O 10 de Junho e a memória da ditadura
A nossa vocação mórbida conduz à celebração da morte em vez da exaltação da vida e à perpetuação das memórias da ditadura para alimentar rituais que a higiene democrática já devia ter banido.
Exumam-se os hábitos e tiques do salazarismo para ornamentar com veneras os peitos disponíveis das celebridades autóctones, algumas só conhecidas da família, dos amigos, do partido e dos negócios.
Vestem um fato de cerimónia, põem o ar grave e lá esperam que o nome seja citado para oferecerem o pescoço ao nastro, o peito à venera e as costas aos abraços.
É assim todos os anos e não se nota a ausência do Tomás. Faltam apenas as viúvas, os órfãos e os estropiados que davam à cerimónia o ar lúgubre da tragédia que teima em perseguir-nos e do ritual que não há coragem para mudar.
Mantém-se o presidente e os carregadores que transportam as medalhas, os figurantes e figurões que desfilam no ecrã das televisões, as vaidades reprimidas e as cumplicidades.
O 10 de Junho é a repetição da liturgia do Império a que faltam, agora, as colónias e os mutilados, as mães dos filhos mortos, as criancinhas a quem mataram o pai e os Pides que nunca foram julgados.
É o palco de vanglórias para mostrar à Pátria o presidente e os figurantes que ele aceitou distinguir. Tudo se pauta pelo mau gosto e pela liturgia gasta, numa cumplicidade entre a vaidade dos que são agraciados e a conveniência política de quem os distingue.
Faltam, por pudor, Fernando Lima e José Manuel Fernandes, que bem mereciam. Para o ano, há mais. No meio de oficiais e cavaleiros de mérito agrícola, industrial e comercial ouvem-se nomes da cultura e da ética que mereciam outro dia e outra companhia. É o caso de Saldanha Sanches, por exemplo.
Para quem fez a guerra colonial e não perdeu a sensibilidade, é com um misto de revolta e de vergonha que vê os nomes de Camões e de Portugal associados à palhaçada que a ditadura montava para legitimar a guerra ignóbil em que destruiu uma geração.
Já saí da guerra colonial e dos 1465 dias de tropa há mais de quarenta anos, mas nunca saíram de mim os 26 meses de Moçambique, o Moura que o rio Zambeze levou e o Dias cujo corpo esmagado ainda sinto nos braços e me faz sangrar por dentro.
Exumam-se os hábitos e tiques do salazarismo para ornamentar com veneras os peitos disponíveis das celebridades autóctones, algumas só conhecidas da família, dos amigos, do partido e dos negócios.
Vestem um fato de cerimónia, põem o ar grave e lá esperam que o nome seja citado para oferecerem o pescoço ao nastro, o peito à venera e as costas aos abraços.
É assim todos os anos e não se nota a ausência do Tomás. Faltam apenas as viúvas, os órfãos e os estropiados que davam à cerimónia o ar lúgubre da tragédia que teima em perseguir-nos e do ritual que não há coragem para mudar.
Mantém-se o presidente e os carregadores que transportam as medalhas, os figurantes e figurões que desfilam no ecrã das televisões, as vaidades reprimidas e as cumplicidades.
O 10 de Junho é a repetição da liturgia do Império a que faltam, agora, as colónias e os mutilados, as mães dos filhos mortos, as criancinhas a quem mataram o pai e os Pides que nunca foram julgados.
É o palco de vanglórias para mostrar à Pátria o presidente e os figurantes que ele aceitou distinguir. Tudo se pauta pelo mau gosto e pela liturgia gasta, numa cumplicidade entre a vaidade dos que são agraciados e a conveniência política de quem os distingue.
Faltam, por pudor, Fernando Lima e José Manuel Fernandes, que bem mereciam. Para o ano, há mais. No meio de oficiais e cavaleiros de mérito agrícola, industrial e comercial ouvem-se nomes da cultura e da ética que mereciam outro dia e outra companhia. É o caso de Saldanha Sanches, por exemplo.
Para quem fez a guerra colonial e não perdeu a sensibilidade, é com um misto de revolta e de vergonha que vê os nomes de Camões e de Portugal associados à palhaçada que a ditadura montava para legitimar a guerra ignóbil em que destruiu uma geração.
Já saí da guerra colonial e dos 1465 dias de tropa há mais de quarenta anos, mas nunca saíram de mim os 26 meses de Moçambique, o Moura que o rio Zambeze levou e o Dias cujo corpo esmagado ainda sinto nos braços e me faz sangrar por dentro.
Ponte Europa / Sorumbático
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