O diálogo entre o ateísmo e as religiões

Sempre tive dificuldade em pensar que fosse possível o diálogo entre ateus e crentes, o que é muito diferente da confiança e estima mútua e recíproca que devem estabelecer.

«O homem é ele próprio e a sua circunstância», como escreveu Ortega Y Gasset, razão porque há uma geografia da fé: os católicos nascem em países de idêntica tradição, tal como os muçulmanos, os budistas, os cristãos de várias tendências e todos os outros, tradição que foi imposta, quase sempre, à custa da espada.

Os homens nascem ateus e os padres e as famílias logo se encarregam de os modificar, desde a nascença, sendo muito difícil que os homens (homens e mulheres) aderissem maciçamente a um credo, ao atingirem a idade adulta, se não tivessem sido catequizados desde tenra idade. Não menosprezo o que leva as pessoas a crerem em Deus: não são os argumentos mas, quase sempre, o hábito de o fazerem desde crianças.

Quer as religiões tenham origem no animismo ou nos politeísmos, o monoteísmo surge com os hebreus, como resultado da sua organização tribal e patriarcal, da necessidade de defesa das terras e da identidade contra as tribos nómadas. Que as religiões são uma criação puramente humana não oferece dúvidas, através da comparação das diversas crenças entre si e das lutas internas que geraram e geram.

A origem humana foi demonstrada apesar dos esforços dos padres para impedirem a ciência, de natureza humana, de cometer o sacrilégio de investigar a palavra de Deus, em estado puro, contida nas Escrituras.

O facto de os monoteísmos terem origem patriarcal deu origem à mais dramática das sequelas da moral religiosa – a obsessão pela repressão sexual que causou infelicidade, medo e o trauma do pecado em relação a uma fonte de prazer e de realização humana. E, pior, são responsáveis pelo carácter misógino que impediu a emancipação da mulher, o direito à sua determinação social, profissional e cívica, reprimida pelos mais boçais e cruéis preconceitos patriarcais durante milénios.

Para mim, ser ateu é tão natural como aceitar um teorema ou a lei da gravidade, feliz por saber que ninguém mata outro por não acreditar numa lei da física ou num resultado matemático, o que já não se pode dizer dos dogmas.

Não tenho angústias metafísicas e não poderia compreender a existência de Deus com as catástrofes que o mundo suporta.

Comentários

Dizia Roger Vaillant - escritor francês de meados do sec.XX, profundamente ateu e iluminista, mas, como era hábito na época, muito ligado ao Partido Comunista -que o ateísmo era uma atitude "aristocrática". Não se referia, obviamente, à aristocracia nobiliárquica tradicional, mas a uma certa aristocracia intelectual e cultural. Isto é, as pessoas (de esquerda) cultas eram ateias, mas os povos, na sua suposta ignorância, eram religiosos, pelo que "não convinha" contrariar essa religiosidade.
Esta é ainda hoje a posição oportunista dos partidos comunistas, que são ateus mas, envergonhadamente, "escondem" o postulado que Marx abertamente proclamou: "a religião é o ópio do povo". Alguém já viu, por exemplo, o PC português pronunciar-se contra as religiões? Nunca.
È preciso, sobretudo agora, em pleno sec. XXI, acabar com esse oportunismo, isto é, com essa mentira por omissão. A esquerda tem de mostrar-se como é, sem ocultar as suas posições quanto à religião.
andrepereira disse…
Há pensamento de esquerda e de direita sem religião e há pensamento de esquerda e de direita com religião. Não vale a pena criar uma questão religiosa na nossa sociedade, porque ela não existe. A República é de todos.
Alvaro disse…
Porque será que Einstein era religioso?
ahp:

Li «O homem do povo na Revolução» e «A cabra cega».
Álvaro:

Einstein era ateu. Uma das suas últimas cartas, recentemente encontrada, revela isso mesmo.

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