Academia e manifestações (tradicionais, não tradicionais e incondicionais)…




Segunda-feira (alguns) estudantes deverão manifestar-se em frente ao Teatro Académico Gil Vicente (TAGV) para expressar o seu público apoio à ‘praxe’.
Um sinal dos tempos. No momento em que a instituição universitária sofre um ataque feroz zurzido por este Governo nomeadamente com uma drástica redução de transferências orçamentais, situação complementada ao macabro atropelo – através do FCT – das bolsas para investigadores (doutoramentos e pós-doutoramentos), na altura em que centenas de estudantes abandonam anualmente o ensino superior por falta de condições materiais acrescido do facto das bolsas de estudo não chegarem para as encomendas, os estudantes de Coimbra manifestam-se pela ‘praxe’.
Urge perguntar se este determinado porfiar para continuarem a cuidar da ‘integração’ dos novos alunos (vulgo, ‘caloiros’) não deveria ser precedido pelo esforço da Academia (p. exº: manifestações) por forma a garantir um melhor (e mais democrático) acesso dos portugueses e das portuguesas ao ensino superior. Qualquer dia o problema que, por ora, parece ‘mobilizar’ alguns estudantes para a anunciada manifestação do TAGV, corre o risco de esvaziar-se (não de significado, mas de conteúdo).
A ‘praxe’ poderá esvair-se num saudosismo provinciano, vazio de substância, tão somente porque o fluxo anual de caloiros será – se não se arrepiar o galopante caminho de empobrecimento - cada vez mais diminuto e insignificante. Estamos, portanto, no limiar da retoma de uma velha ‘tradição’ (vinda dos primórdios da nacionalidade e cultivada no Estado Novo), isto é, nos tempos em que a Universidade só existiu para alguns. Todavia, para os estudantes o importante é neste momento de encruzilhada das Universidades e da valorização das actividades formativas e científicas salvaguardar que a ‘praxe’ no campus e nos arredores (urbi et orbi) seja intransigentemente defendida, à sombra da sua ‘tradicional universalidade’.
Todos reconhecemos que a ‘comunidade universitária’ (e não só os estudantes) tem uma variegada multiplicidade de rituais e actos cerimoniais que começam no acesso e poderão acabar (para muito poucos) na Sala dos Capelos. Não é essa plêiade de manifestações que está em discussão ou sequer ameaçada. Aliás, tudo o que – em relação à ‘praxe’ – está em discussão diz mais respeito à sua modernização (humanização) do que à sua extinção. Esta é uma noção que o poder político e universitário tem bem presente. Nenhum Governo, nenhuma Reitoria, nenhuma Associação quer ou deseja ‘comprar’ uma guerra com os estudantes. Mas não é disso que se trata. Este conjunto de procedimentos (lúdicos, festivos, artísticos, etc.) não consegue distanciar-se do facto de todas as manifestações estudantis terem um relevante impacto social, tanto mais que estas práticas (praxis) derrubaram o estatuto de ‘intramuros’ e saltaram os pátios e terreiros universitários para chegar à rua.
Por este motivo que a manifestação do TAGV sendo manifestamente prematura é, também, castradora. Tendo o exercício das praxes suscitado preocupações, dúvidas e perplexidades na sociedade seria bom que existisse abertura, dimensão e tempo para os portugueses perceberem o que, na verdade, representam hoje os rituais das praxes académica e universitária (que parecem idênticas mas não o são).
O que aparentemente está em discussão nacional são particularidades alienantes, alterações de conteúdo, de práticas e de representações que muito dificilmente podem ser circunscritas à defesa intransigente de uma tradição. É necessário perceber que a praxe fugiu aos redis restritos dos conselhos de veteranos e de comissões praxísticas/estudantis intermédias para entrar – muito fruto dos últimos acontecimentos em investigação - no debate social e político, logo, público.
Tudo o que de ‘preventivo’ for feito para tentar abortar e condicionar essa discussão (que só agora começou) joga contra os estudantes, os seus organismos representativos e, no final da linha, contra as instituições de ensino superior.  
Resumindo: a manifestação programada para a próxima 2ª. feira frente ao TAGV é manifestamente extemporânea. Todavia, os estudantes têm razões de sobra e autoridade cívica para se manifestarem. Assim o queiram porque motivos não faltam. E, de resto, em momentos cruciais a ‘praxe’ também serviu de suporte (bengala) a manifestações cívicas. Mas isso foi outra ‘tradição’…  

Comentários

Agostinho disse…
Os novos alunos das escolas que, por esforço e vontade próprios, ingressam no ensino superior para se valorizarem e sonharem com um futuro promissor, não precisam de ser “integrados”. Demonstraram ser pessoas com vontade, coragem e capacidade ao longo de doze anos de escolaridade. A integração oferecida no ritual das praxes é um absurdo porque não se baseia na elevação mas na estupidificação da pessoa.

Quem “aproveita” a “tradição” troglodita das praxes são os candidatos a tiranos. Promovem-se a carrascos para a satisfação de instintos soezes, situação que desgraçadamente podem adotar nas sociedades onde ficarão inseridos no futuro.

Reconhecer e promover manifestações a favor das praxes, como a que é anunciada para Coimbra, é o mesmo que, amanhã, legitimar e apoiar os agressores na violência doméstica, no ódio racial, na pedofilia, etc.

Não tenhamos ilusões, o problema das praxes não acaba só (mas também) com leis, regulamentos e posições firmes dos responsáveis, do governo e das escolas; é necessário que a sociedade (começando pelos pais) aja de forma concertada contra o retrocesso civilizacional e a bestialidade de uns quantos.
Querem voltar para trás, ao tempo da ditadura, da idade média, ao tempo das cavernas?

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