Conflito Russo-Georgiano: três desenlaces possíveis

Alargado que está o âmbito do conflito no Cáucaso, há a meu ver três cenários possíveis de desenlace da crise. Em nenhum dos cenários se verifica apoio militar directo de estados terceiros, que se afigura, à luz dos factos conhecidos e das condicionantes geoestratégicas, patentemente inverosímil.

Cenário 1: Finalizado que está o controle da Ossétia do Sul e da Abcásia pelo exército vermelho, a Rússia consolida posições e aceita negociações para resolver diplomaticamente o conflito, assim alcançando os seus objectivos mínimos. Derrota parcial da Geórgia, adiamento da resolução do estatuto das duas províncias rebeldes. Saakashvili dificilmente sobreviverá politicamente, tendo que prestar contas à oposição e aos seus cidadãos sobre a sua incompetência táctica e estratégica na gestão do problema.

Cenário 2: A Rússia continua a consolidar o seu controle estratégico sobre o Norte da Geórgia, avançando até Tiblisi, continuando a eliminação de alvos estrátegicos (militares e infraestrutura), de forma a derrubar o regime de Saakashvili. As forças georgianas tentam defender Tiblisi. A Rússia alcança os seus objectivos máximos: Saakashvili é derrubado (e previsivelmente julgado pelas autoridades russas por crimes de guerra), um Governo mais "moderado" é instalado, e face à derrota total, a Geórgia é obrigada a renunciar à Ossétia do Sul e à Abcásia. Previsivelmente haverá baixas muito pesadas dos dois lados, podendo o cerco prolongar-se vários meses. A Rússia reafirma o seu estatuto de potência regional, lançando um aviso muito sério aos seus vizinhos relativamente à não cooperação com o Kremlin. A reputação da Federação Russa sofrerá inevitavelmente nos círculos internacionais, mas em compensação passará a ser vista como interlocutor essencial nas grandes decisões geoestratégicas.

Cenário 3: A Rússia avança até Tiblisi. O Governo georgiano, temendo o inevitável banho de sangue inerente a um cerco e invasão de Tblisi, aceita incondicionalmente quaisquer condições impostas por Moscovo, que consistirão previsivelmente na renúncia à Ossétia do Sul e à Abcásia, bem como na demissão de Saakashvili. A Geórgia sai fortemente derrotada mas evita um banho de sangue e destruição generalizada. A Federação Russa reafirma o seu estatuto de potência regional, lançando um aviso muito sério aos seus vizinhos relativamente à não cooperação com o Kremlin. A reputação da Federação Russa sofrerá relativamente pouco nos círculos internacionais, tendo evitado um conflito prolongado e sangrento, passando a ser vista como interlocutor essencial nas grandes decisões geoestratégicas.

Segundo os dados disponíveis hoje, tendo as forças armadas russas controlado o ponto estratégico fulcral de Gori bem como outros pontos estratégicos perto da Abcásia, tendo o controle de interdição dos mares e do espaço aéreo, tendo iniciado já movimentações maciças de tropas rumo à Geórgia, parece ser muito pouco provável que o Kremlin se contente com o Cenário 1. A pressão internacional é vaga e claudicante, a Geórgia não soube ganhar a guerra da informação (a principal imprensa internacional condena igualmente o ímpeto de Saakashvili e a condução sangrenta da campanha de reconquista levada a cabo pela Geórgia), e a Rússia tem a vantagem da inércia. A isto juntam-se as já avultadas perdas humanas e de material do exército russo, bem como a apesar de tudo rápida e eficaz campanha de contra-ataque. 

A Rússia irá provavelmente seguir em frente até Tiblisi e procurar alcançar os seus objectivos máximos: resolução definitiva do estatuto das províncias rebeldes (de preferência, para a Rússia, com a perda de soberania georgiana), derrube ou demissão de Saakashvili e emergência como potência dominante na zona (dissipando assim quaisquer veleidades atlânticas ou atitudes de antagonismo contra Moscovo por parte dos seus vizinhos). O exército russo sai desmoralizado, demonstrando que já não é a máquina lenta, obsoleta e sub-financiada que saiu dos escombros da URSS, sendo validada a utilidade da sua reconversão recente sustentada pelos petrorublos.

Se o desenlace será o Cenário 2 (banho de sangue) ou 3 (derrota total da Geórgia sem confronto militar em larga escala) dependerá essencialmente de três factores:
- de Michail Saakashvili: a sua rendição e demissão poderá evitar um banho de sangue. E é manifesto que ele é, neste momento mais uma parte do problema do que da solução;
- da eficiência do exército russo na condução da campanha no terreno: uma conquista demasiado demorada e sangrenta de Tiblisi poderá causar problemas na frente logística e diplomática;
- da capacidade (e principalmente criatividade) da comunidade internacional na resolução diplomática da crise.

Comentários

Rui Cascao:

Só não percebo as reiteradas referências às Forças Armadas russas como «exército vermelho».
MFerrer disse…
Nem se percebe essa ideia de que a Rússia vai invadir e tomar Tiblissi. Tal não vai acontecer. Isso queriam os falcões nos EEUU e na campanha do MacCain. O problema Shaakasvili é deles e vão ser eles que o vão ter que tirar do poleiro. O mesmo se passa por esse Mundo, desde a o Líbano ao Kowheit, do Paquistão ao Afganistão...
O verdadeiro reino da liberdade e da democracia!
Só tem um detalhe: Cheira demasiado a petróleo!
MFerrer
Rui Cascao disse…
A antiga designação de exército vermelho manteve-se para as forças armadas russas apesar da queda da URSS.
Anónimo disse…
Moratinos elogia la magistral actitud de la Presidencia Francesa de la UE, en vistas a la resolución del conflicto.

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides