A 'questão turca'...
A Turquia vive momentos de grande instabilidade política que estão longe de serem resolvidos por uma ampla e precipitada remodelação governamental. link
A ruptura entre o partido de Erdogan (AKP) um formação política híbrida (conservadora e religiosa) e o eclético ‘movimento Gülen’ (religioso, assistencialista e empresarial) é, na verdade, o problema político fundamental que se arrasta desde o último Verão e está longe de qualquer (re)solução. Sem esta ‘conjugação’ de esforços e de estratégias os obscuros - mas primordiais - objectivos do actual governo turco dirigido por Erdogan, i. e., a islamização do País e a neutralização dos ‘árbitros da laicidade’ (Exército e o poder judicial), herdeiros da concepção da ‘nova República Turca’, imposta por Ataturk, estão seriamente comprometidos.
Muitos analistas consideram que o actual Governo dificilmente conseguirá sobreviver, politicamente, sem o oculto mas decisivo apoio de Gülen, nomeadamente no campo financeiro. E o paradoxal, em termos do que estará efectivamente em disputa, é que quer Recep Tayyip Erdogan quer Fethullah Gülen, ambos reivindicam pertencer a um mítico e enganador ‘islamismo moderado’, tentando disfarçar sob esta ambiguidade as suas (de ambos) vocações totalitárias que, como a História recente nos mostra, conduzem necessariamente a uma teocracia. Se quisermos fazer uma comparação caricatural poderíamos considerar que as actuais guerras intestinas na Turquia são uma tosca reprodução dos conhecidos diferendos e lutas pelo protagonismo e influência dentro do Vaticano que, desde há largas dezenas de anos, assistimos no Ocidente (p. exº.entre os jesuítas e a Opus Dei).
As Forças Armadas, ainda não totalmente recompostas da célebre ‘depuração Ergenekon’, mantêm uma atitude prudente e expectante já que as contradições internas abundam por terem estas instituições terem sido objecto de paulatinas infiltrações (pelo movimento Gülen e pelo AKP).
A ‘sagrada aliança’ entre o AKP e o movimento Gülen que até aqui serviu para purgar as altas chefias militares e os Tribunais, iniciando deste modo uma subreptícia 'deriva islâmica' está, ao que tudo indica, momentaneamente (irremediavelmente?) desfeita, o que deixa muitos 'fantasmas à solta'.
Todavia, os ajustes de contas, em curso, não ocorrem à volta de uma corrupção disseminada que atinge os mais altos escalões do Estado mas também passa por uma linha divisória entre forças islamitas em confronto tendo como pólos visíveis o AKP e o movimento Gülen e uma sucessão de eleições que se avizinham. Há também a nítida percepção de que existem contas antigas para saldar que envolvem vários protagonistas entre eles o Exército e o Poder Judicial.
Para já, o fiel da balança vive longe de Istambul ou de Ankara. Está sedeado nos EUA, num pacato ambiente rural da Pensilvânia e, aparentemente, 'só' manifesta interesse em questões educativas e à prática de actos caritativos. É um auto-exilado chefe religioso enigmático com vastas ambições políticas e chama-se Fethullah Gülen (na imagem). É, neste momento, a chave da ‘questão turca’.
Comentários
Um receio fundamentado é que o clérigo Gulen possa ter um regresso (triunfal) a Istambul ou a Ankara, repetindo o cenário já vivido com o ayatola Khomeini...
Depois disso, as eleições serão 'livremente controladas' por um qualquer 'comité islâmico' (Conselho dos Guardiães) na dependência de um todo poderoso e discricionário 'líder supremo'. Temos de constatar que as teocracias não têm mostrado grande criatividade ou qualquer tipo de inovação.