Propostas para uma nova política de esquerda
O eleitorado deixou claro o seu posicionamento nas eleições. Neste momento, o PS tem 97 deputados, os partidos à sua esquerda 31, e à sua direita 102 (faço a distribuição dos mandatos dos círculos da diáspora, segundo o resultado mais provável, 1 PS/1 PSD no círculo da Europa e 2 PSD no círculo fora da Europa). Anteriormente o PS tinha 121 mandatos, os partidos à sua esquerda 22 e os partidos à sua direita 87. Globalmente, a esquerda, ainda que continue a dominar o hemiciclo, perdeu 10 mandatos.
O próximo governo PS não terá a vida fácil. Ainda que possa negociar algumas medidas à esquerda e outras à direita, sendo improvável uma coligação negativa em que os outros partidos pudessem fazer cair o governo, seria desejável que o PS clarificasse a sua orientação e procurasse um acordo-quadro de legislatura ou com os partidos à sua esquerda, ou com um dos partidos da direita. Aqui deixo algumas propostas para uma nova política de esquerda para Portugal.
Antes de mais, é necessário reflectir sobre as valências e as falhas do modelo até agora adoptado- baseado nos movimentos "terceira via", "new labour" e na social-democracia escandinava. Algumas insuficiências destes sistemas tem sido demonstradas em vários países (Alemanha, Holanda, Suécia, Finlândia, Islândia, Dinamarca, Reino Unido). É necessário reavaliar e reflectir.
Mais concretamente, e por sectores:
Saúde. Evitar as tentações de privatização do SNS, as parcerias público-privadas, e a migração de um modelo de serviço nacional de saúde público, universal e tendencialmente gratuito para regimes mistos ou de seguro individual de saúde. São conhecidos os apetites de alguns grupos económicos pelo sector da súde, e das seguradoras pela privatização do seguro de saúde. São conhecidas as más experiências no que diz respeito às parcerias público-privadas neste sector. O SNS funciona relativamente bem, assegura serviços de saúde de elevada qualidade (mesmo comparativamente com os países mais ricos da Europa), sendo no entanto de continuar os esforços de racionalização da despesa. Aqui, o melhor exemplo a seguir é o da restruturação do NHS britânico. Público, universal e gratuito.
Justiça. Este é o nó górdio, e deverá ser objectivo prioritário de qualquer Governo, seja de esquerda ou de direita.
É por um lado necessário alterar a mentalidade de alguns operadores da justiça (nomeadamente juízes, MP). Predomina uma cultura judiciária burocrática, autoritária e moralista. Os operadores perdem tempo e desbaratam recursos humanos e financeiros com detalhes bizantinos e com excessos de fundamentação e de zelo ferquentemente desnecessários. Há uma cultura de desrespeito generalizado pelos prazos por parte dos magistrados (só os advogados é que têm que os cumprir). Não há uma cultura de colaboração ou capacidade de delegação. Não há uma cultura de mérito e excelência, de busca de aperfeiçoamento científico e técnico; triunfa a antiguidade no serviço. Para não falar dos tentaculares conflitos de interesses entre o serviço público que devem prestar e os interesses corporativos e sindicais. É necessário alterar faseadamente esta cultura judiciária. Isto de duas formas: por um lado através da reestruturação do CEJ segundo novas orientações metodológicas e pedagógicas (que devem ser devidamente investigadas, tendo em conta as experiências estrangeiras), e pelo outro promovendo a aprendizagem contínua dos magistrados antigos (nesse CEJ reciclado e nas universidades).
Por outro lado, os recursos existentes, escassos, são insuficientes ou mal aproveitados. Há milhões (não exagero!) de pequenas causas a entupir os tribunais (principalmente cobranças de dívidas por parte de SFAC's, bancos, operadoras de telecomunicações, electricidade). Há milhares de crimes bagatelares a consumir desnecessariamente os tribunais (injúrias, difamação). A adequada resolução para este problema passa principalmente pela desjudicialização dessas pequenas causas, apostando num reforço significativo da rede de julgados de paz e de RAL- resolução alternativa de litígios (mediação, arbitragem). Em alguns países, nas pequenas causas, só podem as partes recorrer aos tribunais judiciais quando foi inviabilizado o recurso a estruturas de RAL, ou são estas julgadas por tribunais de pequena instância (por vezes tribunais municipais). Assim se gerem melhor os recursos.
Segurança. Os novos desafios da segurança em Portugal devem ser levados a sério, exigindo uma reavaliação da actual política de segurança interna. Há alguns assuntos tabu que devem ser encarados de frente- sob pena de a extrema-direita aumentar e de se chegar a um ponto de fractura onde o securitarismo poderá triunfar.
Por um lado, é necessário estudar as tendências da criminalidade e adaptar e reorganizar as forças de segurança de forma estratégica e pró-activa. Devem definir-se áreas prioritárias na prevenção e repressão criminal, e levar a sério o princípio da oportunidade na investigação criminal. A meu ver, as áreas prioritárias devem ser as da luta contra a corrupção, da prevenção e repressão dos crimes de terrorismo, de combate ao banditismo e à criminalidade organizada e violenta, da luta contra o narcotráfico e o tráfico de pessoas.
Por outro lado, é necessário encarar frontalmente e sem tabus alguns aspectos da política de segurança. A esquerda não tem que ter tabus sobre algumas questões de segurança, sendo que os cidadãos têm o direito de não viver em medo. Obviamente que não defendo políticas securitárias extremas de "law and order" ou de penas excessivas. No entanto, alguma desblindagem de algumas medidas excessivamente garantísticas deve ser encarada. Uma diz respeito à videovigilância, uma medida que se tem, em muitas cidades do mundo, revelado extremamente eficaz na prevenção e repressão criminal, e que tem sido extremamente restringida em Portugal, a meu ver por uma excessiva valoração do bem jurídico reserva da privacidade em detrimento de outros bens jurídicos. Outra diz respeito a algumas penas, que a meu ver, são extremamente leves, em homenagem a uma corrente de pensamento juspenalístico importada da Alemanha. Um exemplo é o crime de Roubo (Art. 210º Código Penal), que implica coacção ou ameaça de violência, punido com pena de prisão de 1 a 8 anos (e que será efectivamente menos com a liberdade condicional, sendo que sendo delinquente primário ou jovem, pode não vir a ser condenado em pena de prisão efectiva). Outros exemplos: Ofensa à integridade física simples (Art. 143º Código Penal, pena de prisão até 3 anos); Sequestro (Art. 158º, prisão até 3 anos, não havendo circunstâncias agravantes); Rapto (Art. 161º, 2 a 8 anos). Estes são crimes graves, aos quais a pena correspondente é ligeira. Para além de o sistema ser incoerente: aplica-se a mesma pena a um agente que sequestre uma pessoa que a um agente que alivie uma carteira no metro (crime de furto, Art. 203º Código Penal, pena de prisão até 3 anos), punindo-se a bigamia com pena de prisão até 2 anos (Art. 247º). Finalmente, seria também de equacionar a legislação relativa ao porte e uso de arma, sendo mais rigoroso e exigente o regime de avaliação psicológica das pessoas a quem é emitida licença de uso e porte de arma (incluindo armas de caça), e agravando as penas correspondentes à detenção, porte e uso de arma proibida ou carecendo de licença.
Segurança social e trabalho. O PS tem tradição de qualidade na intervenção nesta área, sendo no entanto escassos os recursos financeiros disponíveis. A meu ver, a dotação financeira nesta área deveria ser significativamente reforçada, sacrificando-se talvez uma ou outra autoestrada desnecessária. Tal é essencial para, na óptica do modelo "flexisegurança", reduzir as externalidades da flexibilização do despedimento e da precarização do vínculo laboral, e o modelo poder ser socialmente aceite.
Finanças. Esta será uma das mais duras provas do PS: como conseguir uma política de esquerda com o estado claudicante das finanças, especialmente em período de crise internacional. O lado bom da coisa é que a máquina fiscal ganhou em eficiência no mandato anterior, e será capaz de captar as receitas necessárias quando a crise for ultrapassada. No entanto, no futuro, poderão ser de equacionar algumas medidas conducentes à simplificação e transparência fiscal, nomeadamente através da racionalização e gradual eliminação dos benefícios fiscais, verdadeira cortina de fumo promotora de opacidade fiscal, e consequente redução das taxas de incidência. Por outro lado, seria de reequacionar a tributação de mais valias especulativas, e de equacionar um imposto sobre as grandes fortunas. O pacote Cravinho também seria bem-vindo.
Educação, investigação científica e inovação tecnológica. Nesta área a intervenção estratégica do PS foi, no seu essencial boa, reforçando o ensino público, investindo na educação de qualidade e na inovação tecnológica. No entanto, se a estratégia foi boa, a táctica foi má, nomeadamente na gestão do dossier da avaliação dos professores, que foi mal reflectida, implementada num espaço de tempo extremamente curto, de forma autoritária, e sem período de adaptação suficiente. Por outro lado, para além de insuficiente financiamento, persistem tendências pedagógicas que tendem a não privilegiar o mérito e a disciplina dos alunos, bem como estruturas burocráticas fortemene partidarizadas (as DRE). No que diz respeito à investigação científica e tecnológica, deveria ser aumentado o financiamento e definidos nichos e projectos-quadro de forma a canalizar eficientemente o financiamento.
Obras públicas. Algumas são essenciais para o desenvolvimento do país, outras não. O TGV e o novo Aeroporto são infraestruturas importantes para a redução dos custos de periferia. Outras obras públicas, nomeadamente várias autoestradas construídas recentemente, não o são, podendo esses recursos ser canalizados para outras prioridades (educação, justiça, segurança social). A escolha deve ser racional.
Transparência. A principal razão de descontentamento do eleitorado com o "centrão" reside essencialmente na permeabilidade e promiscuidade entre PS e PSD e os grandes interesses económicos.
É por um lado necessário que se levem a sério os concursos públicos. Acabar com a adjudicação por ajuste directo de obras públicas ou de serviços. Acabar com a adjudicação por ajuste directo de serviços de consultadoria (os célebres pareceres), por preços inflaccionados, e restringir o recurso desses serviços apenas quando não exista na administração pública competência técnica para tal, e sempre em regime de concurso público. Acabar com as "derrapagens" no orçamento de obras públicas, acabe-se com a prática corrente de os concorrentes a um concurso público fazerem uma oferta baixa apenas para ganhar o concurso, reavaliando posteriormente o orçamento e beneficiando da "urgência" na execução para cumprir calendários eleitorais. Acabar com os cadernos de encargos elaborados à medida de um determinado concorrente.
Pelo outro lado, é necessário moralizar a classe política. Não é aceitável numa ética de transparência que um governante, imediatamente após o exercício das suas funções públicas, se torne administrador ou consultor de grupos económico-financeiros que vivem dos negócios com o Estado, frequentemente para grupos que foram beneficiados durante o seu exercício de funções públicas. Não é admissível que ex-governantes se dediquem a golpadas duvidosas envolvendo paraísos fiscais e empresas fictícias, enriquecendo da noite para o dia.
Finalmente é necessário que os administradores das empresas públicas, bem como os titulares de cargos de nomeação política sejam escolhidos pelo seu mérito e pelas suas qualidades profissionais, e não pela sua afiliação político-partidária.
O próximo governo PS não terá a vida fácil. Ainda que possa negociar algumas medidas à esquerda e outras à direita, sendo improvável uma coligação negativa em que os outros partidos pudessem fazer cair o governo, seria desejável que o PS clarificasse a sua orientação e procurasse um acordo-quadro de legislatura ou com os partidos à sua esquerda, ou com um dos partidos da direita. Aqui deixo algumas propostas para uma nova política de esquerda para Portugal.
Antes de mais, é necessário reflectir sobre as valências e as falhas do modelo até agora adoptado- baseado nos movimentos "terceira via", "new labour" e na social-democracia escandinava. Algumas insuficiências destes sistemas tem sido demonstradas em vários países (Alemanha, Holanda, Suécia, Finlândia, Islândia, Dinamarca, Reino Unido). É necessário reavaliar e reflectir.
Mais concretamente, e por sectores:
Saúde. Evitar as tentações de privatização do SNS, as parcerias público-privadas, e a migração de um modelo de serviço nacional de saúde público, universal e tendencialmente gratuito para regimes mistos ou de seguro individual de saúde. São conhecidos os apetites de alguns grupos económicos pelo sector da súde, e das seguradoras pela privatização do seguro de saúde. São conhecidas as más experiências no que diz respeito às parcerias público-privadas neste sector. O SNS funciona relativamente bem, assegura serviços de saúde de elevada qualidade (mesmo comparativamente com os países mais ricos da Europa), sendo no entanto de continuar os esforços de racionalização da despesa. Aqui, o melhor exemplo a seguir é o da restruturação do NHS britânico. Público, universal e gratuito.
Justiça. Este é o nó górdio, e deverá ser objectivo prioritário de qualquer Governo, seja de esquerda ou de direita.
É por um lado necessário alterar a mentalidade de alguns operadores da justiça (nomeadamente juízes, MP). Predomina uma cultura judiciária burocrática, autoritária e moralista. Os operadores perdem tempo e desbaratam recursos humanos e financeiros com detalhes bizantinos e com excessos de fundamentação e de zelo ferquentemente desnecessários. Há uma cultura de desrespeito generalizado pelos prazos por parte dos magistrados (só os advogados é que têm que os cumprir). Não há uma cultura de colaboração ou capacidade de delegação. Não há uma cultura de mérito e excelência, de busca de aperfeiçoamento científico e técnico; triunfa a antiguidade no serviço. Para não falar dos tentaculares conflitos de interesses entre o serviço público que devem prestar e os interesses corporativos e sindicais. É necessário alterar faseadamente esta cultura judiciária. Isto de duas formas: por um lado através da reestruturação do CEJ segundo novas orientações metodológicas e pedagógicas (que devem ser devidamente investigadas, tendo em conta as experiências estrangeiras), e pelo outro promovendo a aprendizagem contínua dos magistrados antigos (nesse CEJ reciclado e nas universidades).
Por outro lado, os recursos existentes, escassos, são insuficientes ou mal aproveitados. Há milhões (não exagero!) de pequenas causas a entupir os tribunais (principalmente cobranças de dívidas por parte de SFAC's, bancos, operadoras de telecomunicações, electricidade). Há milhares de crimes bagatelares a consumir desnecessariamente os tribunais (injúrias, difamação). A adequada resolução para este problema passa principalmente pela desjudicialização dessas pequenas causas, apostando num reforço significativo da rede de julgados de paz e de RAL- resolução alternativa de litígios (mediação, arbitragem). Em alguns países, nas pequenas causas, só podem as partes recorrer aos tribunais judiciais quando foi inviabilizado o recurso a estruturas de RAL, ou são estas julgadas por tribunais de pequena instância (por vezes tribunais municipais). Assim se gerem melhor os recursos.
Segurança. Os novos desafios da segurança em Portugal devem ser levados a sério, exigindo uma reavaliação da actual política de segurança interna. Há alguns assuntos tabu que devem ser encarados de frente- sob pena de a extrema-direita aumentar e de se chegar a um ponto de fractura onde o securitarismo poderá triunfar.
Por um lado, é necessário estudar as tendências da criminalidade e adaptar e reorganizar as forças de segurança de forma estratégica e pró-activa. Devem definir-se áreas prioritárias na prevenção e repressão criminal, e levar a sério o princípio da oportunidade na investigação criminal. A meu ver, as áreas prioritárias devem ser as da luta contra a corrupção, da prevenção e repressão dos crimes de terrorismo, de combate ao banditismo e à criminalidade organizada e violenta, da luta contra o narcotráfico e o tráfico de pessoas.
Por outro lado, é necessário encarar frontalmente e sem tabus alguns aspectos da política de segurança. A esquerda não tem que ter tabus sobre algumas questões de segurança, sendo que os cidadãos têm o direito de não viver em medo. Obviamente que não defendo políticas securitárias extremas de "law and order" ou de penas excessivas. No entanto, alguma desblindagem de algumas medidas excessivamente garantísticas deve ser encarada. Uma diz respeito à videovigilância, uma medida que se tem, em muitas cidades do mundo, revelado extremamente eficaz na prevenção e repressão criminal, e que tem sido extremamente restringida em Portugal, a meu ver por uma excessiva valoração do bem jurídico reserva da privacidade em detrimento de outros bens jurídicos. Outra diz respeito a algumas penas, que a meu ver, são extremamente leves, em homenagem a uma corrente de pensamento juspenalístico importada da Alemanha. Um exemplo é o crime de Roubo (Art. 210º Código Penal), que implica coacção ou ameaça de violência, punido com pena de prisão de 1 a 8 anos (e que será efectivamente menos com a liberdade condicional, sendo que sendo delinquente primário ou jovem, pode não vir a ser condenado em pena de prisão efectiva). Outros exemplos: Ofensa à integridade física simples (Art. 143º Código Penal, pena de prisão até 3 anos); Sequestro (Art. 158º, prisão até 3 anos, não havendo circunstâncias agravantes); Rapto (Art. 161º, 2 a 8 anos). Estes são crimes graves, aos quais a pena correspondente é ligeira. Para além de o sistema ser incoerente: aplica-se a mesma pena a um agente que sequestre uma pessoa que a um agente que alivie uma carteira no metro (crime de furto, Art. 203º Código Penal, pena de prisão até 3 anos), punindo-se a bigamia com pena de prisão até 2 anos (Art. 247º). Finalmente, seria também de equacionar a legislação relativa ao porte e uso de arma, sendo mais rigoroso e exigente o regime de avaliação psicológica das pessoas a quem é emitida licença de uso e porte de arma (incluindo armas de caça), e agravando as penas correspondentes à detenção, porte e uso de arma proibida ou carecendo de licença.
Segurança social e trabalho. O PS tem tradição de qualidade na intervenção nesta área, sendo no entanto escassos os recursos financeiros disponíveis. A meu ver, a dotação financeira nesta área deveria ser significativamente reforçada, sacrificando-se talvez uma ou outra autoestrada desnecessária. Tal é essencial para, na óptica do modelo "flexisegurança", reduzir as externalidades da flexibilização do despedimento e da precarização do vínculo laboral, e o modelo poder ser socialmente aceite.
Finanças. Esta será uma das mais duras provas do PS: como conseguir uma política de esquerda com o estado claudicante das finanças, especialmente em período de crise internacional. O lado bom da coisa é que a máquina fiscal ganhou em eficiência no mandato anterior, e será capaz de captar as receitas necessárias quando a crise for ultrapassada. No entanto, no futuro, poderão ser de equacionar algumas medidas conducentes à simplificação e transparência fiscal, nomeadamente através da racionalização e gradual eliminação dos benefícios fiscais, verdadeira cortina de fumo promotora de opacidade fiscal, e consequente redução das taxas de incidência. Por outro lado, seria de reequacionar a tributação de mais valias especulativas, e de equacionar um imposto sobre as grandes fortunas. O pacote Cravinho também seria bem-vindo.
Educação, investigação científica e inovação tecnológica. Nesta área a intervenção estratégica do PS foi, no seu essencial boa, reforçando o ensino público, investindo na educação de qualidade e na inovação tecnológica. No entanto, se a estratégia foi boa, a táctica foi má, nomeadamente na gestão do dossier da avaliação dos professores, que foi mal reflectida, implementada num espaço de tempo extremamente curto, de forma autoritária, e sem período de adaptação suficiente. Por outro lado, para além de insuficiente financiamento, persistem tendências pedagógicas que tendem a não privilegiar o mérito e a disciplina dos alunos, bem como estruturas burocráticas fortemene partidarizadas (as DRE). No que diz respeito à investigação científica e tecnológica, deveria ser aumentado o financiamento e definidos nichos e projectos-quadro de forma a canalizar eficientemente o financiamento.
Obras públicas. Algumas são essenciais para o desenvolvimento do país, outras não. O TGV e o novo Aeroporto são infraestruturas importantes para a redução dos custos de periferia. Outras obras públicas, nomeadamente várias autoestradas construídas recentemente, não o são, podendo esses recursos ser canalizados para outras prioridades (educação, justiça, segurança social). A escolha deve ser racional.
Transparência. A principal razão de descontentamento do eleitorado com o "centrão" reside essencialmente na permeabilidade e promiscuidade entre PS e PSD e os grandes interesses económicos.
É por um lado necessário que se levem a sério os concursos públicos. Acabar com a adjudicação por ajuste directo de obras públicas ou de serviços. Acabar com a adjudicação por ajuste directo de serviços de consultadoria (os célebres pareceres), por preços inflaccionados, e restringir o recurso desses serviços apenas quando não exista na administração pública competência técnica para tal, e sempre em regime de concurso público. Acabar com as "derrapagens" no orçamento de obras públicas, acabe-se com a prática corrente de os concorrentes a um concurso público fazerem uma oferta baixa apenas para ganhar o concurso, reavaliando posteriormente o orçamento e beneficiando da "urgência" na execução para cumprir calendários eleitorais. Acabar com os cadernos de encargos elaborados à medida de um determinado concorrente.
Pelo outro lado, é necessário moralizar a classe política. Não é aceitável numa ética de transparência que um governante, imediatamente após o exercício das suas funções públicas, se torne administrador ou consultor de grupos económico-financeiros que vivem dos negócios com o Estado, frequentemente para grupos que foram beneficiados durante o seu exercício de funções públicas. Não é admissível que ex-governantes se dediquem a golpadas duvidosas envolvendo paraísos fiscais e empresas fictícias, enriquecendo da noite para o dia.
Finalmente é necessário que os administradores das empresas públicas, bem como os titulares de cargos de nomeação política sejam escolhidos pelo seu mérito e pelas suas qualidades profissionais, e não pela sua afiliação político-partidária.
Comentários
Por exemplo, o sequestro é punido em França com pena de prisão mínimo de 5 anos (podendo nos crimes qualificados aumentar para 20 ou 30 anos). Na Suiça e na Noruega é punido com pena de prisão até 5 anos. Em Itália é punido com pena de prisão de 6 meses a 8 anos. Na Holanda com pena até 8 anos. Em Espanha, 4 a 6 anos. Em Inglaterra e País de Gales, dependendo das circunstâncias, pode ir até prisão perpétua. Na Suécia, com pena de prisão de 1 a 10 anos. Dos sistemas que examinei, só dois têm penas tão brandas quanto o nosso (Alemanha e Áustria, claro) e a Finlândia (até 2 anos, não havendo agravantes).
Isto apenas para demonstrar que em muitos países com todas a credenciais de respeito pelos direitos humanos há penas mais elevadas.
Para além disso, não me parece que haja qualquer forma científica de determinar a duração de uma pena. Depende de uma decisão política, atendendo a uma hierarquia de valores, obedecendo a princípios de proporcionalidade. Assim, não deve haver tabus no ajustamento de algumas penas.
Parece-me que um sequestro, dentro da hierarquia de valores que temos, é mais grave que um furto, apesar de ser punido com a mesma pena. Para além disso, tendo em conta a nova redacção do Art. 202 do CPP, o limite mínimo para a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva passa a ser de 5 anos. Pelo que entendo que, no caso do crime de sequestro (sem agravantes), o limite máximo da moldura penal deveria passar para cinco anos, o que aliás corresponde à pena media em outros países europeus.
E se os comentários passassem a post?
Abraço.