As crenças, os crentes e a convivência pacífica

Há uns tempos fui convidado para um colóquio realizado sob os auspícios do «diálogo inter-religioso», circunstância que me fez refletir sobre a oportunidade da presença ateia num simpósio onde as conferências seriam proferidas por um budista, um judeu, um católico (padre), um protestante evangélico e um ateu.

Refletindo sobre o amável convite e, depois de ter pensado se a conferência de um ateu faria sentido, no âmbito de um diálogo inter-religioso, cheguei à conclusão de que, se alguém estaria a mais, seriam os crentes.

Lembrei-me do automobilista que ia em contramão na autoestrada e que, ao ouvir pela rádio que um condutor circulava do lado errado, pensou que eram todos. Acontece que no pensamento, tal como na condução, a verdade não se determina pelas maiorias. Não era por todos pensarem que o Sol girava à volta da Terra que Galileu estava errado ou a Terra interrompia o movimento de rotação.

Seja quem for que detém a verdade, aspeto que agora enjeito, pensei, e penso, que é mais fácil o diálogo entre quem não tem qualquer crença e mudará de opinião, se os factos ou a ciência o justificarem, do que entre os crentes, com verdades absolutas, irrevogáveis e eternas.

Os crentes estão cheios de certezas e os ateus crivados de dúvidas. Como método, parto do princípio de que todos podem ter razão ou de que esta não asiste a ninguém. Por isso entendo que a verdade não é passível de escrutínio. Esta postura serve-me no ateísmo e na política. A liberdade foi excomungada por Pio IX, o Islão julga-a obra de Satanás e os totalitarismos um furúnculo que corrói o poder absoluto.

Sem prejuízo das convicções profundas que me animam não abdico do contraditório. A intolerância nasce das verdades absolutas e da certezas eternas.

No fim desse colóquio, enquanto um dos crentes se furtou ao almoço, levando consigo o ódio, e outros crentes me olhavam com azedume, eu olhei-os com bonomia porque não combato os crentes, batalho contra as crenças.

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