Momento de poesia
A Guerra que comprei na minha infância…
Cheguei a casa, feliz, e disse:
Comprei uma guerra para brincar.
Meu pai ficou aflito
e ele, que não foi à tropa
por ter ficado livre na inspecção,
devido à cunha de um padrinho,
disse que não queria tiros ali em casa,
nem os quartos transformados em casernas
nem a retrete a cheirar às fétidas latrinas dos quartéis.
Dos tachos da cozinha, nem falar, que estão
pela hora da morte neste país, por isso
não os podes usar como capacete
nem os paus das vassouras como espingardas.
A guerra é um vício da História, bradou colérico,
e logo a vizinha do lado, de quem ele
não gostava nada, veio à janela
perguntar se o pão ia ser racionado, como
na guerra anterior, e se era obrigatório colar
as tiras de jornal nas vidraças das janelas
por causa dos bombardeamentos.
Não, gritou-lhe o meu pai,
esta não é a guerra dos legionários
nem a cruzada do Cristo-Rei.
Mas já a rua se agitava
só porque as pessoas ouviram falar de guerra
e em manifestação ruidosa foram
à câmara municipal pedir armas para combater
já que em casa não tinham pão nem toucinho
para comer.
Nem pensar, disse o presidente,
que era obrigado a dizer
que o país vivia em paz e em harmonia.
E já eu andava na rua com os outros
meninos da escola a rufar no tambor
da guerra que comprei
a marchar em formatura, fardado de lusito,
engalanado de soldado,
e a bradar, ao mando do comandante:
Salazar!... Salazar!... Salazar!...
Alexandre de Castro
Cheguei a casa, feliz, e disse:
Comprei uma guerra para brincar.
Meu pai ficou aflito
e ele, que não foi à tropa
por ter ficado livre na inspecção,
devido à cunha de um padrinho,
disse que não queria tiros ali em casa,
nem os quartos transformados em casernas
nem a retrete a cheirar às fétidas latrinas dos quartéis.
Dos tachos da cozinha, nem falar, que estão
pela hora da morte neste país, por isso
não os podes usar como capacete
nem os paus das vassouras como espingardas.
A guerra é um vício da História, bradou colérico,
e logo a vizinha do lado, de quem ele
não gostava nada, veio à janela
perguntar se o pão ia ser racionado, como
na guerra anterior, e se era obrigatório colar
as tiras de jornal nas vidraças das janelas
por causa dos bombardeamentos.
Não, gritou-lhe o meu pai,
esta não é a guerra dos legionários
nem a cruzada do Cristo-Rei.
Mas já a rua se agitava
só porque as pessoas ouviram falar de guerra
e em manifestação ruidosa foram
à câmara municipal pedir armas para combater
já que em casa não tinham pão nem toucinho
para comer.
Nem pensar, disse o presidente,
que era obrigado a dizer
que o país vivia em paz e em harmonia.
E já eu andava na rua com os outros
meninos da escola a rufar no tambor
da guerra que comprei
a marchar em formatura, fardado de lusito,
engalanado de soldado,
e a bradar, ao mando do comandante:
Salazar!... Salazar!... Salazar!...
Alexandre de Castro
Comentários
Criança, vivia no Funchal, e era costume "passear" à tarde e aos feriados no molhe da Pontinha
Com os barcos a entrar e a sair do porto eram um rodopio de bandeiras a descer e a subir os mastros.
Meu avô dizia que os marinheiros estavam "falando" uns com os outros... E não me adiantava mais...
Quando vi o 1º. chefe de quina (era esse o nome?) com o estandarte em riste tive a sensação que faltava o mastro...