A carne é fraca?…

O recente alerta da OMS acerca do consumo (desregrado) de carnes vermelhas e seus derivados (produtos processados) que mereceu ampla divulgação na imprensa internacional  link provocou, em todo o Mundo, e também em Portugal, variadas e desencontradas reacções.

Desde os representantes das empresas produtoras, até alguns empresários actuando a solo, aos nutricionistas encartados, aos conselheiros gastronómicos e até à Direcção-Geral de Saúde, todos encontraram espaço para comentar.

Se a atitude dos representantes dos empresários é compreensível face ao sistema de mercado vigente, não se compreende a dúvida metódica que subitamente se instalou em alguns profissionais de saúde e no responsável pela saúde pública em Portugal. O meio-termo sempre foi uma das faces visível da dissimulação e a apologia do mal menor. E a moderação não consegue fugir a esse pantanoso espaço. Ninguém advoga fundamentalismos, quer sejam políticos, religiosos ou dietéticos, mas o alerta da OMS deverá abrir um esclarecedor debate na comunidade científica e na sociedade que envolva as autoridades responsáveis pela qualidade alimentar e pela salvaguarda da boa alimentação que seja promovido pelos Governos dos diversos Países - os guardiões institucionais da saúde dos cidadãos. 
Há muito que a comunidade científica contempla e analisa as incidências elevadas de cancro digestivo no Japão e, por exemplo, em Portugal, no distrito da Guarda. O denominador comum destas regiões, tão distantes e culturalmente tão diversas, são os produtos processados da carne (por métodos necessariamente diferentes), nomeadamente, os ‘fumeiros’. E também sabemos que se alguma medida ‘travou’ a progressão desta taxa de incidência foi o advento e a disseminação de um aparelho doméstico hoje muito banal: - o frigorífico.

A indústria produtiva de carnes e seus derivados desde 1950, até aos dias de hoje, aumentou seis vezes a produção enquanto a população nesse mesmo período teve um crescimento muito mais lento. Se acrescentarmos a este desfasamento de crescimento o enorme estrato da população mundial (cerca de 1/3 ?) que não tem acesso quotidiano à carne ou só o terá em circunstâncias especiais e fortuitas, então verificamos que o consumo de carne nos últimos 60 anos, na realidade, disparou (para alguns) de modo incontrolado.

Claro que perante este exagero, impossível de ocultar, os comentadores apelam, cautelarmente, à educação dos consumidores e à moderação da ingesta proteica. Ninguém se atreve a propor a regulação dos volumes de produção para níveis compatíveis com a saúde dos cidadãos consumidores que garantam - indiretamente - uma almejada ‘moderação’. 
Uma fatia muito importante da população mundial continua a ter uma alimentação 'do tipo monofásico’ (sem a proporcionalidade de conteúdos em hidratos de carbono, proteínas e lipídeos), isto é, muito desequilibrada e centrada num ou dois  produtos de fácil e garantido acesso, já que é ‘obrigada’ a ingerir produtos alimentares restritos, na linguagem popular ‘solteiros’. Praticam uma alimentação de sobrevivência à volta das batatas, do arroz, do milho, da mandioca, do feijão, das couves, etc., confeccionadas sob a forma de caldos, sopas ou 'papas', onde esparsas vezes lhe são acrescentadas pedaços de ‘unto’ ou de ‘conduto’.
 
O equilíbrio necessário para corrigir esta situação iníqua e carencial é, no campo da justiça solidária e redistributiva, aparentemente fácil e expedito, passaria pela simples harmonização da distribuição de uma produção (excessiva) dividindo, deste modo, o mal pelas aldeias e proporcionado um melhor acesso das regiões pobres e subdesenvolvidas aos produtos alimentares que se revelam excedentários no Mundo, de modo a fomentar uma ingestão 'universal' em quantidades saudáveis (aceitáveis).
Todavia, os ditos 'mercados da produção e do comércio alimentar', na lógica do sistema vigente, vão permanecer incólumes, porque o que está em causa é premiar os investidores com a manutenção de uma taxa média de lucro, inalterável ou progressiva, mesmo que à custa da saúde dos consumidores.

Adivinhamos como vai ser a ‘resposta’. Continuar a promover a produtividade e o marketing para garantir o negócio, taxar os produtos potencialmente perigosos para a saúde (como no caso do tabaco, do álcool, dos hidrocarbonetos, etc.) arrecadando vastas receitas fiscais e os cidadãos continuam a poder correr os riscos que quiserem, desde que paguem.

Existe uma outra alternativa como atrás mencionamos, isto é, proceder a uma distribuição justa e equitativa de modo a que os excedentes de produção deixem de estar condicionados pelas barreiras económicas que limitam a acessibilidade dos potenciais (e universais) consumidores. Mas isso é uma outra história, notoriamente atentatória dos ‘mercados livres’…

Os juízos populares sobre comportamentos dizem que ‘a carne é fraca’. Vamos, nos próximos tempos, ser confrontados com o seu contrário.

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