Imposto sobre o património imobiliário: deambulações reflectivas e alguns incómodos…

Os impostos têm sempre uma marca – e uma carga - ideológica. Quando os despimos dessas características tornam-se medidas meramente contabilísticas onde – para usar a linguagem arcaica – impera o deve e o haver. Hoje, chama-se a isto, quando tem a ver com as contas públicas, ‘equilíbrio orçamental’ e todo e qualquer desvio pode ter uma conotação terrível – défice.
 
Os impostos - a política fiscal - são, por outro lado, um tema difícil para um leigo. Mas, concomitantemente, são a inevitabilidade que nos cerca, aflige e interroga.
 
Não vamos recuar à origem dos impostos mas recorrer a um notável cientista do século XX que, falando sobre o velho ‘imposto profissional’, disse: “A coisa mais difícil de compreender no mundo é o imposto profissional”. – Albert Einstein.
 
É sintomático que um homem que foi capaz de elaborar e dar ao Mundo a Teoria da Relatividade tenha este grau de incompreensão sobre uma taxação que vigorou em muitos países europeus durante grande parte do século XX.
Na verdade, para o cidadão que dedica (vende) o seu tempo e saber profissional (a sua 'força de trabalho') a uma actividade laboral produtiva não é compreensível que sofra, sobre essa nobre opção, uma medida coerciva e punitiva (em termos fiscais). Pagar para trabalhar não parece conforme com os cânones de justiça social. Todavia, hoje o IRS (sucessor revisto e alargado do velho imposto profissional) é uma tributação aceite por todos os que trabalham e recebem remuneração por essa actividade.
 
Mas, o problema não é (só) esse. Todos julgamos que a estruturação social do presente necessita de suporte financeiro (a ‘sustentabilidade’ dos economistas) para consolidar-se ter continuidade e segurança. E que esta função não pode ser substituída por medidas filantrópicas (Fundações, ONG) assistencialistas (IPSS) ou meros actos misericordiosos (Santas Casas).
No entanto, os impostos, em muitos países, não tem uma límpida função de redistribuição da riqueza porque só uma pequena fatia está destinada a retornos através de prestações sociais. Isto é, a parte que está afecta ao suporte do Estado Social. A manutenção do aparelho de Estado, funções de soberania (Tribunais, Forças Armadas, Polícias, etc.), Poder Local, e por aí adiante, todos têm lugar marcado à mesa do Orçamento de Estado. Se acrescermos a estes itens os faraónicos custos do serviço da dívida, do resgate de bancos privados e refinanciamento do banco público, etc., percebemos como uma parte muito reduzida dos impostos serve para um retorno e manutenção da coesão social.
 
Percebe-se o incómodo desta situação para um Governo sustentado por toda a Esquerda parlamentar.
Durante o período de intervenção externa o IRS foi o cavalo de batalha da Troika para conseguir equilíbrios financeiros e procurar cumprir metas orçamentais.
Uma das maiores mentiras foi a de que o ‘ajustamento’ se faria à custa da despesa (2/3 !) e não aumentando a receita (impostos).
 
A ideia de sobrecarga fiscal consolidou-se, assentou arraiais e é notória para toda a sociedade. E os que estão isentos de impostos não entram neste campeonato porque a sua luta, infinitamente maior e mais dolorosa, é basicamente contra a pobreza.
 
Mais uma vez o problema deve ser remetido ao terreno ideológico e será, grotescamente, sintetizável em 2 grandes campos:
 
- A ‘onda liberal’ (com todas as suas cambiantes) que pretende baixar os impostos sobre as empresas, os lucros e a ‘riqueza’, taxando impiedosamente os rendimentos do trabalho, com o pretexto de estimular o investimento e empreendedorismo privado e o crescimento económico, criando uma elite empresarial motora do desenvolvimento;
 
- E, em visível confronto (doutrinário), as ‘posições de esquerda’ (conjugadas ou não) em que uma justa e progressiva tributação sobre as mais-valias do capital e da acumulação (não investida) de riqueza, aliviando os sucessivos assaltos aos rendimentos do trabalho, será a base do sucesso das respostas governativas já que abre caminho para uma maior capacidade de intervenção política (e na regulação económica) capaz de gerar uma ampla coesão social que conduza ao fim (ou atenuação) das gritantes desigualdades que condicionam, atrofiam ou impedem o desenvolvimento.
 
O novo imposto sobre o património imobiliário (o de dimensão vultuosa, entenda-se) é, quando analisamos o contexto nacional, o sucedâneo de um outro (imposto) que está inscrito no programa de governo e que incidiria sobre as heranças que, entretanto, parece ter caído. Não constitui uma novidade - nem uma surpresa - mas confina a transferência entre uma taxação patrimonial imobiliária e uma outra de aquisição sucessória. Um dos problemas dito ‘de comunicação’ é o Governo não ter explicado esta mudança de agulhas que parece recair sobre mecanismos de identificação de titulares e de eficácia fiscal.
 
A taxação sobre o património imobiliário tem, contudo, no campo político, uma enorme conotação negativa: é mais um imposto.
Mas na balburdia dos números, a sua permanente manipulação e a orientação da política para um novel grupo de cidadãos que constituem a nova aristocracia do liberalismo e disfrutariam de privilégios especiais – os investidores – tem amplamente perturbado a discussão.
Creio que os portugueses gostariam de saber, por exemplo, quanto do investimento estrangeiro (de chineses, franceses, brasileiros, etc) realizado em ‘vistos gold’ (próximo do 1.000 milhões de euros em 2014) foi reinvestido na economia nacional ou – o que será mais complexo – os montantes que, paulatinamente, terão transitado para  ‘paraísos fiscais’.
 
A maior boutade que foi audível no meio desta questão refere-se a que um imposto sobre património ‘ataca’ a classe média link . Como se a ‘classe média’ fosse, na actual estruturação nacional, detentora de património imobiliário com valores contabilizáveis entre 1 milhão ou 500.000 euros.
 
Um outro problema e que tem sido ladeado na discussão prévia deste novo imposto é a ausência de um ‘efeito ricochete’. Na verdade, uma ‘boa política fiscal’ seria mais eficaz, facilmente inteligível e imediatamente adoptável se a uma taxação do património imobiliário, prevista para arrecadar entre 100 e 200 milhões de euros, fosse contrabalançada com uma redução, de igual valor, nos escalões mais baixos de IRS.
 
Ensurdecedor tem sido o coro de lamentações no que diz respeito à ‘estabilidade fiscal’. Sendo a estabilidade fiscal uma arma instrumental, já que está sujeita à eficácia das cobranças, à evolução económica e às indecifráveis 'conjunturas financeiras' (dos 'mercados'), não se compreende a defesa intransigente de um imobilismo neste campo, quando sobre as perspectivas de desenvolvimento futuro reinam as maiores incertezas.
Estamos longe de adquirir uma justiça fiscal, que mereça o consenso nacional, pelo que o normal é a política tributária estar em permanente adaptação (às circunstancias objectivas das políticas orçamentais e em consonância com o crescimento económico). O problema não reside na ‘instabilidade’ mas na ‘justiça’ e nos necessários equilíbrios que a realidade determina. E, mais concretamente, quem tem meios para pagar a factura.
 
Finalmente, uma intrincada questão que perdura e mantem-se envolta por uma densa neblina. Em que medida o património imobiliário e os obscuros negócios envolventes (vistos gold, crédito hipotecário, etc.) estimulam o investimento e a economia nacional ou, bem pelo contrário, foram a causa próxima da criação de uma ‘bolha’ especulativa, cujos efeitos devastadores impendem (ainda) sobre a generalidade dos portugueses?
 
Até aqui a discussão parece centrada nos erros formais de um precipitado anúncio. Falta vir à tona a discussão ideológica. A verdadeira causa das coisas.
 

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