HAVANA – o suicídio de todas as ilusões…
José Saramago a propósito das execuções de dissidentes cubanos perpetradas pelo regime de Havana em 2003, escreveu no “El País” (14.04. 2003):
“Cheguei até aqui. De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho e eu fico. Divergir é um direito que se encontra e se encontrará inscrito com tinta invisível em todas as declarações de direitos humanos passadas, presentes e futuras. Divergir é um acto irrenunciável de consciência…”
A recente e trágica morte de um outro dissidente cubano, Orlando Zapata, fez-me aflorar à memória este duro, mas necessário, escrito do nosso Prémio Nobel da Literatura.
Este crime que permitiu a um prisioneiro em regime de greve de fome entrar em inanição e falecer nas mãos das autoridades cubanas é, para mim, um intolerável homicídio que tem como pano de fundo a negação do direito à dissidência e um profundo desrespeito pelo pessoa humana. É um crime contra a Humanidade.
O governo de Havana dificilmente conseguirá lidar com este bárbaro atentado aos Direitos Humanos. E, como todos sabemos, Havana – vítima de um implacável bloqueio imposto pelos EUA – necessita, para sobreviver, da solidariedade internacional. Portanto, este assassínio, para além de um inqualificável acto anti-humanitário, é um tremendo erro político. Expõe ao Mundo um regime sediado nas Caraíbas onde as Liberdades Fundamentais são letra morta. De agora em diante, será, cada vez mais custoso, penoso e despropositado evocar (ou invocar) a solidariedade dos povos.
O regime castrista tem sido amparado pelo Mundo, nomeadamente, pelos países da América do Sul, devido à sua exclusão do convívio internacional, ordenada pelos EUA. Para já, o regime de Havana, conta (ainda) com o silêncio cúmplice do presidente Lula da Silva, neste momento em Havana, em viagem de negócios, na sequência dos acordos preparados pelo Ministro da Indústria e Comércio brasileiro Miguel Jorge.
Uma desilusão nunca vem só. É decepcionante que um homem como Lula da Silva, cujo percurso de vida (social e política) está muito mais próximo do operário canalizador Orlando Zapata Tamayo do que dos “irmãos Castro”, seja capaz de deixar espezinhar as liberdades fundamentais, pelos negócios.
A revolução cubana faz parte do meu imaginário de jovem. Sempre pugnei para preservar as minhas memórias, mesmo quando se avolumavam os “sinais” que as contradiziam.
Hoje, perante mais esta enorme e bárbara crueldade, tenho de reconhecer que, fico por aqui!.
Ou melhor, fico por aqui, disposto a reivindicar o respeito pelas liberdades em todo o Mundo e, obviamente, também, em Cuba.
Quando as coisas se tornam insuportáveis, não há sonhos que resistam…
Comentários
Quando o pesadelo nos acorda do sonho sentimo-nos revoltados por termos sido usados e abusados.
Com todas as atenuantes do castrismo acho que fico por aqui.
Mas continuo angustiado pelos meus sonhos de juventude!
Nem quero ver o sangue que vai correr em Cuba depois da queda do regime!
Afinal os regimes também se suicidam!
Mas também gostaria de saber se Orlando Zapata subscreveria o silêncio que os que agora falam muito justamente a sua morte, fazem do injusto bloqueio que se faz ao povo cubano.
http://periodicopg.com.ve/?q=node/26799
igualmente tendenciosa como as milhoes de cópias que se lêem por aí mas em sentido contrário.
Pergunta 1: será esta versão melhor/pior fundamentada que as demais?
Pergunta 2: isto fará de mim um insensível anti-americano cegado pela deriva comunista?
Pergunta 3: não andaremos todos a comer a papinha já mastigada que nos põem na boca?
As declarações, claramente defensivas, de Raul de Castro, proferidas durante a visita de Lula da Silva, que integram o video anexo, são reveladoras da necessidade de justificar o injustificável.
Por outro lado, se fizermos uma resenha do publicado pela esmagadora maioria da Imprensa internacional, temos de inferir que o despacho da agência noticiosa "Patria Grande" é a excepção.
Tenho de confessar que, para continuar em paz com a minha consciência cívica, preferiria que o "caso Orlando Zapata" nunca tivesse existido...
É óbvio que - independentemente da minha indignação - Cuba seguirá o seu caminho.
Eu é que fiquei pelo caminho.
Na verdade, não chegamos todos ao fim da estrada...
Finalmente, confesso que não consigo responder - cabalmente - às suas 3 interrogações que, não sendo perguntas, questionam a veracidade (ou o fundamento) das notícias difundidas pelo Mundo.
Escrevia Sartre em O Ser e o Nada:
"Estar morto é estar entregue aos vivos..."
E, novamente, fico-me por aqui.
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É um facto que quase tudo o que se ouve falar cá fora sobre Cuba não tem a repercussão que teria lá se não houvesse um filtro que o impedisse.
Por outro lado é igualmente verdade que a versão dos media cubanos nunca tem qualquer repercussão cá fora.
Ou seja, nós por cá habituámo-nos a pensar que o filtro só funciona num sentido. Mas porque nos enchem com a falácia da Liberdade de expressão, não damos conta que a nossa imprensa (toda ela obedecendo a interesses opostos aos da Pluralidade de expressão) funciona como um autêntico filtro não repercutindo cá fora o que se passa nos media Cubanos e até mesmo na sociedade cubana.
Para mim é frustrante ter de andar ao rebusco para apanhar o que os poucos cubanos que têm acesso à internet escrevem em fóruns de lá.
Saber que sim, que eles falam destes assuntos e também nesses mesmos foruns escrevem os opositores cubanos, incluindo os que não vivem na ilha e portanto têm maior desprendimento de língua.
Mas será que não há interesse dos ditos democratas deste lado de cá de ouvir essas vozes dintintas?
Não ver esta barreira e fazer eco do mesmo e único discurso produzido pela oposição cubana no exílio é aumentá-la, é fazer crescer um bloqueio.
Com tanta gente a berrar para o mesmo lado, sem contraditório e portanto mais seguros da sua única verdade que sorvem acriticamente de sectores que são tudo menos imparciais, é natural que as agulhas nunca saiam do palheiro.
E eu não estou a defender as agulhas, estou só a tentar mostrar que elas existem.
Mais uma coisa: há muitos Orlandos Zapatas em países ditos democratas e nem por isso vejo a animosidade contra o «regime» dos ditos, até pelo contrário. Porque será que uns são assim e outros são assado?
Re: Ganha quem berra mais alto.
Grande número de orgãos de comunicação social têm condenado, em todo o Mundo, nas suas páginas, o bloqueio dos EUA a Cuba.
Embora reconheça que esta medida coerciva imposta pelos EUA afecta gravemente o povo cubano, não é esta a questão que, neste momento, está em causa.
O qualificativo de "mercenário", atribuído a Orlando Zapata, num julgamento realizado em 2003, nunca foi o motivo dos protestos. Embora tenha sido referido que Orlando Zapata, depois de 2003, foi submetido a outros julgamentos e a novas condenações. E, segundo se depreende, não seria na condição de preso, que prosseguiria a sua actividade "mercenária"...
O problema é que - segundo as informações veiculadas pela Imprensa internacional - Orlando Zapata protestava, com a greve de fome, contra as condições prisionais a que estva sujeito.
Nós, na Europa, também temos cidadãos que utilizam as greves de fome como forma de protesto.
Mas, o desfecho desses actos de rebelião, contra situações que os visados consideram injustas, não tem sido idêntico ao de Orlando Zapata.
Tanto mais que Cuba reivindica ter prestado a Orlando Zapata as melhores condições de assistência. Ora todos sabemos que existem meios técnicos (médicos) eficazes para evitar que uma greve de fome tenha um desfecho deste tipo.
Não basta lamentar a morte de Orlando Zapata, como fez Raul de Castro, secundado por Lula da Silva. É necessário evitar que casos como este nunca aconteçam.
De resto, o esforço dos meios de comunicação cubanos, para enfatizar a condição de "delinquente" de Orlando Zapata, em nada diminui a gravidade do sucedido.
Caso contrário, estariamos a advogar a pena de morte, como uma solução judiciária "justificável" para combater a criminalidade, situação que, como deve saber, foi abolida, em Portugal, no ano de 1867.
No seu livro "Orlando" (uma propositada coincidência) dizia Virginia Woolf:
"A vida é como um sonho; é o acordar que nos mata..."
basta se lembrar do "martir" Stepinac....
Tomei nota da sua referência que vou tentar seguir com atenção.
Já agora um pequeno esclarecimento.
Quando disse que ficava pelo caminho, também afirmei que sabia que Cuba seguiria o seu ...caminho.
O que, de facto, vai ficar pelo caminho é um quadro de referência de um romantismo revolucionário que foi, para mim, na juventude, Cuba.
De resto, Cuba, enquanto experiência revolucionária, nunca me será indiferente.