) quase 1 milhão dos 'seus' eleitores. Isto é, a Esquerda deveria amputar-se dos seus apoiantes para continuar minoritária e assim dar ‘estabilidade’ (... e continuidade) à Direita.
Incrível!
Esta semana pós-eleitoral, como o dia de reflexão pré-eleitoral, deveria ser dedicada à leitura serena e objectiva dos resultados. E não à correria para dar continuidade à governação tentando desvalorizar (anular) as alterações que o escrutínio de domingo introduziu.
Todavia, quer em Belém, quer em S. Bento, não coabitam hábitos de leituras. É por isso que alguns cavalgam na direcção de aventar soluções que produziriam, à revelia do contexto democrático, resultados paroquiais, imediatos, de continuidade, 'estáveis' mas, decididamente, falseados.
Foi o que fez o actual Presidente da República que decidiu precipitar-se não ouvindo previamente os partidos com representação parlamentar, isto é, o verdadeiros actores do acto eleitoral e, na realidade, os depositários dos votos expressos nas urnas.
O PR apressou-se a lançar o País em direcção a uma ‘estabilidade’ forçada que não ultrapassará o vulgar aventureirismo político (para sermos comedidos na análise) e será o instrumento de deturpação do verdadeiro sentido do veredicto popular.
Cavaco Silva teria sido politicamente muito mais útil ao regime se, na última 2ª. feira, comparecesse-se nas comemorações da República (como era seu dever) e, simultaneamente, mantivesse uma prudencial reserva sobre as eleições acabadas de ocorrer.
Fez tudo ao contrário!
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