Será possível romper com o ‘status quo’ neoliberal?

António Costa, representando o PS, reuniu-se com a coligação de Direita, a solicitação desta anunciada na noite eleitoral, para trabalharem sobre a viabilização de um futuro Governo. O propósito da Direita viria a ser adoptado pelo Presidente da República na sua comunicação pós-eleitoral aos portugueses. Coincidências obvias e repetitivas.
Mas até aqui tudo bem. Trata-se de contactos normais e habituais entre partidos representados no Parlamento no período que antecede a formação de um novo Governo.  Resta saber quando essa coligação terá disponibilidade de encontrar-se com os restantes partidos. Ou se vai seguir a política de exclusão ‘decretada’ pelo actual Presidente da República.

Ontem, ao que se supõe, realizaram-se contactos exploratórios, norteados por um tremendo vazio e dá a sensação que a Coligação de Direita esperava conduzir o processo um pouco no estilo dos negócios berberes. Isto é, o PSD e o CDS/PP aguardava que o PS apresentasse uma listagem reivindicativa e depois oferecia metade ou um terço do proposto. Quem já esteve em Marrocos conhece o estilo.
Só que ao entrincheirar-se dentro da sua tenda, Passos Coelho e Portas, esqueceram-se que na mesma rua existem outros estabelecimentos a oferecer o mesmo tipo de mercadoria (uma maioria avulsa mas possível de ser concertada).
Não se prevê que a Coligação de Direita aceite governar com o programa eleitoral do PS. Nem que o PS tenha capacidade política de apoiar o ‘não-programa’ da extinta coligação ‘Portugal à Frente’ ou se fique pela promessa (não confundir como ‘compromisso’) de devolver mais rapidamente a sobretaxa de IRS e os cortes na função pública como se apressou a revelar Passos Coelho link.

A grande fractura política e social que bipolarizou as últimas eleições foi – entre outros assuntos - um conceito muito mais abrangente. Tratou-se de acabar com a incomensurável austeridade (gravosa economicamente e cega nos destinatários) que, segundo os cânones neoliberais, pode reduzir pontualmente e temporariamente o défice público e tem como contrapartida directa o brutal empobrecimento de milhões de portugueses, a estagnação da economia produtiva em benefício da proliferação da financeirização de casino, a manutenção de um elevado número de desempregados (‘instrumento regulador’ do mercado de trabalho), o consequente esmagamento dos salários e o progressivo desmantelamento do Estado Social, numa trajectória que se pretende que seja ‘insensível’ (martelada por (i)números manipulados). Existem, decorrentes da austeridade, profundas sequelas sociais que o festivo comemorar de melhorias orçamentais, económicas e financeiras, orquestrado ad nauseum pelo Governo PSD/CDS, não consegue minorar, nem apagar.

Assim, as perspectivas de resolução dos problemas criados por um longo período de austeridade desmedida e inaudita tornaram o momento político nacional pós-eleitoral muito complexo e delicado.

O PS não joga unicamente um papel charneira para a resolução dos problemas levantados pelos resultados das últimas eleições. É, para além disso, um partido ‘ensanduichado’ entre uma Direita ciosa de conservar-se na área do poder para manter encapotadamente as políticas que desenvolveu nos últimos 4 anos e um leque partidário à sua Esquerda, disperso e submerso em arrastadas quezílias ideológicas, mas desejoso de afrontar (derrotar) politicamente as políticas neoliberais dos últimos 4 anos, alterando-as no seus aspectos essenciais (combate à pobreza, à valorização do trabalho e a (re)instauração de modelo realista de justiça social).

O papel de 'equilibrista’ para onde o PS está a ser empurrado é provavelmente fracturante quando se observam as condicionantes internas partidárias, pelo que a decisão não é fácil. O fantasma da ‘pasokização’ paira sobre os dirigentes partidários socialistas e influenciará escolhas.

Retomando a visão alinhada do Presidente da República, hoje, em Portugal, assiste-se, em termos de desenvolvimento, ao digladiar entre a economia social de mercado (um dos pilares da construção da Europa) e o inventado e incontrolável ‘mercado livre’, produto do neoliberalismo reinante.
Assim simplificado o problema não parece muito complexo. Até porque o contornar dos problemas relativos ao desenvolvimento levantados pelo Pacto Orçamental imposto pelos Países europeus economicamente mais fortes, capitaneados pela Alemanha, aos outros países com dificuldades, só poderão ser ultrapassados pela entrada na cena política e na discussão pública de outras opções de modelo de desenvolvimento que o promovam de facto (e que desfaçam o mito da ‘não-alternativa’) e não pelo repetitivo e cansativo desempenho do papel de ‘bom aluno’.

Mas de fora ficam outros ‘fantasmas’, como por exemplo, a NATO, cuja ‘necessidade’ após o fim do Pacto de Varsóvia não é clara, a não ser que essa organização seja entendida como a 'guarda pretoriana' da globalização (neoliberal). Mas este é um assunto de âmbito internacional, na área da Segurança e Defesa, subsidiário das políticas globalizantes em curso, que continua(rá) em aberto, até que se percebam na sua completa dimensão os intuitos e as reais motivações de sucessivas intervenções pelo Mundo, com tão desastrosos resultados (ver Meio Oriente e 'Primavera' árabe). Este tema esteve ausente na recente campanha e nos programas eleitorais nacionais submetidos a escrutínio, logo, resta concluir que a sua evocação, neste crucial momento, não passa de uma manobra do tipo inquisitorial. 

Todavia, existe a clara consciência que o período imediato pós-eleitoral português não pode ser reduzido a uma questão de estabilidade governativa (como pretende a Direita).
É, na verdade, uma encruzilhada para o futuro. Onde se confrontam múltiplas opções: políticas, ideológicas, de modelos de desenvolvimento e, finalmente, questões relativas à solidariedade social.

Ninguém deverá esperar por soluções rápidas porque as questões políticas e ideológicas de fundo têm estado afastadas do domínio da sociedade civil (no seu ‘conceito gramsciano’) e mantiveram-se, desde os anos 80 (início da 'reforma neoliberal do capitalismo'), submersas (subjugadas) pela adopção (imposição) de resoluções ditas ‘pragmáticas’.
Só a Direita (apoiada pelos organismos europeus) deseja 'remendar', de imediato, a situação pós-eleitoral, prolongando um previsível ‘status quo’, pré-anunciado e colocou na forja, sob o ardil da segurança, uma ´saída' que nos poderá agrilhoar a liberdade e comprometer prolongadamente o futuro.
Portanto, o que está em discussão, neste particular momento político, não é rotineiro nem de somenos importância. Estão em cena todos os ingredientes para possibilitar uma (qualitativa) decisão histórica.

Terminado o período eleitoral ficamos imersos no terreno político o que pode ser clarificador. Aqui, e por agora, todas as saídas dentro do modelo constitucional terão de ser possíveis. Resta escolher, com critérios (políticos, ideológicos, etc.) e razão (razoabilidade inteligente), quais as desejáveis.
A especulação (política) entrou também na liça continuando a alimentar ancestrais medos que julgávamos desmontados (exorcizados) desde a década de 90 (queda do muro de Berlim).
Resta salientar que a especulação (latu sensu) é o campo de batalha favorito da Direita. Para muitos portugueses é evidente a sensação que nada deverá (poderá) ser resolvido atabalhoadamente. Falta ‘partir muita pedra’ para conseguir construir um edifício político e social estável (e não apenas um governo) mas, para além disso, justo, livre e igualitário.
 
Deixar, por ora, Passos Coelho sem capacidade de firmar compromissos políticos, em nome do País, não é per si uma atitude (política) despicienda.

Comentários

«...dá a sensação que a Coligação de Direita esperava conduzir o processo um pouco no estilo dos negócios berberes». Tenho a certeza!
Eu,filho de pobres trabalhadores do campo e um simples operário emigrante na Holanda onde resido desde 1964 e já velhote,91 anos de idade,digo que o PS que USA abusivamente o rótulo de socialista e o PSD que USA abusivamente o rótulo de social democrata,são como dois irmãos gémeos que se guerreiam na disputa da herança da Quinta-Portugal,pois ambos quando alternadamente estão no Governo,praticam a Política Liberal DITADA de Bruxelas e ambos são apoiantes da Horda mercenária da NATO e de suas guerras de destruição e rapina,mas o PSD leva vantagem sobre o PS porque tem a acolitá-lo o CDS/PP,um Partido com muita gente saudosa da Ditadura clerical-fascista do Estado Novo.E nesta SITUAÇÃO,vejo que é a Direita que continua tendo a maioria na Assembleia da Rèpública e na maioria das Autarquias especialmente nas Autarquias onde os Vigários de Cristo exercem maior preponderância. À Esquerda que infelizmente está muito dividida,só lhe resta continuar esclarecendo o Povo para que veja quem é que lhe atira as pedradas e que em vez de morder a pedra,deve morder quem a atira.
e-pá! disse…
José Gonçalves Cravinho:

É fundamental para a democracia e imprescindível para os que (sobre)vivem vendendo a sua força de trabalho não entregar o PS aos apetites da coligação de Direita malgrado as pressões que vão passar a acentuar-se oriundas dos organismos europeus e do sistema financeiro internacional.
A Direita que nos governou sabe perfeitamente que a situação portuguesa não é tão idílica como a que 'pintou' no período eleitoral. A verdadeira situação do País poderá começar a ser desnudada nas negociações em curso.
A Esquerda muito dificilmente 'conquistará' o PS para alinhar numa 'maioria de esquerda' porque é notório que essa abrupta viragem é 'forçada' e carece de um debate doutrinário prévio, que não está feito (mas que um dia terá de ocorrer...).

Todavia, existe algo que poderá (deverá) ser salvaguardado, isto é, a independência necessária para qualquer oposição controlar os actos de governação e a manutenção de uma via de concertação democrática, previamente acordada por toda a Esquerda, que permita demitir liminarmente um 'provável' governo de Direita se o mesmo reincidir nos propósitos de prolongar a austeridade, prosseguir nos cortes do Estado Social, alinhar numa permanente sobrecarga fiscal (já sugerida pela UE) e na prossecução da liberalização e desregulação do mercado de trabalho, tendo como alibi um aumento da competitividade baseada em baixos salários, escondendo o intuito de aumentar as mais valias.

Penso que uma alternativa viável será rejeitar qualquer pacto institucional com a Direita e deixá-la governar em minoria, com a corda ao pescoço.

Penso que as condições concretas e objectivas do País, a nível político, não permitem 'sonhar' mais alto, como seria o desejo de muitos portugueses e seria do interesse da esquerda portuguesa e, arrisco a escrever, europeia.

A esquerda à esquerda do PS, apesar de todo o clima de suspeição (e rejeição) que se instalou desde há quase 40 anos, neste momento chave do processo democrático, não pode abandonar o PS e deixá-lo na boca do lobo.

E, reafirmo, não deverá haver inusitadas pressas para com aqueles que sempre defenderam que as eleições deveriam acontecer o mais tarde possível. Antes de avançar para um novo governo existem múltiplas clarificações a fazer. Manter, por algum tempo, este Governo em lume brando seria bom para avaliar bem a situação na sua plenitude e não esturrar o caldo...

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