Uma reunião ou o alimentar de um equivoco?
Na passada quinta-feira, em pleno período de agitação e incerteza política, o Governo, nomeado pelo Presidente da República e a aguardar pelo veredicto do Parlamento, realizou mais uma das habituais reuniões semanais, na tentativa de manter uma fictícia normalidade.
De concreto terá sido aprovado o programa de Governo. Na conferência de imprensa no final da reunião pouco ou nada transpirou para a opinião pública sobre as linhas de actuação do futuro Governo. Toda a gente sabe que o ‘produto’ fabricado pela agonizante coligação de Direita é mais do mesmo.
O importante, conforme foi amplamente noticiado pela Imprensa, foi o assegurar que as medidas de austeridade impostas - de supetão recorde-se - durante os últimos 4 anos, permaneceriam praticamente incólumes, embora adocicadas com um ‘gradativo alívio’, diferido no tempo, certamente ‘condicionadas’ pela incerta evolução da economia ou, mais eufemisticamente, da competitividade link.
Mais uma vez o Governo insiste na execução do Programa de Estabilidade 2015-2019 que enviou em Abril passado para Bruxelas sem qualquer negociação prévia com os partidos que integravam a anterior AR, à revelia de qualquer análise colectiva e consensual do ‘interesse nacional’.
Na última quinta-feira tentaram passar por cima dos resultados que as eleições de 4 de Outubro ditaram. O que importa, para este Governo, é assegurar que a austeridade se mantém de maneira a continuar uma sinuosa e contínua transferência de fundos dos cidadãos contribuintes para o sistema financeiro internacional, ‘custe o que custar’. É esse o testamento que nos pretende outorgar. No entanto, tanto em política como no direito sucessório, a herança não é obrigatória.
O programa de Estabilidade (2015-2019) foi uma saloia, medíocre e vã tentativa de tentar comprometer o governo que viesse a sair do último acto eleitoral.
Está, com certeza, aqui o conjunto de razões pelas quais a coligação ‘P à F’ se encontra irremediavelmente isolada no espectro político nacional e ‘agitada’ com as dificuldades no assegurar os compromissos que terão assumido perante os seus ‘amigos’ europeus (Pacto de Estabilidade 2015-19).
As dificuldades de concertar uma resposta à Esquerda ao vazio governativo que poderá ocorrer com a rejeição do programa de governo na AR são naturais, depois de uma longa ‘quarentena’ (contada em anos), mas a Direita pretende fazer passar a ideia que – mais uma vez – não existem alternativas. Quando cair este mito começará uma nova etapa do regime decorrente do 25 de Abril.
A renovação do regime parece encaminhada para ser - pela 1ª. vez - tentada e construída à Esquerda, sem peias ou empecilhos, colocando em stand by situações intermédias, mitigadas e claramente ineficazes do tipo ‘Centrão’ e/ou do Centro-Direita ou mesmo Centro-Esquerda.
Os portugueses conheceram estas ‘soluções’ durante 40 anos. E se as ‘soluções à portuguesa’ tiveram tanto impacto no processo decorrente do 25 de Abril (sempre que impuseram a acomodação do regime às proposta da Direita) não se percebe porque esta é, desde logo, exorcizada ‘in utero’.
O apego histórico que a Direita se mune agora para defender o que considera a sua ‘legitimidade política’ (na ausência de outras legitimidades) nunca existiu em relação às deturpadas interpretações que tanto gosta de fazer acerca do 25 de Abril.
Todavia, nunca tantos comentadores apareceram no terreiro da opinião pública com tão sólidas certezas. O repetitivo coro que diariamente nos fustiga os ouvidos, brada: - um governo de Esquerda está condenado ao fracasso.
Seria bom que a decência opinativa fosse baseada a num ‘saber de experiência feito’ e não em palpites de indisfarçável confecção ideológica, nem dependente de insidiosos apetites (nem que seja por leitão à Bairrada).
Seria bom que a decência opinativa fosse baseada a num ‘saber de experiência feito’ e não em palpites de indisfarçável confecção ideológica, nem dependente de insidiosos apetites (nem que seja por leitão à Bairrada).
Cabe aqui um conhecido poema de Sophia Mello Breyner Anderson:
"A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida — o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos
Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?"
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