NATO: as primeiras e veladas ‘ameaças’…


Enquanto se verifica uma relativa discrição sobre a possibilidade de um Governo liderado pelo PS e apoiado pelos partidos à sua Esquerda, por parte de Bruxelas, Berlim e Frankfurt eis que é mandado avançar para a liça o Senhor Embaixador dos EUA em Lisboa link.
Existe a sensação de que a UE espera para ver, enquanto outros se armam em ‘franco-atiradores’ e disparam sobre tudo o que possa mexer. São os conhecidos ‘snippers’ e deles temos uma trágica experiência.

Os perenes guardiões da NATO e os esforçados zeladores da sua presente capacidade operacional, neste ínterim, cavalgam a onda de uma volúvel assepsia política, disfarçada de uma pureza e grandiosidade democrática, na verdade dissimuladora de opções ideológicas que nunca explicitam.
A organização nascida no calor da ‘guerra fria’, com o mundo dividido em 2 blocos militares, nunca questionou como foi possível que um País como o nosso, vivendo num regime ditatorial, fosse um dos membros fundadores dessa associação. A ‘permissividade’ patente no ato fundador deu credibilidade ao regime salazarista, isolado internacionalmente e acossado no interior pelas forças oposicionistas, após o fim da II Grande Guerra, permitindo-lhe sobreviver durante cerca de três décadas ('para mal dos nossos pecados').

Na verdade, para construir uma grande coligação do Ocidente contra os regimes comunistas de Leste a regra foi arregimentar tudo e todos. Para que esta ‘santa aliança’ fosse possível evitou-se fazer perguntas ou manifestar qualquer “preocupação” - como agora aparece o Senhor Embaixador a fazer.
 
A Esquerda, nomeadamente a europeia, não precisa de gastar tempo e energias a denunciar ou lamentar a sobrevivência da NATO no atual contexto.
As contradições internas que lhe estão inerentes e se acentuaram depois da derrocada dos regimes comunistas e do fim do Pacto de Varsóvia, num mundo economicamente globalizado e subsidiário da ‘financeirização’ da política, encarregar-se-ão de revelar as razões porque, após o término da bipolarização mundial, a NATO continua a querer expandir-se e reforçar-se.

E a razão para a sua subsistência tem um fundamento de 'natureza policial', isto é, permite ao líder natural da NATO, os EUA, continuar a exercer funções de ‘polícia do Mundo’. Na verdade, nos tempos que correm a ideia de ‘defesa colectiva’ que vigorou entre os seus membros, ou de rechaço de ‘ameaças globais’, é desmentida pela realidade, isto é, o que na prática se verifica é a proliferação de conflitos regionais, sem perspetivas de (re)solução militar, incontroláveis politicamente e desestruturantes das instituições civis e militares.

Mas ao fazer uma breve resenha verificamos que o papel da NATO, que tanto orgulha e parece condicionar o Ocidente, tem poucos créditos para se afirmar.
Desde a desastrosa intervenção na ex-Jugoslávia, à confusa actuação no Afeganistão (ISAF), à dissimulada coligação para a invasão do Iraque e, ainda, à manhosa intervenção na Líbia (sob o disfarce da criação de uma ‘zona de exclusão aérea’), que não existe qualquer ténue perfume de sucesso que esta organização possa reivindicar.

Recentemente, não é difícil reconhecer a NATO, directa ou indiretamente, envolvida nos dois mais recentes conflitos regionais: Síria e Ucrânia.
Na Síria, intrometeu-se através de apoios em dinheiro, armas e recursos humanos ao chamado ‘Exército Livre’ que progressivamente foi perdendo terreno (nomeadamente porque não conseguiu no CS da ONU obter o tal estatuto de ‘zona de exclusão aérea’ usado na Líbia para intervir) e transferindo os meios disponibilizados (pela NATO)  para organizações extremistas ligadas à Al Qaeda, donde acabará por 'nascer' o famigerado Daesh que - para além de uma bárbara violência local e regional - transformou-se na grande ameaça terrorista para o Ocidente. Ameaça tanto mais grave quanto se perspectiva a intervenção armada neste País por forças turcas o (poderosíssimo) braço armado da NATO na região, com o risco de transformar o Médio Oriente num ‘novo Vietname’.
Na Ucrânia, tratou-se de uma intempestiva expansão para Leste da aliança militar ocidental (até ao limite de encostar-se à fronteira russa), a meias com os eurocratas de Bruxelas (capitaneados por Durão Barroso), com a pretensão de alargar a zona de influência política e económica europeia e apertar o ‘cerco’ à Rússia. O Ocidente, através da UE, preparava-se para começar de imediato um programa de resgate (certamente pela imposição das habituais medidas de austeridade, de empobrecimento e de privatização ao desbarato de tudo que fosse património público) que, de concreto, acabou por não conseguir mais do que alimentar um conflito interno, determinar a fragmentação deste País e inviabilizá-lo no domínio económico.
 
A ‘Parceria Euro-atlântica’ - surgida após a queda do muro de Berlim - foi mais uma manobra para fomentar o alargamento a Leste com a exclusão da Rússia, como se ainda existissem a URSS e o Pacto de Varsóvia. Resta saber como se comportará esta organização no decorrente conflito ucraniano. Mas por ‘manu militari’ poderá chegar à Europa o maior dos problemas da actualidade colocando a par da dependência em matéria de defesa - que a UE nunca quis resolver - o fim da sua autonomia económica e o abandono de uma estratégia própria de desenvolvimento. Esta a ‘evolução da NATO’ que, a longo termo, se pretenderá, desde já, salvaguardar.
Trata-se do TTIP, um tratado de comércio entre os EUA e a Europa que continua na forja e, segundo supomos, deverá passar pelo (no) Parlamento Europeu (onde o PPE decide), nunca será sujeito a qualquer acto referendário e ao que parece será um tratado 'blindado' a eventuais escrutínios dos parlamentos nacionais.
Caso seja aprovado no PE – apesar de fortes objecções manifestadas pela sociedade civil alemã, francesa, britânica e espanhola - tornar-se-á um ‘inviolável’ compromisso europeu que qualquer governo nacional, integrado na UE, terá religiosamente de respeitar.
Este TTIP é a mais moderna extensão (pretensão) da NATO que, tendo sido esvaziada do contexto inicial, colecciona insucessos nas intervenções pelo Mundo e assume, agora, o papel de guarda pretoriana do neoliberalismo.

Na realidade, a questão da NATO, isto é, o ‘alinhamento atlantista’, diz mais respeito à política externa e aos indecisos caminhos de globalização económica e financeira com que estamos confrontados em termos de futuro, do que a um programa de Governo, neste momento, em discussão no nosso País. 
Porque no Mundo de hoje o centro de gravidade político e estratégico está velozmente a deslocar-se para o Pacífico (Oriente), deixando o Atlântico (nomeadamente o Norte) confinado a uma dimensão muito circunscrita (pouco global) o problema não é imediato. A questão da NATO é um problema que se arrasta penosamente desde o fim da ‘guerra fria’ e entrou num prolongado estertor decorrente dos novos equilíbrios geo-estratégicos que se estão a desenhar no Mundo, não sendo, por isso, um assunto para dirimir logo ou amanhã. A 'organização atlantista' entrou numa profunda letargia, com características hibernantes e decompositoras anunciando a queda de mais um 'império'.

Por isso, a 'questão NATO' não passa de um ‘espantalho’ que a Direita, neste momento, agita para amarrar as opções futuras a uma perspetiva imobilista. Por essa razão é que, historicamente, a Direita congrega as forças conservadoras ou, muitas vezes, ultra-conservadoras.

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