A ameaça de Erdogan à espera de uma resposta …

A ameaça de Erdogan à UE é gravíssima. A hipótese avançada ontem  pelo 'sultão' -  em resposta a uma recente recomendação do Parlamento Europeu - ameaçando com a abertura das fronteiras turcas aos povos em debandada de grande parte do Médio Oriente, nomeadamente da Síria, lançará milhões de refugiados no espaço europeu tem, como é previsível, consequências brutais link .
Não o move qualquer estratégia humanitária nem de desanuviamento do clima bélico da região mas o ‘califa de Istambul’ sabe que esse acto lançará a Europa no caos.
A ameaça de ‘rasgar’ o acordo de contenção dos fluxos migratórios oriundos do Médio Oriente obtido como contrapartida para agilizar o avanço do processo de integração da Turquia na UE, que decorre desde 2005, conheceu diversos sobressaltos.
Ankara sempre foi a guarda avançada do Ocidente em relação ao regime soviético. Quando Washington protestava contra a instalação de mísseis em Cuba estava a fazer o mesmo na Turquia. Como a implosão da ex-URSS o regime turco continuou a desempenhar em papel de pivot a Leste e para essa zona foram transferidos importantes dispositivos militares estratégicos.
A situação no Médio Oriente caiu sob a alçada e do controlo do Estado Islâmico embora matizado por facções da Al Qaeda ou da ‘Irmandade Muçulmana’, na sequência do progressão das ‘primaveras árabes’ mas, acima de tudo, como parte integrante de uma estratégia hegemónica sunita, onde a Arábia Saudita, com a cobertura norte-americana, tem desenvolvido no terreno barbaras confrontações com vista a um domínio territorial e a uma expansão político-religiosa.
Na bordadura deste território tumultuoso e instável existem países como o Iémen, a Turquia, o Irão, o Líbano, Israel e a Palestina que, tendo sido artificialmente marginalizados do presente conflito, são o foco incendiário remoto de todas as tensões locais.
A mortífera ‘guerra civil síria’ e a anarquia reinante no Iraque, ambas subprodutos diretos da intervenção americana, são os dois grandes motores de toda a onda migratória mas compreendem diversas nuances.
O Ocidente criou e alimenta uma oposição ao regime de Bashar Al Assad aparentemente democrática e laica, ignorando, ou passando por cima, de interesses regionais geoestratégicos, nomeadamente, a Rússia e alterando os equilíbrios no Mediterrâneo Oriental, importante fórum na definição de todas as políticas energéticas, que começou no pós-guerra e se acentuou no presente.
Esta guerra em múltiplas frentes tem-se revelado extremamente complexa, dura, bárbara e destruidora em quase todas as frentes e levou a diversos êxodos regionais nomeadamente  os yazidis, shabaks, etc., e as minorias cristãs mas também, e fundamentalmente, minorias islâmicas como o xiitas, os curdos e turcomanos, arménios.
Existem alianças para todos os gostos e feitios e no meio desta balbúrdia os Estados Unidos a jogar cartadas pontuais de acordo com interesses específicos onde se salienta a indústria petrolífera. Não pode ser esquecida, neste contexto, a fratricida guerra Irão-Iraque, alimentada pela família Bush.
É interessante observar que os períodos de paz e progresso nesta região coincidem com tumultuoso desenvolvimento da doutrina Baas. Na verdade. o movimento Baas (o ‘Baathismo’) nasce na Síria no final da II Guerra Mundial estende-se rapidamente ao Iraque e assenta em 3 pilares com profundas influências regionais: nacionalismo, socialismo (de contornos especificamente árabes) e pan-arabismo. Este movimento teve forte influência política na Síria, Iraque, no Egipto (nasserismo) e inclusive na Líbia. Aliás, o pai do atual presidente sírio -  Haffez al Assad - é um dos destacados membros desse movimento.
Muitos destes movimentos cultivaram uma aproximação política com a ex-URSS que lhe permitiu cultivar a tríade funcional (Unidade política + Economia indivisível + Nacionalismo laico pan-arábico).
O desmoronamento do regime soviético rompeu definitivamente todos os equilíbrios estabelecidos e abriu um amplo espaço que, ao longo dos anos, foi sendo corroído e ocupado por derivas religiosas muçulmanas do tipo fundamentalista, de predomínio sunita, tendo como braço armado o jihadismo.
Ergodan não pode colocar-se de fora deste ambiente. A sua (da Turquia) posição de tampão do período da guerra fria acabou.
Hoje, com as conhecidas ligações à Irmandade Muçulmana o presidente turco é um ator ativo deste conflito. Deve ser tratado como tal embora queira desempenhar o papel de árbitro. O progressivo e contínuo afastamento do 'Kemalismo' (com algumas afinidades com o movimento Baath), intensificado com o fracassado golpe militar de Julho, colocou Ergodan sob os holofotes na melindrosa questão do Médio Oriente.
Erdogan é parte do problema e nunca será solução. Embora seja um esteio da NATO (e ocupe por decisão americana um papel preponderante em efetivos e um armazém de armas tácticas) nunca lhe poderá ser permitido ameaçar a Europa. Muito menos com uma invasão de refugiados que, como o próprio supõe, a lançaria no caos.
Hoje, Erdogan é um declarado inimigo da Europa tal como ela (ainda) existe. E deve ser tratado como tal.
Face a esta jactante arrogância de abrir as fonteiras turcas aos refugiados as instituições europeias deveriam ad limine declarar o incondicional apoio à causa da independência curda.
E, mais importante do que isso, concertar uma solução política para os múltiplos conflitos que varrem o Médio Oriente, ao arrepio de Ankara e dos obscuros sonhos (pesadelos) da reconstrução do califado otomano.
É imperioso isolar a víbora!

Comentários

E coragem da UE para apoiar a independência do Curdistão?
e-pá! disse…
CE:

Pois é. Com o terminus da I Guerra Mundial e o fim do califado otomano os vencedores gizaram o Tratado de Sévres (1020) em que obrigavam o governo otomano derrotado a assinar, um tratado de paz onde se redesenhava os territórios pertencentes à Turquia e, mais importante, se reconhecia quer a autonomia popular e territorial dos curdos e arménios o que alterava toda a geografia política do Médio Oriente. Hoje todos sabemos o que aconteceu.
Três anos mais tarde (1923)suspende-se o Tratado de Sevres e aceita-se em Lausanne um novo Tratada com a participação do Reino Unido, França, Itália, Japão, Grécia, Romênia, Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, e, finalmente, da 'nova' Turquia já dirigida por Attaturk.
Os curdos foram marginalizados no Tratado de Lausanne em benefício de uma aposta estratégica num regime republicano e laico da Turquia que estabilizasse o Médio Oriente. Valeu durante decénios no meio de convulsões e golpes militares.
Hoje, Ergodan, que já reverteu a quase totalidade do legado político de Attaturk. Está, portanto, na hora de exigir ao regresso ao Tratado de Sévers.

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