Vá lá! Não foi a Ordem da Liberdade
Para Marcelo Rebelo de Sousa, a atribuição de grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique ao antigo ministro do Ultramar de Salazar, Adriano Moreira, tratou-se de reparar uma «pequena grande omissão histórica» e interroga-se como foi possível escapar à inteligência e sagacidade dos seus antecessores a dimensão do galardoado de ontem.
Quando se referiu à inteligência e sagacidade dos antecessores só podia visar Cavaco Silva, em mais uma brilhante ironia, no que este PR é fértil, porque decerto lhe ocorreria que Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, fossem movidos por pudor.
Ontem, o conselheiro de Estado do CDS adicionou às 7 condecorações da ditadura e às duas da democracia, a 3.ª do regime com que se conformou.
Se foi pela inteligência, cultura e sagacidade foi uma venera merecida. O político longevo foi um professor respeitado e competente, sem precisar de quaisquer provas académicas, para além da sua licenciatura em direito. Bastaram-lhe os decretos. A sua inteligência fez o resto.
Ainda hoje, aos 95 anos, é estimulante ler Adriano Moreira e refletir sobre o seu pensamento, mas 9 medalhas já eram peso suficiente para o peito de quem nunca repudiou o passado de subsecretário de Estado e de ministro do fascismo, presidiu ao CDS e se manteve militante do partido depois da sua expulsão da Internacional Democrata Cristã, por ser antieuropeísta e duvidosamente democrático.
Adriano Moreira, que em 2009 ainda considerava Salazar o maior estadista do século XX, foi o responsável pela violência e, certamente, pela utilização de meios condenáveis na repressão com que o exército de ocupação colonial respondeu à brutalidade dos atos terroristas, injustos e gratuitos, com que nacionalistas angolanos iniciaram a guerra de libertação de Angola.
A atribuição do mais alto grau da Ordem do Infante D. Henrique não pode deixar de trazer à memória, de quem a tem, que Adriano Moreira foi o ministro fascista que reativou o Campo do Tarrafal em 1961, Campo de Trabalho do Chão Bom, para prisioneiros oriundos das colónias. Ali foram degredados e torturados numerosos patriotas dos atuais PALOPs, incluindo o escritor luso-angolano, Luandino Vieira, nascido em Vila Nova de Ourém. Estava lá preso, há quatro anos, em 21 de maio de 1965, quando a Sociedade Portuguesa de Escritores lhe atribuiu o Grande Prémio de Novela pela sua obra Luuanda.
Devemos respeitar o homem, e não esquecer o fascista inteligente, culto e longevo de um país sem memória nem vergonha.
A venera, ontem outorgada, foi para reparar uma «pequena grande» omissão histórica, isto é, uma «média» omissão, mas pôs em ebulição a memória de quem não esquece a ditadura que serviu, sem manifestar arrependimento.
Comentários