Mensagem solicitada para os meus camaradas do BCAÇ. 1936
Mensagem aos camaradas do BCAÇ. 1936
Queridos camaradas:
Há 50 anos, a bordo do Vera Cruz, deixámos o Cais de Alcântara, rumo a Moçambique, na pior e mais inútil viagem das nossas vidas, para perdermos ingloriamente alguns dos que foram connosco e regressarmos os que sobrámos, com feridas profundas, a sangrar por dentro, 26 meses depois.
O nosso sacrifício merecia melhor causa. Luís Canejo Vilela, a grande referência afetiva e ética, bem como Artur Batista Beirão, que os militares de Abril fizeram general, eram dignos de melhor missão. No fundo, todos fomos vítimas da guerra insustentável que a ditadura fascista não compreendeu e persistiu em prolongar.
Desse tempo remoto, por sorte nossa e mérito de quem nos comandou, não carregamos memórias de atos que nos envergonhem, apenas a mágoa inapagável dos que lá ficaram e o sentimento da inutilidade do nosso sofrimento e do tempo perdido das nossas vidas.
É por isso que podemos, de consciência tranquila, celebrar a reunião da família que nos tornámos, da única família que tivemos durante 26 meses, cada vez mais impacientes do reencontro anual, à medida que sentimos que nos vão faltando cada vez mais camaradas e que temos cada vez menos tempo para chorar quem partiu e abraçar quem vem ainda.
É a ocasião para recordar os bons e os maus momentos, a solidariedade que nos uniu, os afetos que perduram e a generosidade dos jovens que éramos. É o dia de celebração da amizade criada nos anos mais longos das nossas vidas. O medo, a angústia e a ansiedade ficaram lá, nas picadas lamacentas do Niassa, na clausura do arame farpado dos quartéis e no ruído dos disparos do IN. Hoje é o dia do reencontro ansiado dos que voltaram, dos que podem vir e desejam estar presentes nos anos que ainda houver.
Este ano não posso comparecer, mas, na companhia dos 3 irmãos de sangue, recordarei todos os que em Malapísia e Catur acrescentei, assim como os que integraram o nosso Batalhão, em Massangulo e Lione, quer os que fomos encontrar e regressaram antes, quer os que os renderam e lá ficaram depois de terminarmos a nossa comissão.
No dia de hoje, 14 de outubro de 2017, sinto a vossa falta e é comovidamente que vos recordo enviando um saudoso abraço onde envolvo as famílias que vos acompanham na Varanda da Régua onde o Fernando, um dos nossos, vos acolhe com a sua tradicional simpatia.
O nosso almoço anual não é um ritual que se cumpre, é um ato carregado de afeto onde cada abraço transporta a fraterna amizade que nos une. A presença das famílias é um ato de generosidade de quem se solidariza com os sentimentos profundos que nasceram em Moçambique e cuja emoção transborda em cada novo reencontro.
Ao Barros, Torres e Carlos Lopes, que todos os anos nos convocam para o encontro, só resta pedir-lhes que não desistam de reunir os velhos camaradas e que no próximo ano todos possamos dizer ainda: Presente!
Até sempre, Camaradas!
BCAÇ. 1936, 14 de outubro/ 2017
Queridos camaradas:
Há 50 anos, a bordo do Vera Cruz, deixámos o Cais de Alcântara, rumo a Moçambique, na pior e mais inútil viagem das nossas vidas, para perdermos ingloriamente alguns dos que foram connosco e regressarmos os que sobrámos, com feridas profundas, a sangrar por dentro, 26 meses depois.
O nosso sacrifício merecia melhor causa. Luís Canejo Vilela, a grande referência afetiva e ética, bem como Artur Batista Beirão, que os militares de Abril fizeram general, eram dignos de melhor missão. No fundo, todos fomos vítimas da guerra insustentável que a ditadura fascista não compreendeu e persistiu em prolongar.
Desse tempo remoto, por sorte nossa e mérito de quem nos comandou, não carregamos memórias de atos que nos envergonhem, apenas a mágoa inapagável dos que lá ficaram e o sentimento da inutilidade do nosso sofrimento e do tempo perdido das nossas vidas.
É por isso que podemos, de consciência tranquila, celebrar a reunião da família que nos tornámos, da única família que tivemos durante 26 meses, cada vez mais impacientes do reencontro anual, à medida que sentimos que nos vão faltando cada vez mais camaradas e que temos cada vez menos tempo para chorar quem partiu e abraçar quem vem ainda.
É a ocasião para recordar os bons e os maus momentos, a solidariedade que nos uniu, os afetos que perduram e a generosidade dos jovens que éramos. É o dia de celebração da amizade criada nos anos mais longos das nossas vidas. O medo, a angústia e a ansiedade ficaram lá, nas picadas lamacentas do Niassa, na clausura do arame farpado dos quartéis e no ruído dos disparos do IN. Hoje é o dia do reencontro ansiado dos que voltaram, dos que podem vir e desejam estar presentes nos anos que ainda houver.
Este ano não posso comparecer, mas, na companhia dos 3 irmãos de sangue, recordarei todos os que em Malapísia e Catur acrescentei, assim como os que integraram o nosso Batalhão, em Massangulo e Lione, quer os que fomos encontrar e regressaram antes, quer os que os renderam e lá ficaram depois de terminarmos a nossa comissão.
No dia de hoje, 14 de outubro de 2017, sinto a vossa falta e é comovidamente que vos recordo enviando um saudoso abraço onde envolvo as famílias que vos acompanham na Varanda da Régua onde o Fernando, um dos nossos, vos acolhe com a sua tradicional simpatia.
O nosso almoço anual não é um ritual que se cumpre, é um ato carregado de afeto onde cada abraço transporta a fraterna amizade que nos une. A presença das famílias é um ato de generosidade de quem se solidariza com os sentimentos profundos que nasceram em Moçambique e cuja emoção transborda em cada novo reencontro.
Ao Barros, Torres e Carlos Lopes, que todos os anos nos convocam para o encontro, só resta pedir-lhes que não desistam de reunir os velhos camaradas e que no próximo ano todos possamos dizer ainda: Presente!
Até sempre, Camaradas!
BCAÇ. 1936, 14 de outubro/ 2017
Comentários
Foi há 44 anos, mas ainda sinto ódio intenso por aquela quadrilha de "chicos" que roubava o que podia em nome do amor à pátria!
Em Tete fui obrigado a escoltar funerais de alguns que caíram com balas no pescoço ou no coração, depois cobertos com cal e caixões selados para longa viagem de volta à terra onde nasceram.
Odiei o exército Português que me roubou três anos e meio de liberdade e alterou o curso da minha vida!