Geórgia e Ossétia do Sul: a subtileza de um elefante numa loja de porcelana

Na sua pesada intervenção na Ossétia do Sul, a Geórgia demonstrou uma falta de subtileza e uma incompetência brutais.

A intervenção, face à previsível interposição de tropas russas, foi inútil. Por muito bem armada que a Geórgia tenha sido recentemente pelos EUA e outros estados da NATO, nunca poderá fazer frente ao Exército Vermelho.

Causou destruição generalizada e inúmeras baixas civis na Ossétia do Sul, cujos habitantes são maioritariamente cidadãos russos (povo de origem iraniana, estabelecido no Cáucaso desde o século XII, e fortemente russificado). A agressão e destruição indiscriminada dificilmente ficam bem na fotografia, por muito válido que pudesse parecer o objectivo, ou por muita reputação de "papão" que tenha a Rússia.

Tornou claro que dificilmente poderá a Ossétia do Sul (ou a Abcásia) voltar a ser integrada na Geórgia, destruídos que foram, pela atitude unilateral da Geórgia, quaisquer vias diplomáticas.

Uma atitude irresponsável, uma vez que a Geórgia não tem quaisquer aliados na região que a possam auxiliar (as relações com a Arménia são más, com o Azerbeijão mornas, a Turquia é indiferente). O seu principal aliado, os EUA, dificilmente poderá fazer seja o que for. É manifestamente suicidário lançar uma iniciativa destas sem se estar bem apoiado.

É evidente que, com este erro crasso, a Geórgia hipotecou três pilares essenciais da sua estratégia para o futuro:
- a reintegração das províncias rebeldes da Ossétia do Sul e da Abcásia na esfera de soberania da Geórgia é doravante, depois deste banho de sangue, impensável. A Rússia não o permitirá, nem as populações desses territórios alguma vez a aceitarão. Prevê-se um cenário de tipo Kosovar ou de República Turca Cipriota, em que estas repúblicas serão reconhecidas e protegidas pela Rússia (e porventura dos seus satélites);
- a adesão à NATO, objectivo que a Geórgia procurava assegurar já em Dezembro deste ano, está comprometida a curto e médio prazo. A Rússia não o permitirá, nem a NATO, por muito voluntarismo que possam ter os EUA, correrá esse risco geopolítico;
- a infra-estrutura económica e militar, arduamente modernizada nos últimos anos com apoio dos EUA, dificilmente escapará incólume à retaliação militar da Rússia, que procurará destruir toda a infra-estrutura georgiana que possa causar riscos à Rússia no futuro (tal como a NATO fez aquando da intervenção na Sérvia).

A Rússia já anunciou, de forma clara, que o erro da Geórgia será exemplarmente punido. A Rússia não hesitará em liquidar a máquina militar georgiana, nem em destruir a infra-estrutura económica (nomeadamente dos pipelines e gasodutos georgianos que competem com os russos na condução de hidrocarbonetos para a Europa. Finalmente, a Rússia já anunciou alto e em bom tom, que Saakashvili,  chefe de Estado da Geórgia "terá que partir". O procurador-geral da Federação Russa já começou a instruir inquéritos contra Saakashvili e outros políticos e militares georgianos por crimes de guerra e genocídio. A Rússia parece determinada a ir até às últimas consequências... e a comunidade internacional nada poderá fazer, apenas observar, objectar e proporcionar os meios humanos e financeiros para atenuar a catástrofe humanitária. Os EUA nunca arriscariam um conflito com a Rússia pelos belos olhos da Geórgia, nem mesmo como reconhecimento pela sua vassalidade. A União Europeia não tem força nem unidade, militar ou diplomática para fazer o que quer que seja. Nada tem a oferecer senão dinheiro para a reconstrução.

A Geórgia cometeu um erro táctico e estratégico. E erros deste calibre contra grandes potências pagam-se caro. Por vezes com a própria independência. Muito provavelmente verá o seu território ser definitivamente amputado da Ossétia do Sul e da Abcásia, e estará muito claramente escrito nas estrelas que nada virá a alcançar internacionalmente sem o beneplácito do Kremlin. Um pouco mais de paciência e contenção poderiam ter evitado isto.

Comentários

Rui Cascao:

Obrigado pelas excelentes «crónicas de guerra» e preciosas informações históricas que ajudam a compreender a situação perigosa criada pela Geórgia na Ossétia do Sul.

A presidência francesa da União Europeia ofereceu à Geórgia e à Rússia um plano baseado no fim imediato das hostilidades e respeito pela integridade territorial da Geórgia. Curiosamente a UE não ofereceu, no caso do Kosovo, um plano baseado no fim imediato das hostilidades e respeito pela integridade territorial da Sérvia.

Duvido que o presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, se tenha lançado numa aventura, que lhe pode custar a vida e o País, sem conhecimento de Bush. Este é um assunto que ainda não vi referido na comunicação social.

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