Trump, populismo e mexilhão...

Uma vaga de populismo está reagrupando forças no Ocidente e mais cedo do que se pensa varrerá o Mundo. Se a este populismo colarmos o nacionalismo nascente estaremos sob uma tempestade perfeita.

A exaltação do poder popular sempre foi uma matriz das democracias. O problema é outro: quando se aliena mecanismos de representatividade, dispensa os poderes organicamente separados  e faz-se consagrar como o (exclusivo) intérprete do ‘povo’, enceta-se o caminho do autoritarismo.
A existência de um único e todo poderoso intérprete da vontade popular é assustadora. O importante é aquela gente que embarca neste engodo de 'democracia direta'. São  gente ‘normal’, que privilegia o boçal (como anti 'politicamente correto'), os pré-esclarecidos, os que se excluem da participação mas aparecem - nas alturas certas- como representantes do povo, isto é, alimentam o âmago do populismo.
As minorias – de todo o tipo, político, rácico, de género, misógino, etc, - não interessam e estão em risco de perder o estatuto de cidadania. O seu futuro é o ostracismo.

Partimos, desde o final da II Guerra Mundial, em direção a uma sociedade plural, isto é matizada de, comunista, socialista, social-democrata, democrata-cristã e até pura e simplesmente liberal para um esquema subsidiário dos mercados livres que, a partir dos anos 90, assumiu a vertente ‘neoliberal’. O resultado desta transição que correu lado a lado com a globalização deu os resultados que conhecemos.
Uma forte crise mundial e a convicção de que os mercados desregulados são os abutres da economia, da depredação ambiental e também da perversão política.
A depreciação de valores éticos como democracia, liberdades, respeito pela Leis, pela dignidade humana (independentemente da cor, raça, origem, orientação sexual, ou ideias políticas, etc.) são as grandes questões emergentes da eleição de Trump e do advento do populismo que apresentando um imenso deserto ideológico concentra-se essencialmente no demagógico de exercício do poder.

Perante esta alteração qualitativa da política mundial a Europa continuará a falar do défice, dos orçamentos, das dívida, dos índices de crescimento ...
Vamos ser engolidos por um tsunami populista que se está a formar no outro lado do Atlântico. Enquanto não chega dedicamo-nos à apanha do mexilhão. Aquele que quando o mar bate na rocha acaba 'lixado'...

Comentários

e-pá:

Dizer que subscrevo é pouco. Desisto de escrever sobre o tema. Seria redundante e menos exaustivo se o fizesse.

Muito bem.
Manuel Galvão disse…
O “‘direito divino’ a governar” é uma presunção dos judeus de direita e dos nobres. A outra direita acha-se com direito a governar porque se considera a única responsável pela criação da riqueza. Porque governar, pensam, é ter o poder de decisão sobre a quem e em que quantidade distribuir a riqueza.
“Na casa do meu óme quem não trabalha não come” dá o mote da política de distribuição da riqueza. Isto é; não come, não vai ao médico, não manda os filhos à escola…
A Esquerda pensa diferente: “Todo o cidadão deve ter direito a uma vida condigna, com acesso ao trabalho, à educação, á saúde, etc.” tendo o Estado a função reguladora de dar provimento a essas necessidades básicas quando elas não existam, da mesma forma que regula as seguranças pública, alimentar, ambiental, etc.
Por isso a Direita trata a Esquerda como se de preguiçosos e perdulários se tratasse, há séculos. Excluindo o período de 1945 a 1989 no qual a Direita abriu mão de parte dessa política na Europa Ocidental e permitiu a criação de partidos socialistas “do arco do poder”, a que chamou “socialistas em liberdade”, para evitar males menores, isto é, para evitar que as ideias comunistas atingissem amplamente as classes trabalhadoras. A URSS aqui tão perto!
Foram os tempos áureos de Willy Brant, Mitterrand, Mário Soares, até de Yasser Arafat, todos dentro da grande irmandade da Internacional Socialista (em liberdade), todos tolerados pelo Grande Capital, e até subsidiados, uma vez que foram muitos deles que geriram os dinheiros do Plano Marshall.
Mas o Muro caiu, permitindo a Globalização da economia mundial e do Dólar como moeda de reserva de grande parte das nações pobres. Dólar liberto da paridade ouro e ancorado no controlo da produção de petróleo mundial por parte dos EUA. Permitindo a liberdade de circulação de capitais e com isso a lógica dos Mercados Financeiros, empresas de rating, etc., e as tentações de acesso a crédito barato e fácil, sem contrapartida de garantias reais, mas como contrapartida única a destruição total de quem prevarica… Esse foi o verdadeiro golpe que tem permitido ao Grande Capital chamar a si TODA a riqueza produzida nos países menos desenvolvidos, sob a forma de Juros de empréstimos.
Os partidos socialistas “em liberdade” e suas perspetivas ideológicas não estão em crise. Estão, isso sim, a ser DESTRUIDOS.
Não é um “‘golpe’ há largos anos em curso”, é um ‘golpe’ posto em movimento há menos de 2016-1989=26 anos…
O populismo é, simplesmente, a forma como se dá a conhecer certa direita em ascensão.
Ainda há quem não entenda a dimensão do desastre que foi a queda do muro de Berlim…
Manuel Galvão:

Obrigado pelo lúcido comentário ao texto de e-pá.

Repito consigo «Ainda há quem não entenda a dimensão do desastre que foi a queda do muro de Berlim…». E, no entanto fui dos que rejubilei com a queda do muro, incapaz de prever os que ora proliferam.

e-pá! disse…
Manuel Galvão:

Estando de acordo com o seu comentário queria assinalar para além da efeméride da queda do muro de Berlim, com consequências ainda em pleno desenvolvimento, uma outra - praticamente capicua - que vai desde 11.09 (2001) a 09.11 (2016) que m pouco mais de 15 anos introduziu novas nuances, outros figurinos, no terreno político.
Desde os 'ultras' que pressionaram G W Bush para a invasão do Iraque à entrada solene da extrema-direita na sala Oval existe um preocupante sobressalto histórico.
Entretanto, falta fazer o saldo político da actuação da Esquerda (de todos os matizes) durante este período inicial do século XXI. O novel conselheiro de Trump - Steve Bannon - já expressou o seu grande objectivo programático: 'acabar com a Esquerda'!

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