INCORPORAÇÃO DE MÉDICOS REFORMADOS: "Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio"...

A questão dos recursos humanos no SNS atingiu as raias do inacreditável. No seu interior - e particularmente no que diz respeito ao sector médico - vivem-se momentos do maior descontrolo, de desgoverno, de desvario, potencializadores dos maiores dislates.
Aliás, tal situação [de desnorte] não se restringe ao sector da saúde. A imagem que passa para os cidadãos é a de um Governo em completa “roda livre”.
Por exemplo, hoje, o Parlamento discutirá a proposta de alterações contributivas [vulgo, agravamento da carga fiscal] oriunda do Governo e que, ontem, entrou em vigor. Surrealista!
Uma moderna reprodução da história da pescada que – como sabemos - antes de o ser, já o era…

Como surrealista será a solução encontrada para as [não quantificadas, nem qualificadas] carências, em pessoal médico, no SNS. E apesar disso, uma impensada, intempestiva e pouco imaginativa legislação [de recurso] tendo como objectivo o “retorno” dos médicos aposentados [antecipados ou “a termo”] será sempre uma solução patética, para não dizer desesperada.

O sector profissional médico no seio do SNS [HH’s + CPS’s] está mergulhado na maior das indefinições [de estatuto profissional, de carreira, de retribuições, etc.].
O que sendo real – e muito embora pouco exequível - será o programa [mera intenção?] de cortes na despesa programados em 5%. E a utópica esperança de – com medidas restritivas em vários campos da política da saúde – pretender manter a qualidade dos serviços. Provavelmente, as poupanças ficarão pela reduçãu de consumos de tonner e de papel para fotocópias.
O resto, não passa do mero improviso, de vulgares expedientes e de infantis pesporrências debitadas por uma camarilha de assessores, consultores, louvaminheiros, etc., principescamente remunerados e completamente imunes a quaisquer medidas de austeridade.

A “crise” que o SNS enfrenta - no que diz respeito aos recursos humanos no sector médico - faz parte de uma longa, sinuosa e acidentada caminhada.

Começou, pela falta de programação, a médio prazo, das necessidades em pessoal [em vários sectores, não só médico] para garantir a universalidade do SNS. Muitos poderão ser os culpados, desde enviesados interesses corporativos, passando pela desconexão entre Ministérios [da Saúde e da Educação] até à anárquica proliferação e descontrolada expansão de um Ensino Superior privado [que não se dedicou, ou foi impedido de o fazer às Ciências Médicas] há demasiado "pano para mangas". E, na drástica situação que vivemos, não vale a pena "chorar pelo o leite derramado".

Já nem ouso falar daqueles que a termo e tendo cumprido o tempo de serviço e as obrigações relativas à sua situação de servidores do Estado [Social, neste caso], “gozam” merecidamente [por enquanto] a sua aposentação.
As recentes medidas extraordinárias do MS são de facto - para esses aposentados - “extraordinárias”. Mais, além de extraordinárias, são discriminatórias em relação ao conjunto de aposentados, reformados, jubilados, etc, que existem nos diversos sectores da sociedade. Não estará o Ministério da Saúde a pedir que trabalhem para aquecer?

Porque se reformam antecipadamente os médicos, os professores e outros funcionários públicos?

Porque, cada ano que passa, cada nova discussão do OGE são, paulatinamente e sistematicamente, espoliados dos quantitativos esperados para a sua aposentação. A expectativa de obter uma aposentação condicente e condigna com o trabalho desenvolvido ao longo de uma vida, que se aproxime das regras em vigor no início da sua vinculação à FP, morreu. E dessa morte – chamar-lhe-ia um assassínio - nascem todas as frustrações que induzem posições reactivas [por medo, raiva ou intolerância] e, inevitavelmente, conduzem a um comportamento [colectivo?] de fuga [running forward].

As “reformas precoces” e, pior, algumas das aposentações a termo, devem ser entendidas como [dolorosas] resoluções de situações de conflito latentes entre os funcionários e os serviços públicos onde serviram dezenas de anos…

No sector médico, muitos abandonaram o “barco” manifestando [alguns em surdina] um profundo descontentamento pessoal e profissional.

A saber:
Acrescidas dificuldades de realização pessoal e profissional que, no seio do SNS, passam pela permanente desvalorização do “acto médico”;uma sistemática contracção de espaços de autonomia técnica; a alienação de tempos dedicados à formação, a sobrevalorização de meras, pouco significativas e "fabricadas" casuísticas, as veladas [e repetidas] ameaças ao estatuto de funcionário público [deslocalizações, mobilidade especial, carreiras, progressões, etc.]…
Este rosário de inconformidades [necessariamente incompleto] conforma a existência de um “ambiente hostil” no seio das instituições do SNS, que o legislador deveria ter em conta antes de deitar cá para fora tamanha aleivosia [regime especial de contratação de médicos aposentados].
Aliás, este regime só será “especial” por tentar encobrir a real situação [pré-ruptura nos cuidados básicos e alguns sectores especializados]. Deste modo transforma-se um expediente de caserna, num regime “especial”. Como se os aposentados [em qualquer sector da administração pública] gozassem de especiais privilégios e não tivessem contribuído – durante a permanência ao serviço – regularmente [mensalmente] para a Caixa Geral de Aposentações.

Ao fazer aprovar este regime especial no Conselho de Ministros de ontem [01.06.2010] será que a Ministra [honestamente]“espera” que os aposentados lhe remedeiem [resolver não será por este caminho] o candente problema dos recursos humanos médicos nos próximos 3 anos?

A ministra é ingénua?
Os aposentados, recentemente apodados de “mercenários” [pela Ministra], serão uns prevaricadores [sociais] "arrependidos"?
Daqui a 3 anos [terminus desta legislação] como estarão as aposentações ?

Quem trabalhou no SNS tem a nítida percepção de que esta medida vai, indirectamente, fortalecer o sector privado e social. Como corolário, contribuirá para o galopante enfraquecimento do SNS.
Esta é a política social que desenvolvemos em tempos de crise.

“Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio" dizia Heráclito, um filósofo “pré-socrático” [a ser interpretado como o leitor quiser…]. E como rio está [ainda] mais tormentoso do que na altura que esses médicos se aposentaram, niguém vai querer banhar-se...

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