O PAÍS DOS MORTOS
Segue o texto publicado no Público de hoje da autoria de António Vilhena:
O 11 de Setembro será sempre um dia que a humanidade recordará pelas piores razões – o fanatismo e a intolerância. Ao recordar as imagens desse dia trágico ainda é possível imaginar o inferno vivido pelos que se encontravam cativos nas Torres Gémeas. Passados quatro anos, à mesma hora, num jardim da cidade de Coimbra, é perpetuada a vida do poeta Manuel Alegre. Há nesta coincidência um misto de tragédia e de beleza. A poucas dezenas de metros, dessa obra do escultor Francisco Simões, está outra estátua, a do poeta da Geração de 70, Antero de Quental, quiçá mentor de muitas ideias do poeta da Praça da Canção. Talvez metam conversa, troquem algumas ideias sobre os dias tristes de Portugal, a cultura de verniz, a civilização, a liberdade, o bom senso e, também, o bom gosto.
A conspiração de um número significativo de amigos do Poeta desencadeou uma turbulência na escala da inveja, optando a grande maioria dos que sempre o mimaram por se ausentarem da cidade com receio das consequências de tão grande tragédia - os mitos nascem por bem menos. Qual Peste de Albert Camus?! A estátua de Manuel Alegre, segundo fundadas opiniões científicas, irradia palavras perigosas que podem contaminar a liberdade de opinião.
As palavras dos Poetas têm essa quilha que rasga a alma e metamorfoseia o silêncio na mais audível melodia da floresta. Sempre foi assim ao longo da história. A mordaça não é um véu de noiva, nem um perfume paralisante, é um processo cognitivo treinado com fins de extermínio. Este método já foi ensaiado em muitas latitudes e com diferentes objectivos. Haja sempre alguém que diz não!
Não estive mais de cinco minutos na minha vida com Manuel Alegre, nem o apoiei na última disputa interna do PS, mas li os seus livros; o meu pai falava-me da sua voz, ícone da resistência ao fascismo, que chegava pela rádio à casa de tantos portugueses. Os seus discursos traziam sempre palavras diferentes mesmo quando falava das mesmas coisas que outros, de cujos os nomes hoje já não me lembro. Manuel Alegre confunde-se com Coimbra, são duas faces da mesma moeda. Não é possível falar da cidade do Mondego sem evocar o seu nome, que chega através da poesia que emprestou à canção de Coimbra.
Há uns meses, não me imaginava a redigir estas linhas, porque há uns meses, não pensava que Manuel Alegre se transformasse num cidadão tão perigoso. O crime do Poeta é ter voz própria, é ser livre, mesmo quando o cerceiam, é ser incómodo, mesmo quando o ameaçam, é ser destemido, mesmo quando erguem uma barragem.
Manuel Alegre, eu sei que não precisas das minhas palavras, a tua grandeza não está na estátua que os amigos incentivaram por ocasião dos teus quarenta anos de vida literária; aquela estátua é pequena para uma vida tão cheia, mas é um gesto que exalta a vida, a poesia, a liberdade e a tolerância. Eu sei que há homens que não pensam assim, mas eu respeito-os.
Uma estátua em vida? Questionarão alguns ilustres vaidosos anónimos. Responderei, simplesmente, que é merecida. Quem é que se arroga a preterir A ou B do direito a uma estátua, porque ainda não morreu? Eu quero dizer olhos nos olhos às pessoas de que gosto, que as admiro, que me sinto honrado por elas existirem. Sociologicamente somos um povo que tem vergonha de dizer aos vivos que gosta deles, prefere dizê-lo aos mortos.
Aqueles que viram fantasmas na inauguração da estátua de Manuel Alegre serão os primeiros a estarem na fila da frente no dia do seu funeral a comentarem: era uma pessoa fantástica, uma grande figura da democracia, um ilustre cidadão, e outras pacóvias futilidades de circunstância.
Somos um país que trata melhor os mortos que os vivos.
António Vilhena
O 11 de Setembro será sempre um dia que a humanidade recordará pelas piores razões – o fanatismo e a intolerância. Ao recordar as imagens desse dia trágico ainda é possível imaginar o inferno vivido pelos que se encontravam cativos nas Torres Gémeas. Passados quatro anos, à mesma hora, num jardim da cidade de Coimbra, é perpetuada a vida do poeta Manuel Alegre. Há nesta coincidência um misto de tragédia e de beleza. A poucas dezenas de metros, dessa obra do escultor Francisco Simões, está outra estátua, a do poeta da Geração de 70, Antero de Quental, quiçá mentor de muitas ideias do poeta da Praça da Canção. Talvez metam conversa, troquem algumas ideias sobre os dias tristes de Portugal, a cultura de verniz, a civilização, a liberdade, o bom senso e, também, o bom gosto.
A conspiração de um número significativo de amigos do Poeta desencadeou uma turbulência na escala da inveja, optando a grande maioria dos que sempre o mimaram por se ausentarem da cidade com receio das consequências de tão grande tragédia - os mitos nascem por bem menos. Qual Peste de Albert Camus?! A estátua de Manuel Alegre, segundo fundadas opiniões científicas, irradia palavras perigosas que podem contaminar a liberdade de opinião.
As palavras dos Poetas têm essa quilha que rasga a alma e metamorfoseia o silêncio na mais audível melodia da floresta. Sempre foi assim ao longo da história. A mordaça não é um véu de noiva, nem um perfume paralisante, é um processo cognitivo treinado com fins de extermínio. Este método já foi ensaiado em muitas latitudes e com diferentes objectivos. Haja sempre alguém que diz não!
Não estive mais de cinco minutos na minha vida com Manuel Alegre, nem o apoiei na última disputa interna do PS, mas li os seus livros; o meu pai falava-me da sua voz, ícone da resistência ao fascismo, que chegava pela rádio à casa de tantos portugueses. Os seus discursos traziam sempre palavras diferentes mesmo quando falava das mesmas coisas que outros, de cujos os nomes hoje já não me lembro. Manuel Alegre confunde-se com Coimbra, são duas faces da mesma moeda. Não é possível falar da cidade do Mondego sem evocar o seu nome, que chega através da poesia que emprestou à canção de Coimbra.
Há uns meses, não me imaginava a redigir estas linhas, porque há uns meses, não pensava que Manuel Alegre se transformasse num cidadão tão perigoso. O crime do Poeta é ter voz própria, é ser livre, mesmo quando o cerceiam, é ser incómodo, mesmo quando o ameaçam, é ser destemido, mesmo quando erguem uma barragem.
Manuel Alegre, eu sei que não precisas das minhas palavras, a tua grandeza não está na estátua que os amigos incentivaram por ocasião dos teus quarenta anos de vida literária; aquela estátua é pequena para uma vida tão cheia, mas é um gesto que exalta a vida, a poesia, a liberdade e a tolerância. Eu sei que há homens que não pensam assim, mas eu respeito-os.
Uma estátua em vida? Questionarão alguns ilustres vaidosos anónimos. Responderei, simplesmente, que é merecida. Quem é que se arroga a preterir A ou B do direito a uma estátua, porque ainda não morreu? Eu quero dizer olhos nos olhos às pessoas de que gosto, que as admiro, que me sinto honrado por elas existirem. Sociologicamente somos um povo que tem vergonha de dizer aos vivos que gosta deles, prefere dizê-lo aos mortos.
Aqueles que viram fantasmas na inauguração da estátua de Manuel Alegre serão os primeiros a estarem na fila da frente no dia do seu funeral a comentarem: era uma pessoa fantástica, uma grande figura da democracia, um ilustre cidadão, e outras pacóvias futilidades de circunstância.
Somos um país que trata melhor os mortos que os vivos.
António Vilhena
Comentários
eu cá não sou do ps, mas estive lá!
quando é q os socialistas correm com os oportunistas do seu partido?
AINDA ME VÃO EXPLICAR SE ELE AINDA É EMPREGADO DO BATISTA NA VASCO DA GAMA, OU SE A COISA ENTRE OS DOIS JÁ NÃO É O QUE ERA
Gostava que comentasse o essencial: o artigo em causa.
FOI UM CLONE DELE QUE ESTEVE COM O VB SEM CP NO GOVERNO CIVIL?
Viva o Vilhena!
Viva o PS!
Viva a arrogãncia natural dos socialistas (exemplos: Carrilho, Sócrates, Soares)
«(É capaz de haver moira na costa, andas outra vez a passar as noites com o focinho encostado à porta e a gemer, há por aí cadela saída, não me admirava que fosse a do prédio do lado, aquela que morreu no ano passado.)»
Manuel Alegre (Cão como nós Planeta de Agostini. Pág. 21)
é uma coisa feia!
A estátua Manuel Alegre foi inaugurada no passado domingo e os seus camaradas, em vez de se unirem nesta homenagem, decidiram criticar o momento e acusar Alegre de ‘fazer o jogo de Carlos Encarnação’.
A estátua, que visava honrar o poeta de Coimbra, foi inaugurada num período frágil, o momento em que as eleições autárquicas espreitam e as atenções dos vários candidatos estão voltadas para tudo o que é realizado pelo seu adversário. Esta atitude é normalíssima, mas oposição, sempre com dignidade, faz-se durante todo o mandato e não apenas nos três meses que antecedem o acto eleitoral.
Os seus camaradas desprezaram o momento que lhe fora dedicado por Coimbra, agarraram-se ao ‘aproveitamento político’, como classificaram o acto, e deixaram que Carlos Encarnação brilhasse. Aquele que podia ser de menor importância, uma vez que se tratava de uma homenagem a um poeta que até é socialista, bastando que a comitiva de Victor Baptista se apresentasse em peso, não passou de um acto insensato e indelicado, porque os poucos resistentes não tinham força para ultrapassar os adversários na política. Sendo ou não uma acção política, Carlos Encarnação venceu por falta de comparência do adversário, que poderia ser minimizada se a representação dos socialistas estivesse em força, pois roubariam a reputação ao adversário e ainda contactavam directamente com o povo nesta pré-campanha.
Uma falta de sensibilidade e estratégia pode comprometer qualquer acção futura, daí que este misturar de política e literatura, política e associações, política e religião não deixa que o povo se una em torno dos projectos de grande dimensão, porque a inveja é mais forte. O poeta, que já se imortalizou na Literatura, é mais importante do que qualquer candidato e isso incomoda muita gente.
Somos, na verdade, um país da tanga ou ‘dos mortos’ como o classifica o poeta António Vilhena, ao dizer que só depois de mortos é que as pessoas ganham valor para este país. Um país que em vez de aproveitar os seus talentos, deixa-os fugir ou escorraça-os.
Todos os candidatos se em vez de se preocuparem com o revirar da terra que os outros fazem para mostrar trabalho neste tempo de eleições, se se preocupassem em acompanhar as pessoas nas suas dificuldades… talvez houvesse maior crédito e não se classificavam todos pela mesma moeda…
Pedro Sousa