PORTUGAL 2010: “A Questão da Liberdade de Imprensa”

“Não vale a pena tapar o sol com uma peneira”.
Esta não é uma alusão metafórica ao jornal o “Sol”.

Dirige-se à tentativa de ignorar que o País caminha – num momento difícil da sua longa História – para uma grave crise política.

Crise que, para sermos sucintos, incide sobre o que podemos chamar a “questão da liberdade de informação”.
E nunca um problema de liberdade de expressão, nem sobre os órgãos que a protegem, como p. exº., a ERC (artº. 39 da CRP).
Nunca, como agora, houve tanta devassa sobre os detentores de cargos públicos (eleitos ou nomeados).
Jamais os dirigentes políticos, partidários e as ditas "figuras públicas" estiveram tão mediaticamente expostos.

Por outro lado, as gravações de conversas telefónicas - privadas com certeza, pois não conheço conversas telefónicas públicas - entre elementos do Governo, do sector bancário e da área empresarial ou, inclusive, dos seus representantes legais, já foram analisadas pelo poder Judicial e já foi emitido um veredicto.
Só que esta importante questão não fugiu à rotina habitual que envolve o exercício da Justiça em Portugal.
As investigações em curso e que originaram as escutas saltaram o muro e - como vem sendo regra nos grandes processos mediáticos - o segredo de justiça foi à vida.

Neste momento, o confronto entre as declarações oficiais ou oficiosas dos órgãos ou agentes supostamente envolvidos e a matéria que tem sido objecto de sucessivas publicações, intrigam qualquer cidadão. É ampla e fluida a margem entre o que se afirma e as insinuações, já esclarecidas ou por desvendar.
Este desfasamento cria espaço para todo o tipo de especulações, apesar do grosso destas situações, já terem transitado em sede de justiça – PGR e STJ.

As questões sobre informação sempre foram assuntos sensíveis. Mereciam, só por isso, outros cuidados no seu manuseamento. Os poderes públicos não podem escudar-se por detrás das acções judiciais e ignorar a opinião pública, neste caso, condicionada (formatada) pela “opinião publicada”.
Apesar de parecer inverosímil, podem num Estado de Direito existir (e persistir) questões que, pela sua elevada sensibilidade, os despachos judiciais (mesmo que definitivos) não as enterram. Elas extravasam o âmbito jurídico e caiem na praça pública.
Merecem, quando isso ocorre, que sejam facultadas aos visados oportunidades para tentarem esclarecer os cidadãos, sob pena de gerarem um clima de instabilidade. As longas declarações, de hoje, do Ministro da Presidência são, manifestamente, tardias.
Não extinguem a fogueira ateada.
Este clima é, então, um factor que faz “deslocar” as questões do campo judicial, por tradição formais, para o foro político, habitualmente volúvel e especulativo.
É neste último terreno que estamos a jogar e vai prosseguir o "caso" . Com todas as armas e bagagens e, ainda, com todo o tipo de contradições.
Os despachos judiciais não saciaram as interrogações, nem fizeram assentar o pó que se levantou. Deveria ser assim, mas todos “sentimos” que não é.

Encerradas as démarches judiciais começou, de imediato, a peleja política.
Não existiu a prudência de esperar pelas conclusões da ERC que, segundo as informações vindas a público, se entroncam nesta questão.

Todos acusam todos das mais variadas prevaricações: entorses, pressões, tentativas de controlo e violações, atitudes capazes de ferirem a liberdade e a isenção da imprensa.
As gravações, cujo conteúdo ninguém desmente, taxativamente, não versam assuntos corriqueiros como futebol, o tempo ou futilidades da vida quotidiana. Incidem sobre o papel da comunicação social, tendo como referencial o desempenho do Governo.
E o seu conteúdo, inicialmente privado (é certo) mas, neste momento, tornado público, necessita de outro tipo de explicações, para além de respostas formais ou de esparsos comentários telegráficos.

E, para além do terreno jurídico, levanta-se a "questão constitucional".

Assim, no que diz respeito a todas estas questões emergentes, convém recordar o que reza a Constituição da República:

Artigo 38.º
Liberdade de imprensa e meios de comunicação social

1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. …;
a) … ;
b) … ;
c) …;
3. ….
4. O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas.
5. …..
6. A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.
7. … .

Bem.
É neste contexto que se pode entender (encaixar) a constituição de uma comissão de inquérito parlamentar.
Que não deve (nem pode) funcionar como um “tribunal político”, embora as questões a analisar devam estar subordinadas ao âmbito estrictamente político.
Os inconcebíveis e de má memória "Tribunais Plenários" foram, há muito tempo, extintos.
A comissão de inquérito deve desenvolver um trabalho supletivo e distante da análise judicial já efectuada. Nunca poderá enveredar por um percurso concorrencial, nem ressuscitar questões já transitadas em julgado.
Esta Comissão deve visar, em primeiro linha, o esclarecimento dos portugueses e das portuguesas, através de conclusões límpidas, transparentes e sólidas, sobre factos concretos e o seu rebate na preservação da Liberdade de Imprensa.

Os grupos parlamentares que – sejamos objectivos – dirigem os trabalhos da Comissão para o cabal esclarecimento da actuação do Governo, ou de entidades que este controla, têm de tirar ilações e devem cultivar a noção do elevado risco do caminho que escolheram desbravar…
E, no caso de apuramento de comportamentos ilícitos, a única atitude que será inteligível pelos portugueses é a assumpção de todas as consequências, por mais drásticas e trágicas que sejam, i. e., a apresentação, em sede própria, de uma moção de censura ao Governo, mesmo que condicionada, nos seus efeitos imediatos, em termos constitucionais. E, consequentemente, arcarem, aqui e agora, com todas as responsabilidades políticas daí inerentes.

Os portugueses estão fartos de recados, trocadilhos, chicanas, chiquelinas, floreados… etc. Na realidade, vivemos tempos tão difíceis que as “meias tintas”, o “faz de conta”, o “empaleanço”, não podem ser tolerados, por mais tempo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Divagando sobre barretes e 'experiências'…

26 de agosto – efemérides