Morreu o pintor

Mário Silva
Somos muitos os que sentimos a perda, mas continuaremos a vê-lo nos milhares de metros de tela a que deu cor e vida ao longo de uma longa vida de artista plástico.

Abraço a Zé, sua dedicada companheira, e os filhos Sandra e Mário, a quem apresento sentidas condolências.

Deixo aqui, em comovida homenagem, um texto que escrevi para um dos seus catálogos:

«Mário Silva:

Tira das tintas cores mas é da alma que extrai a beleza que lhe escorre do pincel. Brotam-lhe da imaginação as formas, mas é ao sentimento que vai buscar a força que lhe conduz a mão que percorre as telas. Constrói a vida e a obra, passo a passo, dia a dia, com a paciência de um monge e a sabedoria de um profeta.

Disfarça de narcisismo a timidez e é rodeado da multidão de amigos que faz a catarse da solidão que o habita. Encontra na irreverência e na provocação o registo adequado para dissimular o altruísmo e a generosidade que o exornam. Dá-se aos outros fingindo que é para si próprio que olha.

Depois de noites compridas, de capitosos néctares e abundantes vitualhas regressa a casa, ao sorriso sereno da Zé, à companhia ensonada e meiga do último Mário, seu filho, e aos quilómetros de tela ainda virgem à espera de serem percorridos com a avidez criativa e o traço iconoclasta do artista que desafiou durante meio século a ortodoxia de qualquer escola.

É na fraterna amizade que se respira, nos convívios que promove, que melhor podemos apreciar a síntese do homem, do cidadão e do artista. Fraterno e jovial. Solidário e simpático. Irreverente e sedutor. Sempre.

E é na sua casa de Lavos e no caos que aí metodicamente organizou que podemos encenar uma tertúlia e fruir convívios calmos que as últimas décadas se encarregaram de exonerar na pressa do consumo e na vertigem da acumulação do capital.»

Hoje é o último e doloroso encontro.

Comentários

e-pá! disse…
Uma perda para Coimbra e para o País.
Julgo que a real dimensão deste artista está ainda por revelar. Entrará, provavelmente, na galeria daqueles cujo vulto se agiganta post-mortem.
Faz parte de uma plêiade de homens da cultura que pontificaram em Coimbra nas décadas de 60, 70 e 80. Quando Coimbra representava alguma coisa no contexto cultural e social nacional.

Recordo com muita saudade as performances do Circulo de Artes Plásticas, as soirées regadas e animadas da Clepsidra, as noites infindáveis na Alta 'coimbrinha' peregrinando pelas Repúblicas, os 'happenings' na baixa - galeria do Primeiro de Janeiro, etc. ...

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