Varela Gomes – um defunto ignorado

Quando o PR demora quase dois dias a apresentar condolências à família do cor. Varela Gomes, falharam certamente os assessores que apenas leem jornais e veem TV.

É natural que em casa do ora PR não se falasse de um militar profissional envolvido na candidatura de Humberto Delgado, proferindo então os mais corajosos e galvanizadores discursos da campanha (1958); do protagonista da revolta da Sé, com Manuel Serra, um católico revolucionário (1959); do candidato da Oposição à Assembleia Nacional, com a autorização hierárquica habilidosamente conseguida (1961), numa lista de honrados e velhos democratas; do revolucionário que assaltou o quartel de Beja, mais uma vez com Manuel Serra, e o seu camarada cap. Eugénio de Oliveira, futuro grão-mestre do GOL, num ato preparado pelo gen. Humberto Delgado, que podia ter poupado o País à guerra colonial e a mais 13 anos de ditadura.

Prevenido do assalto ao quartel, o maj. Calapez Martins metralhou-o ao receber a ordem de prisão e feriu-o gravemente. Após várias cirurgias, sem rim esquerdo e baço, acabou preso no forte de Peniche, onde a intrépida mulher, Maria Eugénia, o visitava aos sábados, quando a Pide não lhe negava discricionariamente a visita, na companhia do seu advogado e amigo do casal, Joaquim Catanho de Meneses, futuro fundador do PS.

Aceito que o PR, aturdido ainda com os Prós e Prós da D. Fátima Campos Ferreira, no comício da RTP contra o Governo, em Oliveira do Hospital, onde reascendeu os fogos da campanha da direita, não se tivesse dado conta da dimensão humana e da heroicidade de um lutador antifascista que foi coerente e arriscou a vida para derrubar a ditadura.

Talvez por isso, o site da PR demorou a registar um lacónico texto:

«Presidente da República lamenta a morte do Coronel João Varela Gomes

O Presidente da República apresenta à Família do Senhor Coronel João Varela Gomes condolências invocando a sua militância cívica, em particular, a sua consistente luta contra a ditadura constitucionalizada antes do 25 de abril de 1974. 28.02.2018» [sic]

Quando um PR, plantador de afetos, apiedado de um sem-abrigo falecido em Londres, põe as televisões a falar do infausto acontecimento, durante uma semana, e esquece um dos mais destacados antifascistas, o país desconfia que é seletiva a comoção, está ao serviço de uma agenda a solidariedade e são mercadoria os sentimentos.

Depois, não admira que um pigmeu da ética e da cultura, em comissão de serviço como diretor do DN, Paulo Baldaia, se esqueça da notícia do passamento de Varela Gomes na edição impressa. Isto é, aparece na necrologia, pág. 28, através da agência funerária.

Foi ontem cremado, às 14H00, no cemitério do Alto de S. João.

Urge lembrar o eco, na imprensa estrangeira, em 1964, do discurso de Varela Gomes contra a ditadura, no julgamento do tribunal plenário, quando disse a frase: “Outros triunfem onde nós fomos vencidos” para salvar a “Pátria bem-amada”.

Ah!... já sei, era comunista.

Aqui fica a homenagem de um social-democrata que não ignora o primeiro capitão de Abril, com 13 anos de antecedência.

E foi a Associação 25 de Abril que comunicou a sua morte aos sócios e testemunhou a mágoa de tão grande perda.

Comentários

e-pá! disse…
Intrigante - vinda donde vem e dos pergaminhos professorais que ostenta - a expressão "a ditadura constitucionalizada antes do 25 de abril de 1974".
Não seria mais exacto - e não sou entendido em direito constitucional - dizer 'a ditadura ardilosamente plebiscitada antes do 25 de abril'?

Será que se pretende fazer passar a ideia que o Cor. Varela Gomes se rebelou contra um regime constitucional que, numa possível interpretação da nota presidencial, teria legitimado a ditadura?
Ou melhor, o vergonhoso plebiscito levado a efeito em 1933 foi um embuste para conferir poderes ao ditador ou um acto democrático?
Certo e 'politicamente correto' seria a PR não alimentar estes equívocos.

Quer os expressivos e diletantes afectos, quer os subterrâneos desafectos (visíveis na presente nota da PR) não deviam provocar aos portugueses e portuguesas, estranhezas ou levantar interrogações.

Há situações em que não havendo sinceridade, nem convicções, nem oportunidade para assumir posições ou sentimentos claros e transparentes, mais vale ficar calado.
Descanse,Ponte Europa,não é pelos gritos que se mede a extensão da tragédia. Se é tragédia o natural passamento de um bravo,cujo exemplo floriu,frutificou e ficará nas páginas das Histórias sérias que se escrevam. O vasto número de admiradores e seguidores do Cor. Varela Gomes não canta no coro da actual comunicação social. Ao canto preferem as obras, que permitiram e permitem atirar a direita reaccionária e clerical para o caixote dos monos.
Um saudoso adeus a um dos nossos Maiores...

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