A cadeira do nosso remorso
Há quarenta anos os mancebos desta pátria madraça morriam em três frentes e o país, de miséria e de vergonha, na retaguarda, enquanto os esbirros prolongavam a agonia do regime.
O velho ditador era o seguro de vida da corja que confiscara o poder e o usava de forma discricionária. Enquanto as paredes de Caxias e Peniche abafavam os gritos da tortura, o Vera Cruz e o Niassa deportavam jovens fardados para as colónias num lúgubre vaivém que sacrificaria dois anos de vida a cerca de 1 milhão e duzentos mil portugueses.
Em Fátima desfilavam xailes negros das mães que agradeciam o milagre do regresso de filhos vivos. Esfolavam os joelhos à volta da capela das aparições erguida para eternizar a pia mistificação com que o clero monárquico combateu a República e o progresso.
No Forte de Santo António, no Estoril, uma cadeira de que o caruncho gulosamente se apossara aguardou pacientemente que o ditador se sentasse e, ao sentir-lhe a peçonha, recusou-se a aguentá-lo e fez honradamente o que devia, desfazendo-se e arrastando na queda o algoz, com 36 anos de atraso.
Nunca tantos deveram tanto a uma cadeira que fez sozinha o que a todos competia. Foi a consternação entre a clique fascista e a esperança contida de um povo oprimido. No Catur, um lugar perdido no norte de Moçambique, foi de júbilo a notícia atrasada que lá chegou. A Pátria livrara-se de um patife, não por heroísmo dos seus filhos mas pela temeridade de uma cadeira.
Durante meses o ditador julgou que ainda governava e os seus ministros, pusilânimes e indecorosos, iam pedir-lhe orientação para o Governo que findara. Rezavam-se missas pelo completo restabelecimento do ditador e, nas aldeias, os terços com que se pretendia converter a Rússia passaram a ser dedicados à saúde de Salazar. Até o país que rezava já não queria o regresso do algoz.
Da cadeira que se imolou, com sacrifício da sua própria madeira, ninguém mais lhe deu a merecida recompensa: um lugar de honra num museu, uma restauração condigna, uma venera. Às vezes lembro-me da cadeira com patriótica saudade. Faz hoje quarenta anos que deu a vida pela Pátria, que se desconjuntou ao serviço da liberdade, que ruiu para que o medo que a todos tolhia se transformasse num desejo incontido de arruinar a baça herança salazarista.
O velho ditador era o seguro de vida da corja que confiscara o poder e o usava de forma discricionária. Enquanto as paredes de Caxias e Peniche abafavam os gritos da tortura, o Vera Cruz e o Niassa deportavam jovens fardados para as colónias num lúgubre vaivém que sacrificaria dois anos de vida a cerca de 1 milhão e duzentos mil portugueses.
Em Fátima desfilavam xailes negros das mães que agradeciam o milagre do regresso de filhos vivos. Esfolavam os joelhos à volta da capela das aparições erguida para eternizar a pia mistificação com que o clero monárquico combateu a República e o progresso.
No Forte de Santo António, no Estoril, uma cadeira de que o caruncho gulosamente se apossara aguardou pacientemente que o ditador se sentasse e, ao sentir-lhe a peçonha, recusou-se a aguentá-lo e fez honradamente o que devia, desfazendo-se e arrastando na queda o algoz, com 36 anos de atraso.
Nunca tantos deveram tanto a uma cadeira que fez sozinha o que a todos competia. Foi a consternação entre a clique fascista e a esperança contida de um povo oprimido. No Catur, um lugar perdido no norte de Moçambique, foi de júbilo a notícia atrasada que lá chegou. A Pátria livrara-se de um patife, não por heroísmo dos seus filhos mas pela temeridade de uma cadeira.
Durante meses o ditador julgou que ainda governava e os seus ministros, pusilânimes e indecorosos, iam pedir-lhe orientação para o Governo que findara. Rezavam-se missas pelo completo restabelecimento do ditador e, nas aldeias, os terços com que se pretendia converter a Rússia passaram a ser dedicados à saúde de Salazar. Até o país que rezava já não queria o regresso do algoz.
Da cadeira que se imolou, com sacrifício da sua própria madeira, ninguém mais lhe deu a merecida recompensa: um lugar de honra num museu, uma restauração condigna, uma venera. Às vezes lembro-me da cadeira com patriótica saudade. Faz hoje quarenta anos que deu a vida pela Pátria, que se desconjuntou ao serviço da liberdade, que ruiu para que o medo que a todos tolhia se transformasse num desejo incontido de arruinar a baça herança salazarista.
Comentários
Antes do 25 de Abril sempre disse o que pensava e ninguém me prendeu. Hoje conheço portugueses presos só pelo que escreveram num fórum.
responder-lhe é malhar em ferro frio e por isso não volto a perder tempo. Se não se sente seguro e não mora na quinta da fonte, é certamente porque alguém terá algo contra si. O aumento da violência não tem a ver com este ou outro governo, tem a ver com outros factores e não acontece só na nossa terrinha.
Se antes do 25 de Abril sempre disse o que pensava e ninguém o prendeu, é porque aquilo que pensava e dizia não beliscava o poder de então.Leio jornais, vejo televisão e não sei de nenhum português preso "só" pelo que escreveu, quem são eles? Estará a confundir com marginais, detentores de armas ilegais, mata-pretos?
Eu posso andar seguro nas ruas porque não tenho medo da escumalha que o sistema não sabe ou não quer combater.
Agora algo cheio de isenção, no regime anterior os presos políticos eram comunistas, no actual são “marginais, detentores de armas ilegais, mata-pretos”.
“O código cósmico” (a física quântica como linguagem da natureza)
«Se é que existe uma tal consciência colectiva, não faço a menor ideia de como comprovar a sua existência. Aqueles que apelam para uma consciência colectiva como «a vontade do povo» fazem-no geralmente para servir os seus interesses ou as suas opiniões políticas ou sociais»
Heinz R. Pagels, Gradiva (Lisboa)
133 AC - «Cent trente trois ans avant l´ère chrétienne, Tiberius Gracchus, fils de Sempronius et de Cornelie, était élevé à la dignité de tribun. C´ était un fils des classes supérieures…En face de l´orage (burburinho) montant de la foule des esclaves, les premières paroles de Tiberius du haut des rostres (estrados) furent pour flatter (lisongear) l´insurrection - «Nos généraux vous incitent à lutter pour les temples et les tombes de vos aieux. C´est un appel inutile et mensonger. Vous n´avez pas d´autels (altares) de vos pères, vous n´avez pas de tombes ancestrales, vous n´avez rien. Vous ne combattez et vous ne mourez que pour procurer le luxe et la richesse des autres»
Obs: A propósito dos dramas da família Kennedy (Dallas) / «...os Kennedy tinham ficado vivamente impressionados pela desigualdade das condições sociais da sociedade norte-americana»
PS: página de uma revista francesa do final dos anos sessenta. Do tempo das nossas comissões em África.
Hoje, com os exércitos de contratados, mais próximos do modelo romano de mercenários. Em democracia, pelos vistos.
Quem deve ter feito a cadeira não deve ter sido um marceneiro, mas sim um pedreiro livre.