Uma ronda pelos sinuosos caminhos das Eleições Autárquicas….
As eleições autárquicas introduziram algumas questões na configuração política nacional que as ultrapassam largamente. Umas serão novas mas muitas têm barbas.
Para além do estrondoso naufrágio eleitoral do PSD, que era previsível e tem sido largamente comentado na comunicação social (vamos deixar essa análise de lado), existem múltiplos sinais políticos, impossíveis de esconder, como sejam, uma oscilação distributiva de votos pelo somatório dos partidos concorrentes, onde se salientam o recuo do PCP no protagonismo autárquico, as dificuldades do BE em ‘apanhar o comboio autárquico’ e uma aparente afirmação do CDS.
Não deve ser ignorado, na análise dos resultados de domingo, o ‘sistema de vasos comunicantes’ - a incidência da abstenção e o peso dos ‘independentes’ não se alteraram de modo estatisticamente significativo - pelo que fica clara, no cômputo nacional, a existência de transferências interpartidárias próprias deste ato eleitoral e que originam um conjunto de miragens. A primeira grande ilusão é que estas eleições ‘não têm uma leitura nacional’. De facto, não possibilitam uma leitura direta mas estão cheias de mensagens.
A Direita, na Oposição parlamentar, baqueia, desde logo, porque se amarrou à ideia que os portugueses nunca aceitariam a ‘solução de governo’, encontrada em 2015 e acreditou que, na primeira oportunidade, manifestariam esse descontentamento nas urnas. Nada disso ocorreu e ficou claro que este ‘espantalho’ agitado até à náusea pela Direita não passava de um preconceito democrático à volta de um discriminatório ‘arco da governação’.
A conceção de poder está em mutação, caiem tabus e existe um mais rigoroso escrutínio dos resultados. Os tradicionais ‘espantalhos’ da Direita – salientam-se entre estes o anticomunismo primário – já não colhem eleitoralmente. Por outro lado, a visão demoníaca e catastrofista sobre o exercício do poder pela Esquerda também já não dá os copiosos frutos de outrora. O Mundo está cheio de desastres protagonizados pela Direita e o exemplo mais vivo e presente é a mais recente crise financeira.
Os erros de avaliação têm atualmente elevados custos. A errada premonição por parte de Passos Coelho de que solução de governo encontrada após as eleições de 2015 seria efémera e teria consequências ‘diabólicas’ teve altíssimos custos para o PSD. Não vai ser fácil no presente - como foi no passado – ‘branquear’ a história recente (2011-2015).
Também não será rápido o recentrar do partido em relação à deriva ideológica que se verificou no PSD sob a orientação de Passos Coelho e da sua clique.
Um novo líder será empossado mas, qualquer que ele seja, encontrará um grupo parlamentar ‘passista’. E é no Parlamento que está sediada, neste momento, a centralidade da luta política.
O CDS propriamente não disputou diretamente as autárquicas. Andou afanosamente no terreno para consolidar a liderança e escolheu um campo de batalha específico: – Lisboa. Teve sucesso a reboque de vários fatores. A candidata fez uma boa campanha, o seu ‘compangnon de route’ (PSD) facilitou-lhe a tarefa com as hesitações, manobras e escolhas e, finalmente, os meios de comunicação social ajudaram à festa: - diariamente a Assunção aparecia nos noticiários a falar de Lisboa, dos arredores, do País e das coisas visíveis e subterrâneas (como sejam as novas 20 estações de Metro). A ‘vitória’ do CDS tem muito de fogo-fátuo.
A análise dos resultados eleitorais obtidos pelo PCP (coligação CDU) é muito mais complexa. O desaire da perda da presidência de 10 Câmaras não representa, em absoluto, uma queda da implantação dos comunistas no terreno autárquico. Uma coisa é a implantação real outra será o protagonismo à volta da ‘contabilidade presidencial’ nas autarquias.
É significativo o facto de o PCP não ter conseguido ‘aguentar’ Câmaras dirigidas há dezenas de anos. Todavia, ninguém escapa à usura do poder, e do tempo, sendo natural aparecerem fenómenos de fadiga que entram em competição com apetites para experimentar novas receitas.
Para o PCP tornou-se imperativo o rejuvenescimento de quadros, a intensificação do trabalho político e a dedicação às tarefas sociais e comunitárias, mesmo nos ‘sítios bastião’ (como sejam Almada, Barreiro, Beja, etc.).
Os comunistas foram, no contexto local, vítimas do modelo distributivo autárquico. Penalizados por uma dispersão territorial de votos, vieram a sofrer, localmente, um revés, quando comparamos o número de ‘municípios conquistados’ com a globalidade de votos a nível nacional (que cresceram). Todavia, os portuguese têm consciência de que são absolutamente prematuros os anúncios da morte eminente da influência autárquica comunista.
O BE alimentava a expectativa de conseguir um significativo avanço no terreno autárquico à custa de uma intensa e alegre campanha mediática construída em cima do momento e repleta de novidades. Tal não se verificou nas urnas porque a votação local, pressupõe a existência de um trabalho diário e permanente, de proximidade. Ora, aparecer a reboque de conjunturas sazonais, sejam eleitorais, sejam festivaleiras, não capitaliza votos imediatos no âmbito autárquico. Nem tudo o que parece funcionar bem a nível nacional (como se verificou nas últimas Legislativas) dá frutos nos círculos concelhios. Nas eleições autárquicas o quotidiano trabalho de casa é indispensável para o sucesso.
Finalmente, resta o impacto destas eleições na estratégia política que envolve o leque de partidos que suportam, no contexto parlamentar, o XXI Governo Constitucional.
O grande beneficiado do atual momento político e económico foi o PS. Será muito difícil aos partidos à Esquerda do PS afastarem o espectro de numa ‘canibalização’ dos resultados governativos. O impacto da governação nacional nos resultados eleitorais no terreno autárquico é insofismável. E quer o PCP, quer o BE, pagaram eleitoralmente pelo facto de se resguardarem por detrás das discretas ‘posições conjuntas’ que, sendo fundamentais para o sucesso da atual governação, não têm plena visibilidade pública.
Compreende-se que muitos assuntos, nomeadamente os orçamentais, sejam discutidos no silêncio dos gabinetes mas deste difícil dirimir de posições e contradições (que existem) até chegar a uma concertação final, pouco ou nada salta para o exterior e o resultado final só ‘interessa’ ao Governo, definido como sendo ‘o do PS’. Há necessidade de uma melhor comunicação entre ‘a maioria parlamentar’ e os cidadãos e não somente entre o ‘Governo PS’ e a população.
Por outro lado, em relação ao futuro, ressalta a necessidade de acautelar o desgaste e esgotamento à volta do acordo governativo à Esquerda desenhado na sequência das Legislativas de 2015. Embora seja difícil encontrar caminho que esteja em conformidade com a dinâmica político-social nacional, o interesse e o perfil ideológico das ‘forças de Esquerda’, não parece existirem dúvidas de que será pouco mobilizador continuar, durante dois anos, a bater na tecla da devolução de rendimentos e na afirmação de direitos dos cidadãos, sem acrescentar mais nada. A Esquerda terá de concertar mais e outros projetos e fixar objetivos a médio prazo. O próximo passo é relevar uma audaciosa vontade política.
O que a Esquerda deve reter e ajustar em relação ao futuro?
Dar visibilidade ao projeto conjunto – não concentrando os ‘louros’ no PS - que tem possibilitado uma paulatina recuperação de rendimentos, o incipiente reverter as ‘reformas’ da legislação laboral impostas sob a tutela da Troika, prosseguir as alterações fiscais de modo a conseguir uma melhor redistribuição da riqueza, dignificar o trabalho, acelerar o desenvolvimento (e não só o crescimento económico) e diminuir drasticamente as taxas de desemprego.
Muito há ainda por fazer mas, nos 2 anos de legislatura que faltam, será necessário distribuir com equidade protagonismos e não esgotar a atividade política no cabal cumprimento das ‘posições conjuntas’. O acordo obtido em 2015/2016 é insuficiente para chegar com sucesso – e a contento de todos – à noite eleitoral de 2019 e, sem oportunismos ou demagogias, vencer que é por assim dizer um dever (a obrigação) da Esquerda.
Aproveitar as condições políticas excecionais ligadas às fragilidades que a Direita exibe e, em conformidade, avançar no aprofundamento de um projeto de governação à Esquerda é uma tarefa que ganha consistência todos os dias.
Assim, e só para citar um exemplo, a questão do serviço da dívida e as suas implicações diretas na capacidade de desenvolvimento do País (…que os analistas orgânicos denominam de ‘sustentado’) não poderá continuar a ser escamoteada, porque é fundamental para assegurar o êxito da Governação à Esquerda, ou seja, o progresso económico e sociológico do País.
Até aqui tem funcionado o mínimo denominador comum (não governar à Direita) mas uma atitude obstrucionista, em relação à barragem do acesso ao poder da Direita, não chega. A Esquerda possui e tem demonstrado força e capacidade construtiva e evolutiva para avançar.
Esta deverá ser uma das leituras (haverá outras) sobre as Autárquicas que o presente momento impõe.
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