O discurso do Senhor da Ordem dos Advogados

Mais uma vez me desagrada profundamente o tom e o teor das afirmações públicas do Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto.

No seu discurso por ocasião da abertura do ano judicial, o Senhor Bastonário, no seu habitual tom categórico e moralista, para além de se aproveitar da tribuna e do cargo para veicular opiniões políticas pessoais, demonstrou à saciedade que, no século XXI, continua (e presume-se que assim o faça parte significa da corporação a que preside) a pensar na justiça através de quadros epistemológicos dos primórdios do século passado. As afirmações que teceu relativamente à Resolução Alternativa de Litígios são totalmente descabidas de qualquer fundamento jurídico, de acordo com a actual ciência do direito processual. A Resolução Alternativa de Litígios (Arbitragem, Mediação, Conciliação, Avaliação por terceira parte imparcial, etc.) são o paradigma emergente de justiça, permitindo às partes uma composição justa, célere, confidencial, eficiente e por vezes com melhor qualidade (no caso de instâncias especializadas em determinada matéria) dos seus conflitos, com custos geralmente significativamente mais baixos, tendo como vantagem desonerar os tribunais dos conflitos em que a sua intervenção não seja necessária. Deu sólidas provas em todo o mundo, tem dado bons resultados em Portugal. Semelhantes considerações se podem tecer quanto às suas afirmações relativamente à racionalização das leis de processo, nomeadamente a limitação dos recursos. Claro que Marinho e Pinto só se preocupa com a exploração demagógica de alguns casos em que se praticaram ilegalidades (e não será surpresa nenhuma terem, nesses casos, estado envolvidos advogados). O que, aliás, também sempre sucedeu, sucede e sucederá nos tribunais e nas transacções entre as partes através dos seus advogados: o celebérrimo "cambão" pelo qual os advogados das Beiras se tornaram tristemente célebres no Século XIX.  Mas como é óbvio, o cepticismo do Senhor Bastonário tem fundamentos de índole corporativista: tudo o que signifique menos tribunal, mais celeridade e menos recursos implicará menos honorários.

O Senhor Bastonário, porventura espelhando a opinião de parte significativa dos membros da corporação que preside,  defende um paradigma de justiça formalista, lenta, burocrática, cara, paternalista obcecada pelo fetichismo da toga e da beca negra. Ora, para a necessária e urgente reforma da justiça, posições não construtivas e unilaterais como esta são dispensáveis. Os operadores judiciários necessitam de dialogar construtivamente e não de se barricar e fazer um concurso para ver quem bate com o punho na mesa com mais força.

E, de passagem, neste Século XXI, talvez não fosse má ideia eliminar esses resquícios do corporativismo medieval que são as ordens profissionais de inscrição obrigatória e extingui-las a todas. Só lá estão para proteger o status quo, restringir administrativamente a concorrência de novos profissionais, dificultar a sua entrada no mercado e defender interesses de classe. Há países em que não há Ordem dos Advogados de inscrição obrigatória e a justiça funciona perfeitamente.

Comentários

Rui Cascão:

Os trubunais arbitrais, em Portugal, têm levantado forte suspeita de corrupção. O caso Amadora-Sintra é talvez dos mais paradigmáticos.

Declaração de interesse: Sou amigo do marinho Pinto há quarenta anos.
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