Reflexão de um leitor para outro
Por
Jorge Carvalheira
Um povo é, ou vai sendo, aquilo em que se transforma todos os dias, na sua caminhada.
E a nossa já é longa.
Podemos até dizer, com bastante propriedade, esta coisa muito simples: no tempo em que a nós nos levaram para Índia, os suíços eram bonecos de neve numa encosta; os suecos vestiam peles de urso; e os finlandeses viviam em cavernas.
Onde estão hoje, todos eles, que entretanto foram à escola, e à oficina,e aprenderam com os erros, e criaram, e puxaram pelo bestunto?
E onde nos ficámos nós, que sem mais proveito colectivo conhecido, andámos 500 anos a fazer filhos às pretas?
Claro que a reduzida elite que nos levou para lá, ganhou com isso.
E tratou sempre de nos manter a todos em respeitinho: na penúria, na ignorância, na superstição, na treva.
E assim servimos um escol imperial, de cortesãos, e fidalgos, e parasitas; e também a santa igreja, que nos aspergiu de água benta, porque ao lado do império quis dilatar a fé, chamemos-lhe assim para não dizer palavrões.
Nós lá fomos, à ventura, ao cheiro da canela, à veniaga, à espera duma migalha que nunca nos tocou. E bem levados fomos. Especializámo-nos em tráfico negreiro (embora a história oficial o não reconheça) e corrompemos a alma. E deixámos de ser, enquanto não encontrarmos o modo de voltar a sê-lo.
Só que o tempo necessário é muito, e o que nos concedem é pouco.
Aparentemente tínhamos desde Abril o necessário: liberdade, raiva, fundos, dinheiros, eleições, escolhas... e demos nisto, que é um já visto.
A mesma canalha dirigente, que em lugar de dirigir o povo, antes o despreza e se põe a cavalo nele. Nem uma elite dirigente conseguimos criar, porque nem sabemos o que é a liberdade, e confundimos merda com ervilha de cheiro.
Repare no Sócrates, que é uma besta. Verbo fácil mas inculto, limitado, novo-rico, bêbado duma modernidade plastificada, enlevado pelo poder. E no entanto nunca tivemos melhor, como governo, dado o momento da história que se vive, porque as revoluções da utopia faliram.
Os ensaios de modernização do mofo secular nacional vieram dele, mesmo se incipientes, mesmo se falhados. A justiça, a medicina, a igreja, a educação, até a economia, até o Alberto João e o que ele representa, o poder autárquico... foram pela primeira vez agitados.
Claro que o Sócrates é uma besta, e fez muita coisa mal feita, porque é igual a todos nós.
Pois bem! Veja como andam a fritá-lo em lume brando, mas constante. E não, diga-me ao menos que não é verdade, que os bloquistas e os pecepistas não se puseram também a afagar a pança do ogre da Madeira. Porque absterem-se já era bastante. Mas ajoelharam-se por meis dúzia de votos inúteis. Claro que temos que mudar, mas tudo isto é demais.
Olhe, sabe que mais?! Viva a República e desculpe esta catilinária!
Jorge Carvalheira
Um povo é, ou vai sendo, aquilo em que se transforma todos os dias, na sua caminhada.
E a nossa já é longa.
Podemos até dizer, com bastante propriedade, esta coisa muito simples: no tempo em que a nós nos levaram para Índia, os suíços eram bonecos de neve numa encosta; os suecos vestiam peles de urso; e os finlandeses viviam em cavernas.
Onde estão hoje, todos eles, que entretanto foram à escola, e à oficina,e aprenderam com os erros, e criaram, e puxaram pelo bestunto?
E onde nos ficámos nós, que sem mais proveito colectivo conhecido, andámos 500 anos a fazer filhos às pretas?
Claro que a reduzida elite que nos levou para lá, ganhou com isso.
E tratou sempre de nos manter a todos em respeitinho: na penúria, na ignorância, na superstição, na treva.
E assim servimos um escol imperial, de cortesãos, e fidalgos, e parasitas; e também a santa igreja, que nos aspergiu de água benta, porque ao lado do império quis dilatar a fé, chamemos-lhe assim para não dizer palavrões.
Nós lá fomos, à ventura, ao cheiro da canela, à veniaga, à espera duma migalha que nunca nos tocou. E bem levados fomos. Especializámo-nos em tráfico negreiro (embora a história oficial o não reconheça) e corrompemos a alma. E deixámos de ser, enquanto não encontrarmos o modo de voltar a sê-lo.
Só que o tempo necessário é muito, e o que nos concedem é pouco.
Aparentemente tínhamos desde Abril o necessário: liberdade, raiva, fundos, dinheiros, eleições, escolhas... e demos nisto, que é um já visto.
A mesma canalha dirigente, que em lugar de dirigir o povo, antes o despreza e se põe a cavalo nele. Nem uma elite dirigente conseguimos criar, porque nem sabemos o que é a liberdade, e confundimos merda com ervilha de cheiro.
Repare no Sócrates, que é uma besta. Verbo fácil mas inculto, limitado, novo-rico, bêbado duma modernidade plastificada, enlevado pelo poder. E no entanto nunca tivemos melhor, como governo, dado o momento da história que se vive, porque as revoluções da utopia faliram.
Os ensaios de modernização do mofo secular nacional vieram dele, mesmo se incipientes, mesmo se falhados. A justiça, a medicina, a igreja, a educação, até a economia, até o Alberto João e o que ele representa, o poder autárquico... foram pela primeira vez agitados.
Claro que o Sócrates é uma besta, e fez muita coisa mal feita, porque é igual a todos nós.
Pois bem! Veja como andam a fritá-lo em lume brando, mas constante. E não, diga-me ao menos que não é verdade, que os bloquistas e os pecepistas não se puseram também a afagar a pança do ogre da Madeira. Porque absterem-se já era bastante. Mas ajoelharam-se por meis dúzia de votos inúteis. Claro que temos que mudar, mas tudo isto é demais.
Olhe, sabe que mais?! Viva a República e desculpe esta catilinária!
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