A 2ª. vida de Jemery Corbyn


A (re)eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Labour, ocorrida há poucos dias, mostra como os políticos profissionais e carreiristas podem estar (e ficar) isolados das suas bases link.
 
O grupo parlamentar trabalhista decidiu, após o Brexit, retirar o apoio político ao seu líder. Teria sido um golpe ‘ao estilo brasileiro’ se não fosse a política britânica ter uma raiz democrática muito profunda e consolidada.
Era suposto que os deputados representassem as suas bases partidárias e eleitorais. A auscultação directa dos militantes do partido revelou um total desfasamento entre os deputados e a maioria do partido. Tão-somente isso, o que já não é pouco.
 
A ‘3ª. via’, pretensamente uma versão moderna e revista da social-democracia, concebida por Tony Blair, não trouxe nada de bom para a Esquerda, não ‘vingou’ na Europa, mas continua a estrebuchar, no covil originário.
A acomodação às exigências do conservadorismo neoliberal é um dos caminhos para o suicídio da Esquerda, seja ela britânica ou, de contornos, europeus.
 
A recente interligação entre a reeleição de Corbyn e a candidatura americana de Donald Trump, feita por alguns órgãos de comunicação social link, é um monumento ao desprezo pelo discernimento político dos cidadãos.
 
Há que tirar ilações destas turbulências no interior do Labour. E existem muitas que se podem equacionar.
Desde logo, a derrota de uma 3ª. via que não convence, nem funcionou em lado nenhum e 'esvaziou' a social-democracia.
Pelo meio, a possibilidade de os aparelhos partidários perverterem as opiniões maioritárias em benefício de concepções trabalhadas de um 'grupo'.
Finalmente, resta o risco que está subjacente de uma eminente fractura partidária (que poderá estar em curso). Esta última seria a maior prenda dos despeitados blairistas à Srª. May.
 
Até aqui Corbyn tem clarificado onde - e em que assuntos da actualidade - está contra as políticas conservadoras. Já se manifestou em relação à política externa (Médio Oriente), em relação à política europeia, em relação a políticas internas como a emigração, o ensino, o serviço nacional de saúde, etc.
 
A mais recente clarificação, ocorrida no interior do Labour, permitir-lhe-á, de futuro, expor o que realmente um partido trabalhista tem para propor aos cidadãos britânicos.
 
Um primeiro passo para limpar e desanuviar o ambiente político – já bastante carregado com as peripécias do Brexit - seria a comunicação social deixar cair chavões pouco claros e, pior, imprecisos, como é o repetido apodo de ‘Corbyn, o esquerdista’. Esta designação só seria tolerável se a mesma comunicação social tivesse denominado Tony Blair como o ‘Blair, o direitista’.
 
O regresso do Labour, pela mão de Corbyn, às matrizes identitárias socialistas é a questão que os cidadãos britânicos têm pela frente e o resultado visível da clarificação ocorrida.
O importante, nesta viragem, é a rejeição pela maioria dos militantes e simpatizantes das teorias ‘social-liberais’ oriundas de uma vergonhosa capitulação da social-democracia perante a vaga liberal.
Mas, acima de tudo, evidencia a consolidação da ligação do Labour Party ao mundo do trabalho, através das históricas ‘Trade Unions’.
 
Na terra de William Shakespeare sabe-se que ‘não se suja a fonte onde se aplacou a sede’. Será esta a lição que Jeremy Corbyn pode tirar da sua (re)eleição e o fundamento natural do apelo que fez - depois de (re)eleito - à unidade dos trabalhistas britâncos.
 

Comentários

Manuel Galvão disse…
A esquerda "em liberdade" (como dizia Mário Soares) ainda não percebeu que está condenada a definhar e morrer desde que o muro de Berlim caiu. em consequência disso deixaram de fazer falta os partidos socialistas (ou social-democratas)os quais só foram tolerados sistema bancário internacional porque promoviam junto das classes trabalhadores a ilusão de ser possível construir o Socialismo (eufemisticamente denominado "em liberdade") dentro do sistema capitalista.
e-pá! disse…
De acordo.
Se a social-democracia ou o socialismo (em liberdade, de rosto humano ou como é mais frequente 'moderado') se limitar a gerir o sistema capitalista não tem espaço político e não faz falta para o rquilibrio social, a sua coesão e desenvolvimento.
Mas é esse o caminho que todas as 'modernizações' e 'novas vias' pretendem fazer. Corbyn não é um político desse calibre e é de prever que o 'regime' (britânico) nunca o aceitará.
Mesmo com 2 vitórias em pouco mais de 1 ano, os 'blairistas' vão-lhe fazer a vida negra e, desse modo, colaborar com a Srª. May.
Corbyn ganhou mais esta batalha mas como todos sabemos a guerra é outra...
Jaime Santos disse…
Lamento, mas o problema de Corbyn é de carácter e de competência (da sua direção). Não esquecer que ele apoiou o IRA e teve ligações recentes ao Irão, esse exemplo de laicismo humanista. Owen Smith está longe de ser um Blair (e pensa pela sua própria cabeça) e vários membros ou simpatizantes do Labour que se declararam a favor de Corbyn há um ano declararam-se agora desiludidos com a falta de capacidade da sua direção em compor novas políticas. Por outro lado, baixou os braços durante a campanha do Brexit, quando a posição oficial do Partido era defender a permanência na UE (pouco importa a posição pessoal de Corbyn, que é um eurocético). Mas mais grave do que tudo isto é dizer-se que a social-democracia está morta. Qual é a alternativa? O Socialismo Real? Poupem-me, mil vezes o capitalismo neoliberal da Sra. Thatcher. Quanto ao Socialismo Democrático (o Socialismo em Liberdade) definhou e morreu no RU nos anos setenta quando as pessoas se cansaram da guerrilha permanente dos sindicatos ao governo Labour e lhes deram a dita Thatcher de troca e depois em França, quando Miterrand teve que chamar o FMI. As experiências mais recentes (Venezuela) confirmaram o desastre. Eu gostava que as pessoas de Esquerda percebessem que a classe média, que é perfeitamente capaz de votar por medidas que favoreçam a condição dos mais desfavorecidos, não vai em cantigas e quer um Governo que seja capaz de lhe proteger as poupanças e a reforma. Por isso, cuidado com o que desejam...
Guia disse…
MUITO BEM ANALISADO!

...O que devemos pedir à "esquerda" é que aprenda com os erros de estar sempre a dividir-se com pequenas "querelas de poder"...Que é o que está a acontecer ao "Labour"... E que em Portugal parece que aprendeu a lição com o desastre de ter votado com a direita contra o PEC IV!

Jaime Santos...a sua análise sobre as posições de Corbyn só demonstram que pouco aprofunda as razões de tais escolhas...E quanto a preferir uma Thatcher a qualquer outra coisa de esquerda... Então estamos conversados sobre o seu socialismo/social democracia...!

E o que assistimos em França não nos anuncia nada melhor para a Europa, com um Hollande - que foi uma esperança quando foi eleito - em constante cedência perante uma Alemanha cada vez mais a afastar-se da raiz da democracia cristã, com os seus "mínimos de solidariedade social", de protecção dos mais desfavorecidos...!
e-pá! disse…
Jaime Santos:

O enterro da social-democracia, ou do socialismo, foi construído à volta da aceitação de um conceito espúrio e contraditório: 'economia social de mercado'.
O 'social' só está lá para enganar incautos. Melhor seria chamar-lhe 'economia liberal de mercado'...

Que outra coisa fez essa economia para além de destruir a coesão social à custa de uma insuportável duplicidade, ou seja, um gigantesco acumular de desigualdades a par do 'engordar' de cartéis oligárquicos?

Claro que há mais (e outras) clivagens, mas bem poderíamos começar por aí, sem ter medo das consequências desse 'desejo'.
Jaime Santos disse…
Eu preferiria a Sra Thatcher ao Socialismo Real porque ao menos no Reino Unido dos anos 80, se eu desejasse protestar contra ela, não acabaria no Gulag, eis porquê. E se alguém defende que a URSS era melhor do que a pior das democracias ocidentais, essa pessoa ou não sabe do que fala ou quando muito não tem nada para me ensinar sobre o que é ser-se de Esquerda. Sacrificar a Liberdade em nome da Igualdade (note-se que só em nome, porque a ditadura comunista era na realidade a ditadura da nomenclatura comunista, uma sociedade com duas classes bem distintas) é na realidade desfazer o elo entre os três conceitos (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) que definem a matriz essencial da Esquerda. Quanto à suposta falta de aprofundamento de que me acusam, pelo menos não tento despachar o óbvio com racionalizações absurdas. Uma ditadura é uma ditadura, que é uma ditadura...
Já agora. e-pá, relativamente à Economia Social de Mercado, note-se que esse é um conceito democrata cristão e não social-democrata, que devemos entre outros ao antigo Chanceler alemão Erhrard. Tentar confundi-lo com o ordoliberalismo e esse com o neoliberalismo, como tenho visto feito (mas não por si), só serve para aumentar a confusão...
e-pá! disse…
Jaime Santos:

De acordo.
A Economia Social de Mercado é, como todos sabemos, um conceito democrata-cristão do pós-guerra. Todavia, hoje, não há um único partido social-democrata que não a tenha incorporado na sua retórica (e prática). Não criou mas adoptou o modelo.
Na realidade, é muito difícil, ou quase impossível, ouvir um dirigente social-democrata falar de 'Estado de Bem-Estar'.
Os 'mercados', que ninguém controla, engoliram a social-democracia.
Manuel Galvão disse…
Blá, blá, blá, whiskers saquetas!

Todo o mundo a esquecer-se do essencial que é, de facto, a incapacidade que os governos das nações têm de liderarem a distribuição da riqueza que cada nação produz.

Ou porque se transformam em agentes do capital ou por outra razão qualquer, que seria boa de dissecar.

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